Como alguém se sentirá sendo o último remanescente de uma foto tirada há 66 anos, em 1958, reunindo 60 dos maiores nomes da sua especialidade, o jazz? Como terá sido, anos depois, observar casualmente a foto, constatar que a maioria daqueles amigos já desapareceu e passar a acompanhar a partida dos demais até que sobrem apenas dois —ele próprio e mais um? Foi o que aconteceu nesta segunda (23), com a morte, aos 95 anos, de Benny Golson, um dos grandes sax-tenores de sua geração, autor de dois standards, "I Remember Clifford" e "Whisper Not". Era o penúltimo. O único vivo agora é Sonny Rollins, este, sim, um gigante do tenor, aos 94 anos completados há poucos dias.
A foto, de Art Kane, feita para a edição de janeiro de 1959 da revista Esquire, chamou-se "A Great Day in Harlem" e é uma das imagens mais icônicas depois da Santa Ceia. Foi copiada e adaptada por fotógrafos de todos os países, cidades e bairros e teve sua história contada em dois filmes, o documentário homônimo de Jean Bach, em 1995, e "O Terminal" (2004), de Steven Spielberg. E é mesmo uma história quase absurda.
Como convencer os artistas mais livres e dispersivos do mundo, os jazzistas, a comparecer a determinado endereço em dia tal e num horário, 10 da manhã, em que nenhum deles se habituara a estar acordado? Pois aconteceu. O convite correu por Nova York e, no dia 12 de agosto de 1958, lá estavam, defronte ao nº 17 da rua 126 Leste, no Harlem, Thelonious Monk, Dizzy Gillespie, Count Basie, Coleman Hawkins, Gerry Mulligan, Lester Young, Horace Silver, Art Blakey, Jimmy Rushing, Gene Krupa e muitos mais, velhos, moços, brancos, pretos e de todos os estilos. Louis, Duke, Miles, Billie e Ella faltaram, estavam em turnê.
Inúmeros deles não se viam havia décadas e tinham muito que se abraçar e conversar. Como fazer com que ficassem quietos para a Hasselblad de Kane? E os meninos da rua, que queriam aparecer na foto? E a polícia, que já não tinha como segurar o trânsito?
Mas a foto saiu e lá está, entre eles, o jovem Sonny Rollins. Continua firme, na ativa e, se hoje fizerem outra, ele estará presente.
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