quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Com Marçal pós-bolsonarismo, eleição é uma roleta-russa, Marcos Augusto Gonçalves, FSP

 Marcos Augusto Gonçalves

São Paulo

notícia da viagem ao exterior de Pablo Marçal, candidato a prefeito de São Paulo, é mais uma demonstração de que o autodenominado ex-coach não veio para brincadeiras. A ideia de buscar respaldo de marketing em encontros com líderes internacionais no campo do ultraliberalismo ou do populismo de extrema direita não é em si nenhuma novidade. Chama, contudo a atenção o fato de o planejamento da turnê começar pelo presidente de El Salvador, Nayb Bukele.

Os paralelos entre os dois personagens, em que pese a diferença de estágio em que se encontram em suas carreiras, são reveladores. Embora Marçal possa ser inscrito no mesmo contexto político-ideológico de nomes como Donald Trump, Javier Milei, Bolsonaro e Orbán, há características e nuances que diferenciam essas figuras entre si.

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O candidato a prefeito de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB) faz caminhada na favela do Jaguaré, em SP - Bruno Santos - 25.ago.2024/Folhapress

Como bem observou a jornalista Ana Luiza Albuquerque, em análise sobre o assunto, Bukele, dessa turma, é o que mais se aproxima do ex-coach, a começar pelo aspecto geracional.

Embora seis anos mais velho, o salvadorenho pode ser considerado um representante da geração millenial, os nascidos entre 1980 e meados da década de 1990, que conheceram um mundo já envolto na esfera digital.

Bukele começou como prefeito de Nuevo Custaclán, em 2012, numa época em que ainda se via simpático a visões de esquerda. Doou seu salário para causas públicas, evitou demissões e promoveu programas de desenvolvimento. Posteriormente chegou à Prefeitura de San Salvador, como um candidato antissistema, e dali saltou para a Presidência em 2019, com seu próprio partido, deixando de lado o esquema tradicional.

Uma de suas marcas como presidente foi a redução dos índices de violência com a prisão em massa de pessoas ligadas a facções e ao crime organizado —o que pode, nesse encontro, ajudar o candidato acusado de ligações com o PCC.

Como Bukele, Marçal, além do característico boné, acredita na mudança da esfera pública por meio de ações inspiradas no êxito empresarial e da vida privada. Essa rejeição ao velho sistema, embora comum em lideranças do populismo de direita, tem aspectos que, no caso brasileiro, separam Marçal do bolsonarismo.

O ex-coach, por exemplo, em sua rejeição à política tradicional, não é um saudosista da ditadura militar, como o ex-presidente, que para ele é um tiozão em declínio. Marçal está mais próximo do argentino Javier Milei, na visão empresarial, no individualismo selvagem, na inclinação anarcocapitalista. Não por acaso levanta também reações de pastores evangélicos, como Silas Malafaia. Para Marçal, o indivíduo parece ser o caminho para tudo, dispensando estruturas de mediação como igrejas e sacerdotes.

A perspectiva do ex-coach também remete às discussões pós-modernas sobre um futuro pós-liberal, como aparece nas teses de Patrick Deneen, o guru de JD Vance, o vice de Trump. Curiosamente, Deneen propõe o que se poderia ver como um um embaralhamento de ideias e ingredientes de esquerda e de direita. O protecionismo econômico de Trump, por exemplo, é visto por liberais como um traço intervencionista de políticas econômicas de esquerda. Não seria uma característica na verdade do fascismo?

Nesse cenário movediço de derretimento de convicções e paradigmas, uma eleição pode, de uma hora para outra, se transformar em roleta russa.

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