Faz mais de duas semanas que brasileiros de todos os quadrantes do território respiram fumaça e vivem cansados ou doentes. Um belo Sol tingido de vermelho não compensa o sofrimento.
O país passa por estiagem excepcional, que alguns proprietários irresponsáveis aproveitam para tocar fogo em sua área ou monturos de detritos. Faíscas e chamas se espalham dizimando matas, empesteando o ar.
Crianças e idosos são os que mais sofrem, com laringites, rinites e pneumonias que logo retornam. Mas todo mundo, moço ou velho, anda irritado. Não é uma condição favorável a enxergar o óbvio: a culpa é do agronegócio.
Considere o Dia do Fogo em São Paulo, no final de agosto. Levantamento do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) constatou que 81,3% de 2.600 focos de incêndio entre os dias 22 e 24 tiveram origem em áreas de agropecuária.
Verdade que muitos canaviais se incineraram, com prejuízo para o setor sucroalcooleiro. Decerto usineiros não têm interesse em ver a plantação arder. Só que eles integram a banda menos atrasada do agro, não são representativos da média ruralista.
O protótipo do homem do campo é um pecuarista useiro em queimar o pasto para se livrar de pragas. Subestimam o risco decorrente do clima seco e dos ventos quentes, depois não conseguem manejar o fogo.
Isso quando as queimadas não são mera atividade criminosa, como no caso da queima de troncos e galhos resultantes de desmatamento ilegal. Não adianta proibi-las; governos mal conseguem fiscalizar o corte raso e sofrem ainda mais para monitorar o fogo.
É ingenuidade pensar que o poder público possa resolver o problema enviando brigadistas do ICMBio para combater as chamas. Nenhum governo do mundo pode se preparar para conter incêndios que abrangem milhões de quilômetros quadrados e produzem mantas de fumaça contínua visíveis por satélite.
É imperioso prevenir, não remediar. E a prevenção só se tornará eficaz quando atingir o bolso dos incendiários, criminosos ou não.
A iniciativa MapBiomas já demonstrou a eficiência de automatizar alertas de desmatamento. Seria agora o caso de investigar a possibilidade técnica de desenvolver sistema similar para fogo não autorizado.
A seca atual abarca 58% do território e é a pior desde 1950, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Não parece mero acaso que o dado tenha saído um dia após o IBGE divulgar o PIB trimestral assinalando que o agro encolheu 2,3% quando a economia crescia 1,4%.
O colunista Bráulio Borges estima que anomalias em chuvas desde 2012 subtraíram entre 0,8 e 1,6 ponto percentual do PIB brasileiro. E isso tem a ver com o setor rural: "A produtividade da agropecuária, que cresceu cerca de 4% ao ano entre 1970 e 2011, avançou apenas 1,5% a.a. no período 2012-2021", escreveu.
Não fosse a valorização das commodities agrícolas em 2020/22 e do dólar após a pandemia, analisa, a renda no campo teria sofrido muito nos últimos anos. De quanto prejuízo no bolso o agro vai precisar para escapar das garras do negacionismo climático e da banda ogra que o representa no Congresso?
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