sábado, 13 de março de 2021

Em Araraquara, 6 em cada 10 casos de Covid-19 atingem pessoas de 20 a 49 anos, FSP

 Marcelo Toledo

Roberto Schiavon
RIBEIRÃO PRETO e ARARAQUARA

“Já tive Covid-19 há sete meses, mas fiquei praticamente assintomático. Tive apenas uma inflamação na garganta. Nesta semana comecei a sentir dor no corpo e no fundo dos olhos, por isso, vim fazer o exame novamente.”

A frase é de Maicon Douglas da Silva, 28, e ele não é um caso único. O jovem faz parte do grupo que mais tem sido atingido pelos novos casos de coronavírus registrados em Araraquara após o surgimento da nova variante na cidade do interior paulista.

Município que decretou lockdown e que, sem leitos, transferiu pacientes de UTI para localidades distantes até 150 quilômetros e se tornou símbolo em São Paulo do avanço da doença em jovens, Araraquara (a 273 km de São Paulo) tem atualmente 60% dos novos casos da Covid-19 registrados em pessoas com idades entre 20 e 49 anos.

Essa faixa etária também é responsável por 20% das 160 mortes na cidade desde 1º de fevereiro. ”Ninguém da minha família teve e não sei como peguei, pois só saio de casa para ir ao mercado e quem entra é minha esposa”, disse Silva.

Um estudo conduzido no IMT (Instituto de Medicina Tropical) da USP (Universidade de São Paulo) indica que a variante brasileira é a predominante em Araraquara. De 57 amostras de secreção nasofaríngea coletadas de pacientes com Covid-19 na cidade entre 25 de janeiro e 23 de fevereiro, 93% indicaram a presença da nova cepa, que é mais transmissível.

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Três mortes de mulheres de 26, 30 e 31 anos, registradas em 1º de fevereiro, acenderam de vez o alerta das autoridades sanitárias da cidade.

Equipe de profissionais da saúde auxiliam transporte de paciente em maca para hospital
Paciente com Covid-19 chega à Santa Casa de Araraquara e é atendido por equipe que o levará à UTI - Rubens Cavallari/Folhapress

Enquanto no ano passado a cidade registrou um óbito de infectado com menos de 40 anos, neste ano já são 14.

Esse avanço de casos envolvendo pessoas de faixas etárias inferiores às que estavam sendo mais atingidas pelo novo coronavírus gerou muita preocupação devido à velocidade de contágio e à gravidade, segundo a secretária da Saúde de Araraquara, Eliana Honain.

Ela avalia o cenário atual como mais desafogado por causa da decretação do lockdown, mas disse que isso ainda não se reflete no número de internações ou óbitos, devido ao período necessário para o aparecimento de complicações.

“Elas começam a ficar complicadas a partir do oitavo ou nono dia da infecção. Aí ocupam leitos e muitas evoluem para óbito. Hoje a gente colhe a diminuição no número de casos”, disse. A cidade tem 276 óbitos confirmados e 15.899 casos, dos quais 1.335 em março.

A pandemia já deu sinais visíveis na cidade em relação às estatísticas de mortalidade e natalidade, segundo dados da Arpen-BR (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais).

Em fevereiro de 2020, 138 pessoas morreram na cidade, ante as 228 de fevereiro deste ano, 90 a mais. O total de óbitos no mês passado em Araraquara foi 89.

Em 2019, morreram na cidade 1.836 pessoas, número que subiu para 1.899 no ano passado --63 a mais, para um total de 92 mortes atribuídas ao novo coronavírus.

“Hoje é muito possível afirmar, muito crível que justamente esse incremento de óbitos se dá por conta da pandemia”, disse o presidente da Arpen-BR, Gustavo Fiscareli, cuja família é de Araraquara.

Já em relação à natalidade, houve queda de 14,5% no primeiro bimestre deste ano, com 389 nascimentos no município, ante os 455 do ano passado.

“Após março, abril, quando começaram as incertezas da pandemia, se pegarmos os nove meses gestacionais, os bebês começariam a nascer a partir de janeiro. Na série histórica desde 2002 não há variações nesse patamar e isso não vai se recuperar no próximo ano, até por conta da permanência desse estado duvidoso.”

A percepção do agravamento da doença citada pela secretária da Saúde também é sentida por profissionais que estão na linha de frente, como o pneumologista Flávio Arbex, 38, docente da Uniara e diretor do centro de ensino e pesquisa da Santa Casa de Araraquara.

“Já em meados de janeiro começamos a perceber um aumento muito grande no número de casos e mudança no padrão da doença, acometendo pacientes mais jovens, o que sugeria mudança na história do vírus. Isso se confirmou quando descobrimos que a cepa de Manaus circulava aqui.”

Segundo ele, com o agravamento da Covid-19 a cidade passou a ver a transformação de casos isolados em tragédias familiares. “Enquanto antes uma pessoa na casa positivava, agora toda a família está positiva. Quando positiva o pai, o tio ou o irmão, temos de dar a notícia para o paciente durante a sua própria internação.”

As equipes de saúde têm sofrido com a exaustão provocada pela pandemia e, mais recentemente, pela mudança de padrão dos pacientes. “A pressão em Araraquara vai diminuir antes que outras cidades. O que foi feito, não dá para negar, melhorou. Ninguém gosta de lockdown, mas chegou num ponto que não tinha o que fazer.”

O lockdown araraquarense teve início em 21 de fevereiro e durou 10 dias, 7 deles de restrições totais, inclusive com supermercados e postos de combustíveis fechados. O número de casos novos da doença caiu.

No centro da cidade, porém, há comerciantes que questionam as medidas restritivas. “Minhas vendas caíram 95% com a pandemia. Perdemos todos os clientes que olhavam a vitrine e se apaixonavam por um calçado”, disse Dario Mendes da Silva, 37, dono de uma loja.

Com mortes sendo registradas ininterruptamente desde 10 de fevereiro, a cidade chegou a ter a esperança, no último dia 4, de que a pandemia fosse arrefecer. Afinal, naquele dia houve apenas um óbito provocado pela Covid-19.

Mas não foi o que aconteceu. Os dias seguintes foram marcados por uma forte onda, com 51 óbitos até sexta (12), provocadas principalmente pela variante P1 da doença.

Na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) da Vila Xavier, o cenário é de movimentação de pacientes o dia todo em busca de exames para confirmar ou não a suspeita do novo coronavírus.

“Senti dor de cabeça na quarta-feira [10] e resolvi vir fazer o exame. Meu tio foi o primeiro a sentir sintomas, por isso minha família inteira veio”, disse Márcio André dos Santos, 19.

Já Joyce Fernanda, 22, afirmou ter sentido incômodo na garganta segunda-feira (8). “Fiquei isolada no quarto e o incômodo permaneceu, como se estivesse inflamando. Eu tomo todos os cuidados, mas achei melhor tirar a prova”, disse.

NO LIMITE, PROFISSIONAIS DA SAÚDE LUTAM PARA SALVAR VIDAS DE JOVENS

O aumento no número de casos do novo coronavírus envolvendo pacientes jovens atingiu em cheio as enfermarias e UTIs de Araraquara, aumentando ainda mais a tensão entre médicos, enfermeiros e demais profissionais da linha de frente.

“É triste acompanhar esse novo perfil de pacientes jovens, de 30 a 50 anos. Alguns com dois ou três dias de teste positivo já evoluem para insuficiência respiratória e são intubados”, diz o médico André Fechio, 29, que trabalha na UTI da Santa Casa de Araraquara.

A médica Marian Kanso, 26, que acompanha os pacientes na enfermaria do hospital, ressalta que a Covid-19 é uma tragédia familiar. “Recebemos familiares, como pais e filhos, que ficam internados juntos. E quem não é internado não pode fazer visitas. A doença atinge a todos da família”, afirmou.

De acordo com Fechio, as cenas de aglomerações vistas nas ruas seriam reduzidas se as pessoas soubessem o que é preciso para tentar recuperar um paciente de Covid-19 na UTI.

“São pessoas jovens intubadas, indo para hemodiálise. As medidas de controle são importantes para evitarmos tudo isso”, disse.

Para a enfermeira Joice Cristina de Souza, 36, a luta contra a doença trouxe situações extremas, como anunciar a intubação a um amigo.

“Era um senhor de 60 anos, presbítero da igreja que frequento, que acabou morrendo. Não esqueço do seu olhar quando falei que íamos intubar”, conta.

Joice faz um apelo para que a população ajude os profissionais de saúde colaborando com as medidas restritivas. “Temos recebido muitos jovens, porque são os que mais saem para festas e outras aglomerações. Mas não vamos conseguir vencer essa batalha sozinhos. Precisamos da colaboração da população.”


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