14.mar.2021 às 23h15
O espantoso é que ainda cause espanto. Como se há muito o futebol brasileiro não produzisse grandes jogadoras —Marta, Formiga, Tamires, Debinha, Andressinha, tantas mais—, as mulheres finalmente começaram a apitar os jogos dos marmanjos, somando-se às moças da TV: apresentadoras, repórteres de campo, comentaristas de jogo e de arbitragem e, agora, narradoras. Um dia, estarão à frente das federações e talvez tenhamos administrações mais limpas e sensatas.
Era para ser assim há mais tempo, porque as mulheres já estavam na torcida desde que o futebol chegou aqui, na virada para o século 20. E torciam com o mesmo élan dos rapazes, como se vê nas crônicas em que um apoplético Lima Barreto, com seu ódio ao futebol e ao esporte em geral, acusava as moças de disputarem com eles até nos palavrões.
Em 1919, o futebol brasileiro já tinha sua poeta, a carioca Anna Amelia Queiroz Carneiro de Mendonça (1896-1971). Era casada com o goleiro Marcos Carneiro de Mendonça, do Fluminense e da seleção, que lhe inspirou o poema "O Salto". Anna Amelia traduziu também um pioneiro livro de regras do jogo e era treinadora do time da fábrica de seu pai.
Só faltava uma pioneira do microfone. Pois ela acaba de aparecer. Num lote de discos 78 r.p.m. que comprou há pouco, o colecionador Cristiano Grimaldi descobriu um teste de gravação, de 3m23s, datado de 14/4/1932 e nunca lançado, contendo a voz da ex-repórter e atriz Eugenia Moreyra "transmitindo" um hilariante Vasco x Fluminense imaginário nas Laranjeiras. Nele Eugenia narra lances como os chutes do tricolor Preguinho contra o goleiro vascaíno Jaguaré e "vaza" o xingamento entre as torcidas, como devia acontecer nas irradiações dos jogos de verdade.
Eugenia (1898-1948), casada com o escritor Alvaro Moreyra, foi a mulher mais moderna de seu tempo. Modernidade que, vindo dela, tinha de incluir também o futebol.
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