Data: 23/12/2019
Projetos poderão entrar no Programa de Parcerias de Investimentos. Tecnologia produz eletricidade a partir da incineração de detritos
BRASÍLIA – Um decreto da Presidência da República abre caminho para que o Brasil gere energia a partir de uma fonte ambientalmente sustentável e praticamente permanente, mas quase inexplorada no país: o lixo. Com potencial de gerar cerca de 3% da demanda nacional por eletricidade, a tecnologia consiste em queimar o lixo que não serve para reciclagem e gerar energia elétrica e térmica nesse processo.
O Brasil é hoje um dos maiores geradores de resíduos do mundo, e ocupa a quarta posição no ranking mundial — atrás de Índia, Estados Unidos e China — com quase 80 milhões de toneladas descartadas por ano. Agora, o governo quer incentivar o setor privado a investir nesse filão. Cerca de 40% dos resíduos gerados no Brasil são despejados em locais inadequados, como os lixões, que somam três mil em todo o país.
A iniciativa, publicada em decreto no Diário Oficial em novembro, qualifica projetos de geração de energia a partir do lixo a fazerem parte do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal. O decreto também criou um comitê para tratar do assunto, composto por Casa Civil, Ministério do Meio Ambiente e Ministério do Desenvolvimento Regional.
O ponto de partida da tecnologia é a parcela do lixo que não serve para reciclagem. O material é queimado em usinas e o calor gerado é convertido em eletricidade e vapor. A energia produzida substitui a dos derivados do petróleo e gera menos gases do efeito estufa, associados ao aquecimento global.
Lá fora, a solução já é amplamente adotada. Hoje, quase 2.500 usinas do tipo operam no mundo. A China é a maior produtora de energia térmica a partir do lixo — incinera 35% dos resíduos que recolhe, em 339 usinas. Na Europa, são 522 em operação. Entre os emergentes, a Índia já opera 20 usinas do tipo.
Por aqui, já se gera energia a partir do biogás liberado naturalmente na decomposição do lixo nos aterros sanitários. Mas não há usinas de incineração em funcionamento.
Segundo a Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), criada em maio, a tecnologia tem potencial de atrair R$ 145 bilhões em investimentos na próxima década. Cálculos da associação mostram que, se uma fatia de 35% de todo o lixo descartado no país fosse destinada à geração de energia, o país poderia produzir 1.300 GWh/mês, o equivalente a 3,29% da demanda nacional de eletricidade.
SP terá usina em 2022
Para Yuri Schmitke, presidente da Abren, o Brasil está mais de duas décadas atrasado nessa corrida tecnológica:
— A Europa está acabando com aterros, e começou esse movimento nos anos 2000. O Brasil está engatinhando.
No Brasil, ainda não há usinas do tipo. A primeira, da brasileira Foxx Haztec, começa a ser construída no ano que vem, em Barueri, Região Metropolitana de São Paulo. A operação começa em 2022.
O empreendimento, fruto de uma parceria público-privada (PPP) de R$ 350 milhões entre a prefeitura e a empresa, prevê o tratamento dos resíduos para geração de energia por 30 anos, e funcionará como alternativa ao município, que hoje precisa transportar seu lixo a um aterro a mais de 20 quilômetros da cidade.
A mudança permitirá à prefeitura economizar pelo menos 20% do que investe hoje na destinação e tratamento do lixo fora da cidade. E a energia gerada será injetada na rede da Enel, concessionária local.
— Essa tecnologia é indicada como alternativa para grandes centros urbanos, pois precisa de pequenas áreas para sua instalação. A unidade de recuperação energética de Barueri terá capacidade para tratar 870 toneladas de lixo por dia e gerar 20MW, o suficiente para abastecer 80 mil residências, como a própria Barueri — explica Milton Pilão, presidente da Foxx Haztec.
De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), a geração de energia a partir do lixo ainda é cara frente a outras fontes que abastecem o sistema elétrico. Ainda assim, estudos preliminares da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao MME, apontam que o biometano, gás gerado pelo lixo, poderia substituir o diesel usado por caminhões de coleta de lixo e ônibus municipais, sendo “mais barato e menos poluente”.
Pela legislação, os municípios são os titulares do saneamento e, portanto, responsáveis por coleta, transporte, tratamento e disposição final dos resíduos gerados nas cidades. Mas menos da metade dos municípios cobra alguma taxa por esse serviço e, desse montante, cerca de 80% não arrecadam nem 50% do que cobram, devido à inadimplência.
Na avaliação do diretor da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), Carlos Silva, isso representa um entrave ao financiamento de projetos do tipo. Segundo Silva, novos modelos de tarifação do lixo poderiam impulsionar projetos de geração de energia e, em paralelo, desincentivar a manutenção de lixões que, por lei, deveriam ter sido extintos até 2014.
Em nota, a secretaria do PPI afirmou que, diante dos graves impactos ambientais causados pelos lixões — e da restrição orçamentária do governo —, quer atrair a iniciativa privada não apenas para a concessão dos serviços de saneamento (o que inclui a construção e gestão de aterros), mas para a geração de energia associada a esses serviços. “Neste contexto, estuda-se alternativas para incrementar o aproveitamento do potencial não aproveitado dos resíduos para geração de energia elétrica. A lógica é de fortalecer as iniciativas na área de resíduos sólidos urbanos, mas sem onerar o consumidor de energia”.
Fonte: O Globo - Renata Vieira
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