domingo, 21 de março de 2021

Passam a boiada no MEC, Renata Cafardo*, O Estado de S.Paulo


21 de março de 2021 | 05h00

Triste notícia. Estão passando a boiada no Ministério da Educação (MEC). Enquanto a pandemia só piora no Brasil, milhares morrem a cada dia, ninguém por lá se preocupa com o futuro de uma geração sem escola há um ano. Pelo contrário, gasta-se energia e dinheiro para introduzir mudanças inimagináveis e que seguem uma única lógica: agradar à militância ideológica de Jair Bolsonaro.

Numa semana em que o Banco Mundial chamou de "tragédia" o que acontece no Brasil e em outros países latinos pelas escolas fechadas, o MEC acha que a solução vem do homeschooling. Cerca de 70% das crianças podem deixar de aprender a ler, um dano irreparável para a vida desses cidadãos e para a produtividade de uma nação. Mas o pastor Milton Ribeiro, ministro da Educação, desvaloriza a escola. E diz por aí - acredite se quiser - que a pandemia justamente mostrou como as crianças aprendem bem em casa. Não há planos para equipar as redes com estrutura e tecnologia, formar os professores, desenvolver estratégias para recuperar a aprendizagem perdida em um ano de pandemia. Nem para buscar os alunos que se evadiram. 

volta às aulas
Escolas municipais de São Paulo haviam retomado as aulas presenciais em 15 de fevereiro. Foto: Werther Santana/ESTADÃO

A meta traçada pelo governo Bolsonaro na educação é aprovar o ensino domiciliar ainda neste primeiro semestre. Boa parte de quem faz homeschooling no Brasil é de famílias religiosas. Deputados que apoiam a pauta, entre eles Eduardo Bolsonaro, simpatizam com a ideia de que a escola é um lugar dominado por doutrinadores de esquerda e depravados. 

Mas como nem todo mundo vai poder e querer estudar em casa, o MEC de Bolsonaro também tem seu plano para as escolas. Passou a atacar em três frentes para tentar mudar o que é ensinado no Brasil: avaliações, materiais didáticos e Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Neste mês, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, conhecido como Ideb, que indica o que sabem os estudantes de todo o País, saiu das mãos dos estatísticos e educadores e foi para as dos políticos e malucos. Com uma canetada, o estudo que vai decidir sobre como será o novo Ideb foi tirado do Inep, o órgão técnico que cuida desde sempre das avaliações educacionais. O que o indicador a partir de agora vai considerar bom e ruim no ensino brasileiro será decidido pela secretaria executiva do MEC, a turma do pastor e de Olavo de Carvalho. 

Nos materiais didáticos, o estrago já está mais visível. O edital para a compra dos livros que serão usados nas escolas públicas a partir de 2023 excluiu itens que exigiam o respeito à diversidade. As obras que tenham, por exemplo, estereótipos e preconceitos de raça, gênero ou socioeconômico, podem ser aprovadas. A mudança no edital está sendo contestada no Supremo Tribunal Federal por ferir a Constituição. 

O ministro ainda nomeou uma professora ligada ao movimento Escola Sem Partido para coordenação dos materiais didáticos. Sandra Ramos já disse que queria dar uma “perspectiva conservadora cristã” à BNCC, o mais importante documento publicado nos últimos anos para nortear o que deve ser ensinado nas escolas e no qual as editoras de livros se baseiam. Ela ainda defende que se tire toda a menção às culturas africanas e indígenas da Base. Combate também o que considera ideologia de gênero, termo sequer reconhecido pela comunidade acadêmica, mas que é entendido como uma simples referência a gênero ou sexualidade.

Para coroar as últimas semanas de absurdos, Bolsonaro vetou na sexta-feira o projeto de lei que destinava bilhões para internet gratuita para alunos pobres e professores da rede pública durante o ensino online. Escondido pela pandemia, o MEC passou de inoperante a máquina de uma empreitada ideológica e nefasta.

* É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADÃO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTAS DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)


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