Em meio à pandemia, o governo paulista optou por engordar o caixa em vez de investir na vida. Fazer poupança diante da morte é perverso, mas é esta a realidade que os dados orçamentários de 2020 demonstram.
O estado fechou o ano com R$ 12,3 bilhões a mais em reservas do que em 2019. Os dados, apresentados pela Plataforma Justa, consideram os relatórios da Lei de Responsabilidade Fiscal e as informações gerenciais da execução orçamentária.
O Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus garantiu aos estados a suspensão do pagamento de dívidas, o que para São Paulo significou uma economia de R$ 13,5 bilhões em relação ao previsto para 2020, que se somam aos R$ 7,6 bilhões recebidos via repasse federal para ações de saúde, assistência e compensação de receitas. A recuperação na arrecadação do ICMS, a partir de agosto de 2020, também contribuiu.
Se não é possível mensurar quantas vidas os R$ 12,3 bilhões “poupados” em 2020 poderiam salvar, é possível apontar quais foram sacrificadas. Na prisão, a falta de atendimento médico, de água e de produtos de higiene é regra. Em plena pandemia, o governo de João Doria (PSDB) cortou R$ 14 milhões da atenção à saúde nas prisões e R$ 31 milhões de ações como a aquisição de produtos de higiene.
Estudo publicado recentemente na revista “The Lancet” mostra que os malefícios da prisão impactam toda a saúde pública e também os indicadores gerais de mortalidade para além das grades.
A responsabilidade pelo encarceramento em massa alcança necessariamente as gestões federais do PT. A Lei de Drogas, sancionada por Lula em 2006, nos tornou a terceira maior população prisional do mundo.
A gestão e o financiamento da Justiça criminal e do sistema prisional, porém, são de competência estadual. São Paulo concentra 37% dos presos brasileiros e responde por cerca de 53% das prisões por drogas no país. O protagonismo do problema é paulista.
A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 repete a irracionalidade: reduz 3,4% dos gastos com atenção à saúde prisional e prevê aumento de 72% para a expansão prisional.
Nos últimos 25 anos, o número de penitenciárias saltou de 43 para 173 em São Paulo. A opção pelo confinamento tem custado caro, não apenas em termos sociais.
Se somarmos os valores da LOA/21 para assistência social (R$ 907 milhões), habitação (R$ 962 milhões), saneamento (R$ 504 milhões) e ciência e tecnologia (R$ 1,5 bilhão), não alcançamos os R$ 4,5 bilhões previstos para o sistema prisional.
Internacionalmente, a pauta do desfinanciamento das polícias e das prisões ganha força. No Brasil, movimentos sociais como a Amparar (Associação de Familiares e Amigos de Presos/as) assumem o protagonismo de uma racionalidade de vanguarda que pede “nenhuma vaga a mais”. O mesmo é proposto na referida publicação da “The Lancet”. Trata-se de medida de atenção à saúde coletiva.
Cabe ao Ministério Público Estadual (MPE) definir quem será acusado criminalmente: de usuários ou traficantes de drogas a políticos eleitos. Ao Judiciário, cabe decidir. A balança parece estar viciada.
O aprisionamento começa nas instituições de Justiça, e o crescimento de seus recursos amplia a relevância do debate: entre 2010 e 2020, o orçamento geral do estado de São Paulo cresceu 75,8%. O do Judiciário paulista aumentou 129,5%. O do Ministério Público Estadual, 108,4%.
Dos R$ 12,5 bilhões recebidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) em 2020, 82% foram consumidos com pessoal. No caso do MPE, este percentual sobe para 90%.
Em 2020, enquanto cortava da atenção à saúde nas prisões, o governo paulista distribuiu R$ 249,3 milhões a mais para o MPE e R$ 539,4 milhões a mais para o TJ-SP ampliar as despesas com pessoal e encargos sociais. São R$ 788,7 milhões distribuídos diretamente pelo governo João Doria para quem deveria fiscalizar e julgar seus atos, sem passar pela Assembleia Legislativa.
Os efeitos das políticas prisionais e orçamentárias se prolongarão. É passada a hora de o sistema de Justiça decidir se faz parte da solução dos nossos problemas democráticos ou se seguirá sendo deles fiador.
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