sexta-feira, 19 de março de 2021

Hélio Schwartsman A maldição do epidemiologista, FSP

 Cassandra era uma princesa troiana supergostosa. A fim de possuí-la, Apolo lhe concedeu o dom da profecia. Mas, na última hora, ela deu para trás, o que levou o deus a rogar-lhe uma praga: ninguém acreditaria em suas advertências.

Padece da maldição de Cassandra aquele que tem o conhecimento dos eventos futuros, mas não a capacidade de alterá-los nem de convencer as pessoas da validade de suas predições. Basicamente, estamos falando dos epidemiologistas.

Vários deles estão já há várias semanas afirmando que a curva de contágios da Covid-19 no Brasil, agora com variantes mais infecciosas e provavelmente mais letais, era preocupante e trazia o risco de colapso simultâneo de várias redes hospitalares. Não foram ouvidos.

Muita gente, uns por precisão, outros por gosto, continuou a fazer tudo o que fazia em períodos de normalidade, o que inclui sair para trabalhar, passear e festejar. A máscara, outro apetrecho importante na contenção do vírus, era frequentemente esquecida ou usada com displicência, a ponto de torná-la um adereço inútil.

Governantes, muitos dos quais contrataram epidemiologistas para aconselhá-los, também não escutaram. Tentaram encontrar um balanço entre as razões sanitárias e as econômicas. É uma atitude que funciona na política, mas não na saúde. O vírus não trabalha com a ideia de soluções negociadas.

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Agora, com um pé no abismo, prefeitos e governadores estão se dando conta do tamanho da encrenca e adotando medidas mais fortes de isolamento. Antes tarde do que nunca, mas não sabemos qual será a aderência da população às regras mais estritas e há um hiato temporal importante entre a redução de circulação das pessoas e a do vírus. O que fizermos nos próximos dias se refletirá nos hospitais apenas duas a três semanas depois, o que significa que teremos dias terríveis pela frente.

Em algumas versões do mito, Cassandra aparece como louca.


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