Há um aspecto da composição do governo Jair Bolsonaro que é muito pouco discutido. É o de como, na linguagem que usa para se apresentar ao mundo digital, transmite uma ideologia neofascista. O motivo pelo qual se fala tão pouco deste lado é porque estes códigos são realmente pouco conhecidos. Mas é também porque parte da lógica da extrema-direita digital está, paradoxalmente, em se disfarçar enquanto se apresenta com clareza. É o que na internet se chama trollagem. E é o que o assessor Filipe Martins fez esta semana no Senado Federal, durante a sabatina do chanceler Ernesto Araújo.
Esta cultura se construiu ao longo das últimas décadas nos muitos fóruns em que jovens de direita, principalmente de extrema-direita, se encontram na internet. Um deles, o mais célebre, é o 4chan. Sua versão radicalizada é o 8chan. Há redes sociais exclusivas da direita, caso da Gab. E há, claro, o submundo da internet — a deep web. Não foi nestes ambientes que a cultura troll nasceu. Mas foi neles que ela se desenvolveu.
O comportamento do troll é uma tentativa de humor. Ele ironiza alguém, ataca alguém, faz piada na cara de alguém — mas este alguém não percebe. Quem percebe são os outros trolls em volta. É algo particularmente masculino, tipicamente adolescente. A piada interna que os amigos entendem, quem está em volta não percebe. O jogo ganha escala quando alguém de fora acusa ter compreendido a mensagem. Neste momento, o troll nega. Diz que é delírio.
A diferença entre o adolescente e a extrema-direita é que a mensagem do neofascismo é xenófoba, é violenta, é antidemocrática. O gesto de Filipe Martins, por exemplo, o símbolo de OK americano apresentado de cabeça para baixo, quer dizer White Power. Poder Branco. É o grito da Ku Klux Klan contemporânea. Os outros supremacistas brancos conhecem o código e sabem do que se trata. Mas é um gesto tão parecido com o de um OK que, quando flagrado, o troll logo diz que era só um movimento de mãos inocente.
A alt-right digital está cravada de códigos assim. O ato de beber leite, por exemplo. Há uma característica genética de caucasianos que torna, para eles, mais fácil digerir lactose quando adultos. Daí que quando vários homens adultos bebem leite juntos, nos círculos desta alt-right, estão celebrando serem brancos. Em uma de suas lives no ano passado, o presidente Jair Bolsonaro e seus assessores beberam leite juntos. Quando questionados, negaram a simbologia, fizeram troça. Mas nos círculos da extrema-direita aquilo foi interpretado como o que é: o sinal de que ‘é um de nós’.
Filipe Martins é pródigo neste comportamento. Em um tuíte recente para o vereador Carlos Bolsonaro, falou espanhol. “¡Ya hemos pasao!” — a expressão que os soldados franquistas usavam em resposta ao grito comunista de “¡No passarán!” durante a Guerra Civil. Mais de uma vez citou o mote latino “Oderint dum metuant”, lema do grupo neonazista britânico Combat 18 — “Que nos odeiem, desde que nos temam”. Na imagem principal de seu perfil de Twitter estão os versos do grande poeta galês Dylan Thomas. “Do not go gentle into that good night.” Não mergulhe gentil naquela boa noite. É a frase com o qual um velho frequentador do 8chan, o terrorista que matou mais de uma dezena na Nova Zelândia há dois anos, abriu seu manifesto.
Não há acidente em tanta frequência. Não quando vem de um especialista em comunicação digital, que passou a juventude enfurnado nos cantos da direita online e conviveu num ambiente de trolls. Parte da maneira como o governo Bolsonaro escolhe se comunicar online é esta. A dos símbolos do fascismo cibernético.
O Brasil segue tolerando isto porque finge não ver.
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