terça-feira, 30 de março de 2021

Comandantes foram surpreendidos com demissão em reunião com tapa na mesa e falas ríspidas, OESP

 Eliane Cantanhêde e Roberto Godoy, O Estado de S.Paulo

30 de março de 2021 | 16h26
Atualizado 30 de março de 2021 | 17h57

BRASÍLIA –A reunião dos comandantes Edson Leal Pujol (Exército),  Ilques Barbosa Júnior (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) com o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, nesta terça-feira, 30, foi marcada por frases duras, e tapas na mesa. Os três foram demitidos por não concordar com a politização das Forças Armadas desejada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Edson Pujol, do Exército, Moretti Bermudes, da Aeronáutica, e Ilques Barbosa, da Marinha
Edson Pujol, do Exército, Moretti Bermudes, da Aeronáutica, e Ilques Barbosa, da Marinha Foto: Dida Sampaio|Estadão

Braga Netto chegou ao encontro com a ordem de dispensá-los. Abriu a reunião com esse comunicado.  Disse que as mudanças eram para o “realinhamento” das Forças Armadas com Bolsonaro e a manutenção do apoio ao governo. Os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica já planejavam entregar os cargos em solidariedade à demissão do general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa, no dia anterior, mas os dois últimos consideravam até mesmo ficar a depender do teor da conversa. O substituto de Azevedo, porém, não deu tempo para que eles anunciassem a decisão. O novo titular da Defesa entrou no gabinete com a demissão dos três comandantes pronta.

A portas fechadas houve várias contestações sobre a forma como a dispensa foi feita. Um dos oficiais questionou duramente Braga Netto ao lembrar que as Forças Armadas são instituições de Estado, e não de governo. Em recentes manifestações, porém, Bolsonaro tem se referido ao Exército como “meu Exército”, contrariando a caserna.

Estadão apurou que o mais exaltado na reunião foi o almirante Ilques. Conhecido por colegas por ser um cavalheiro, muito educado, Ilques perdeu a  paciência e elevou a voz. Quando o tom subiu e o clima ficou ainda mais tenso, os ajudantes de ordens foram saindo “à francesa” do gabinete. 

Os oficiais já haviam combinado no dia anterior, após a demissão de Azevedo, que não dariam nenhum passo que pudesse violar a Constituição ou caracterizar interferência em medidas tomadas por governos estaduais durante a pandemia de covid-19, como o lockdown. As Forças Armadas também deixaram claro que jamais concordariam com ingerência no Legislativo e no Judiciário.

Na lista das seis mudanças ministeriais promovidas por Bolsonaro na segunda-feira, 26, a que mais surpreendeu foi justamente a saída de Azevedo, definido por seus pares como um ministro competente e sensato. Azevedo foi assessor especial do ministro Dias Toffoli quando o magistrado presidia o Supremo Tribunal Federal (STF).

Pujol entrou na reunião todo paramentado, com bota de montaria, culote e carregando um bastão de comandante, enquanto Ilques e Bermudez usavam fardas sociais. O comandante do Exército e Bolsonaro também vinham se estranhando há tempos porque o comandante do Exército sempre resistiu a  ofensivas do presidente, que muitas vezes foram interpretadas como incentivo a medidas autoritárias. No ano passado, por exemplo, Bolsonaro chegou a participar de uma manifestação diante do Q.G do Exército que pedia a volta do Ato Institucional n.° 5 (AI-5), o mais duro da ditadura militar, e o fechamento do Congresso e do Supremo.

O maior foco de críticas a Bolsonaro nas Forças Armadas, porém, está na Marinha. Integrantes da força sempre consideraram a falta de compostura de Bolsonaro no cargo e os erros cometidos por ele na condução da crise de coronavírus – incentivando aglomerações e desestimulando o uso de máscaras – como inadmissíveis para um presidente da República.


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