27 de março de 2021 | 05h00
O Instituto Butantan prometeu iniciar a vacinação em massa de brasileiros com uma nova vacina em julho de 2021. Em princípio essa é uma ótima notícia, mas é uma promessa que dificilmente será cumprida. Segundo o presidente do órgão, Dimas Covas, os testes pré-clínicos já foram feitos na Índia (os resultados não foram divulgados) e são muito bons. O Butantan entregou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pedido para iniciar os testes clínicos em seres humanos.
Quando esse pedido for aprovado, serão executados os testes clínicos de fase 1 e de fase 2 com voluntários. Se estes testes tiverem resultados satisfatórios, e forem aprovados pela Anvisa, será feito o pedido para execução do ensaio clínico de Fase 3 com milhares de voluntários. Caso esses testes demonstrem que a vacina é segura e que tem alta eficácia, ela pode ser aprovada pela agência. Só então o Butantan poderá produzir e comercializar o imunizante em larga escala. Tudo isso tem de acontecer em três meses. Difícil de acreditar.
A questão é entender por que o Butantan resolveu recomeçar do zero quando já envasa no Brasil quase um milhão de doses da Coronavac por dia e está construindo uma fábrica para produzir aqui o IFA (insumo farmacêutico básico) da Coronavac, tornando o Brasil totalmente independente de importações. Essa nova fábrica, que foi prometida para o segundo semestre de 2021, deveria produzir 100 milhões de doses a cada semestre. Sabemos agora que, se ela se tornar realidade, isso só deve acontecer no início de 2022.
Além da promessa dessa nova fábrica, o Butantan ainda deve à sociedade o cumprimento de algumas outras promessas. A primeira é a publicação científica que demonstra a eficácia da Coronavac na Fase 3 executada no ano passado. A segunda é a entrega, à Anvisa, dos dados sobre a resposta imunológica das pessoas vacinadas.
Esse foi um compromisso assumido perante a agência pelo Butantan para obter a autorização emergencial. A entrega não foi feita no prazo, uma extensão foi pedida e concedida, mas continuamos sem conhecer os dados.
A terceira promessa é a divulgação dos dados sobre a eficácia da Coronavac contra as novas cepas do Sars-CoV-2, principalmente a variedade P.1 de Manaus. Dimas Covas divulgou (sem mostrar dados) que a Coronavac ainda é eficaz, mas o grupo da professora Ester Sabino, juntamente com pesquisadores ingleses, demonstrou (mostrando os dados) que a Coronavac não produz anticorpos neutralizantes contra a variedade de Manaus.
Sem esses dados ficamos sem saber se a Coronavac ainda é eficaz. A divulgação desses dados é essencial, principalmente agora que sabemos que em São Paulo 64% dos novos casos são causados pela P.1 e 6,8% são causados pela variante inglesa. É por isso que as mortes por covid-19 estão aumentado exponencialmente.
Todos esses fatos me levam a suspeitar que, além do desejo de ter uma vacina desenvolvida no Brasil (ao invés de somente produzida no Brasil), o Instituto Butantan está iniciando esse enorme esforço de desenvolver, testar e produzir uma nova vacina em três meses (que vai se chamar Butanvac) para reduzir o risco de ficar sem vacina no caso de a Coronavac se mostrar ineficaz. De qualquer modo, é lamentável a total falta de transparência científica do Butantan que, na figura de seu diretor, tem o hábito de exagerar nas promessas.
Mas anote aí no seu calendário mais essa promessa: no fim de julho a população brasileira vai estar sendo vacinada com a Butanvac. Serão 40 milhões de doses no segundo semestre. Políticos são assim, prometem muito com estardalhaço, obtêm reconhecimento imediato, e não cumprem as promessas lentamente e em silêncio.
* É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS
Nenhum comentário:
Postar um comentário