Em recente entrevista, Xuxa se manifestou contra o uso de animais em testes de cosméticos e remédios. E ofereceu, digamos, o que lhe pareceu uma boa alternativa. "Eu tenho um pensamento (...) que pode parecer desumano porque, na minha opinião, existem muitas pessoas (...) que estão pagando seus erros num ad aeternum para sempre em prisão, que poderiam ajudar nesses casos aí, de pessoas para experimentos, sabe? Pelo menos eles serviriam para alguma coisa antes de morrer, entendeu?".
Entendi, Xuxa. Entendi que você acha natural que pessoas possam ser usadas como cobaias sem que seja da vontade delas apenas porque você acha que quem está atrás das grades, sob custódia do Estado, não deve ser tratado como gente. Entendi que você não tem discernimento para distinguir justiça de vingança. Entendi que no seu pensamento e linguagem utilitaristas, pessoas se equiparam a ratos de laboratório. A palavra "experimentos" me causou calafrios. Os livros de história mostram onde isso vai dar.
Xuxa de novo: "Mas aí vai vir o pessoal que é dos direitos humanos e vai dizer: 'não, eles [os presos] não podem ser usados'". Pois é Xuxa, sou dessa turma. Não somos seita nem partido. Somos pessoas que acreditam em pactos civilizatórios. Gente é gente. Fora ou atrás das grades. Não há o que relativizar. Ou se entende isso ou é barbárie.
Xuxa foi rápida em seu pedido de desculpas: "Quem sou eu pra dizer que essas pessoas estão ali e que devem ficar ali ou morrer ali? Quem sou eu pra fazer isso?". Aí é que está. Personagem onipresente na TV, fenômeno de popularidade, Midas de um império empresarial, Xuxa é referência para milhões de pessoas.
Fixa padrões, como seu programa da década de 1980 cheio de clones loirinhos num país de todas as cores. O que Xuxa disse não foi uma frase solta e descuidada. É expressão didática do seu pensamento, explica muito do caldo de cultura que formou milhões de "baixinhos" e aprofunda o abismo em que estamos.
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