A liberdade de expressão entrou em declínio na última década, como aponta o Relatório Global sobre Liberdade de Expressão (2019-2020), recentemente publicado pela organização não governamental Artigo 19. A partir da análise de 25 indicadores, coletados pelo V-Dem Institute, em 161 países, o Artigo 19 criou uma escala que vai de 0 a 100, dividida em cinco categorias de proteção à liberdade de expressão: crise, altamente restrita, restrita, pouco restrita e aberta.
Ao menos 51% da população mundial, ou seja, cerca de 3.9 bilhões de pessoas vivem em países em que o direito à informação e à liberdade de expressão encontram-se em forte “crise”, pois não ultrapassaram mais que 20 pontos na escala estabelecida pelo Artigo 19.
Embora o Brasil não se encontre nesse grupo, que inclui China, Turquia, Índia e Bangladesh, o país foi aquele em que a liberdade de expressão mais declinou na última década. Saímos da posição de país “aberto”, com 89 pontos, em 2009, para a categoria de país com liberdade de expressão “restrita”, com 46 pontos, em 2019. O que mais impressiona e preocupa, no entanto, é o fato de que o Brasil caiu, apenas no ano de 2019, 18 pontos.
Diversos fatores contribuíram para esse acentuado declínio, conforme o relatório, que destaca a violência e intimidação de jornalistas, a desqualificação e estigmatização de órgãos de imprensa, como “inimigos do povo”, e a adoção de estratégias de desinformação por parte da administração, seja pela redução do acesso a dados oficiais, seja pela difusão de notícias falsas. Fato que se agravou com a pandemia. O relatório faz referência direta a campanhas de difamação voltadas contra jornalistas mulheres, como Bianca Santana e Patrícia Campos Mello, covardemente atacadas em sua honra e dignidade, por exercerem com independência a profissão. Também alerta para a intimidação de defensores de direitos humanos e do meio ambiente.
Outras estratégias que têm sido usadas para restringir a liberdade de expressão e informação envolvem, paradoxalmente, o próprio Poder Judiciário, que deveria ser o guardião dessas liberdades. Tem se tornado cada dia mais comum a propositura de centenas de ações, ao redor do país, contra um mesmo jornalista, impedindo que esse consiga se defender, num claro caso de “assédio judicial”.
Mais recentemente, temos também testemunhado o emprego sistemático da Lei de Segurança Nacional (lei 7.170, de 1983), com o objetivo exclusivo de coagir e intimidar os críticos e opositores do presidente da República. O mais grave é que essa conduta da cúpula do governo federal tem inspirado atos difusos de repressão à liberdade de expressão em diversas partes do país, difundindo o medo e a censura. É o efeito guarda da esquina, que o Supremo Tribunal Federal terá a oportunidade de corrigir em breve.
O relatório, por fim, faz uma constatação que deveria acender mais um sinal de alerta para todos aqueles que têm compromisso com a democracia liberal no Brasil, mesmo os que ainda acham que está tudo funcionando normalmente. A supressão de “eleições limpas”, no contexto da recente onda global de populismo autoritário, tem sido invariavelmente precedida de um forte declínio na proteção da liberdade de expressão e expansão da desinformação. A lição é simples, ninguém frauda eleição sem antes provocar a erosão de liberdade de expressão e do direito à informação.
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