domingo, 21 de março de 2021

Reinaldo José Lopes Faça as contas, FSP

 

Minha última coluna foi uma tentativa de desmascarar frases feitas da desinformação genocida sobre a Covid-19, as quais continuam a ser repetidas pelos suspeitos de sempre.

No presente texto, meu objetivo é continuar atacando as bases dessa Torre de Babel de mentiras, conclamando o gentil leitor a adotar uma estratégia simples: faça as contas. Quando a gente se detém por um minuto para somar 2+2 direito, as seguintes patacoadas se esvaem numa nuvem com cheiro de enxofre.

1) Morre 1,5 milhão de pessoas todo ano no Brasil! E daí que temos 300 mil mortos por Covid-19? Parece que hoje só se morre disso!

Não vou nem entrar no mérito da desumanidade e do desprezo à vida dos outros que esse tipo de argumento representa.

Diante de tal conversinha mole e dos números da pandemia, a gente só precisa saber uma única coisa: é normal que essa quantidade de gente morra por causa de uma doença infecciosa ao longo de 12 meses?

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A resposta é um retumbante “não”. Nós já tínhamos virado essa chave faz décadas. No que diz respeito à saúde pública, a marca registrada de sociedades modernas como a nossa é o fato de que a maioria das pessoas morre de doenças crônicas —problemas cardiovasculares, câncer, diabetes— já na velhice.

Embora doenças causadas por vírus, como a Aids e a dengue, ainda assustem, a probabilidade de morrer por causa delas é bastante baixa.

Confirmando essa tendência geral, os últimos anos de dados sobre mortalidade no Brasil mostram cerca de 350 mil mortes anuais causadas por doenças cardiovasculares e 250 mil pelas diferentes formas de câncer.

Isso significa, óbvio, que a ordem da grandeza da mortalidade por Covid-19 é suficiente para colocar a doença na segunda posição entre as causas de morte no Brasil.

Todas as outras infecções pulmonares, somadas —um saco de gatos que inclui uma miríade de bactérias e vírus diferentes— matavam cerca de 80 mil pessoas por ano antes da pandemia.

Com essa escala, nessa velocidade, a ação mortífera de um único patógeno no Brasil de hoje talvez só se compare às epidemias devastadoras da era colonial. Como escreveu meu colega Atila Iamarino, bem-vindos ao século 18. O que nos leva, ao segundo despautério.

2) O vírus precisa circular, assim vamos ganhar imunidade de rebanho.

Uma única palavra da língua portuguesa deveria ser suficiente para enterrar essa ideia temerária: Manaus. A segunda onda devastadora na capital amazonense, no começo de 2021, engolfou uma população na qual o Sars-CoV-2 já tinha circulado a torto e a direito.

Os manauaras pareciam ter chegado a um limiar de contaminações anteriores (uns 60% dos habitantes) capaz de proteger a maior parte das pessoas.

Não foi o que aconteceu. Na verdade, a grande quantidade de casos da primeira onda serviu apenas para criar complacência nas autoridades e na população, gestando novas e perigosas variantes da doença graças à multiplicação do patógeno na surdina.

É preciso reconhecer de uma vez por todas que não sabemos o suficiente sobre o vírus para propor esse tipo de hipótese perigosa. Deixar a doença circular à vontade continua sendo uma receita para transformar o Brasil num matadouro.

Ocorre que já conhecemos um jeito seguro e eficaz de produzir a tal imunidade de rebanho. Chama-se vacinação. E, quanto mais ela é combinada com distanciamento e máscaras, mais rápido ela vem. É matemática —não a magia negra que os asseclas do “tratamento precoce” querem que você engula.


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