Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
29 de março de 2021 | 17h24
BRASÍLIA – O presidente Jair Bolsonaro pediu o cargo do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, seu amigo de décadas, porque ele se recusava a garantir um alinhamento automático e a manifestar apoio das Forças Armadas a posições do presidente que caracterizariam o envolvimento direto dos militares com a política.
A crise se agravou com os sucessivos vexames do general da ativa Eduardo Pazuello na Saúde e se deteriorou de vez quando Bolsonaro disse que o “meu Exército” não iria para as ruas “obrigar o povo a ficar em casa”.
Além de Azevedo e Silva, também podem entregar os cargos os comandantes do Exército, general Edson Pujol, da Marinha, almirante Ilques Barbosa Júnior, e da Aeronáutica, brigadeiro Antonio Carlos Moretti Bermudez. Enquanto o ministro apresentava uma nota à imprensa anunciando sua saída do cargo, os três comandantes se reuniram para tomar uma posição conjunta.
A relação entre Bolsonaro e Azevedo Silva vinha se deteriorando havia meses e na semana passada o ministro avisou aos comandantes e a assessores diretos que estava se tornando insustentável. No domingo, a gota d’água foi uma entrevista do chefe do Departamento Geral de Pessoal do Exército, general Paulo Sérgio, ao jornal Correio Braziliense, comparando as ações efetivas do Exército na pandemia ao desastre produzido por Bolsonaro. O índice de letalidade por covid na população é de 2,5%, no Exército fica em 0,13%.
Na expectativa do Planalto, a Defesa e o Comando do Exército deveriam ter tomado alguma atitude, repreendido de alguma forma o general, que, inclusive, defendera a Organização Mundial da Saúde (OMS), o isolamento social, o home office, as máscaras e as vacinas, sem uma única manifestação de aprovação ao uso da cloroquina ou do “tratamento precoce” propagandeado pelo presidente.
Nesta segunda-feira, 29, Bolsonaro chamou Azevedo e Silva ao Planalto e os dois tiveram uma conversa rápida e decisiva. O presidente pediu o cargo ao ministro e tentou lhe oferecer um prêmio de consolação, fosse num conselho de estatal, fosse em algum instituto com sede no Rio de Janeiro, Estado do general, que não aceitou. Sua única concessão foi combinar que ele faria a nota e assumiria que a decisão de sair tinha sido dele. Não foi. Objetivamente, o general foi demitido pelo presidente.
Marinha e Aeronáutica sempre fizeram questão de manter distância da política, do Planalto, do governo e do próprio Bolsonaro e também são as mais críticas aos rumos do governo e às falas do presidente na pandemia. Assim, a Força mais afetada pela chegada do capitão da reserva ao poder foi o Exército. Além de encher o Planalto de militares do Exército, ele também nomeou muitas centenas de militares em estatais, conselhos, Saúde, Meio Ambiente – áreas que têm manchado a imagem do Brasil no exterior.
O Exército, por exemplo, nunca engoliu que Bolsonaro tenha participado de manifestação “golpista” com o Quartel-General ao fundo, nem que tenha levado Azevedo em um helicóptero militar para sobrevoar uma outra manifestão desse tipo.
Incomodou também o fato de o presidente ter derrubado três portarias da Força sobre limites e monitoramento de armas e munições em mãos de civis e, depois, tenha feito mudanças da sua própria cabeça, por decreto, sem ouvir as ponderações dos militares. Eles se preocupam com o desvio de revólveres e armas pesadas para as milícias.
Também houve um mal estar, nunca resolvido, por Bolsonaro ter jogado no lixo um detalhado estudo da inteligência do Exército defendendo o isolamento social no início da pandemia. Jogou no lixo e não pôs nada do lugar, além de ter nomeado o general Pazuello para executar suas ordens absurdas e transformá-lo em bode expiatório.
A reação de Pazuello – “um manda, outro obedece” – mexeu com os brios militares, virou uma espécie de marco.
Almirante Rocha
O vazamento do nome do almirante da ativa Flávio Rocha para o Itamaraty também estremeceu ainda mais as relações do presidente com as três Forças, que se sentem traumatizadas pelo desastre da gestão Pazuello na Saúde e já não gostavam de um almirante da ativa no Planalto, quanto mais numa área sensível como política externa.
Na Marinha, a reação foi instantânea: se Rocha quisesse assumir o cargo, teria de automaticamente passar para a reserva, o que ele não pretende fazer.
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