terça-feira, 30 de março de 2021

Alvaro Costa e Silva A Amazon pega, mata e come, FSP

 29.mar.2021 às 23h15

Foi-se embora a Livraria São José, sebo mais antigo do Rio de Janeiro, fundado há 85 anos —e todo mundo acha normal. Ora, tudo não está morrendo ao nosso redor? Por que livrarias, logo elas, iriam escapar à destruição que atinge o país inteiro? Não houve espanto quando a Timbre em janeiro baixou as portas depois de 41 anos funcionando na Gávea. É a vida —ou a morte— que segue.

Em sua fase espetacular —entre as décadas de 40 e 60—, a São José chegou a ter três lojas e estoque de 100 mil livros. Tornou-se editora e promoveu tardes de autógrafos. A primeira foi um luxo: "O Itinerário de Pasárgada", de Manuel Bandeira, em 1954. Eram concorridíssimas —não se sabe se pelos autores ou se pelas "madrinhas" deles, beldades como Tônia Carrero e Odette Lara, ou ainda pelo uísque, vinho e salgadinhos.

Ponto de encontro de intelectuais, estudantes e buquinadores profissionais, fuçando nas estantes e bancadas poderiam ser vistos lado a lado figuras tão díspares como o ex-presidente Eurico Gaspar Dutra e o romancista Lúcio Cardoso. Matando aula na Faculdade Nacional de Filosofia, foi lá que Ruy Castro começou sua invejada coleção de Charlie Chan nas edições Vecchi.

Não "essenciais", as livrarias cariocas estão fechadas para cumprir o recesso sanitário. É um setor do comércio que, com a pandemia, recorreu sobretudo à atividade online. Melhor do que ninguém a Amazon sabe disso e se aproveita para complicar ainda mais a vida de livreiros e editores. Em recente e-mail, a gigante de Seattle pediu descontos maiores, entre 55% e 58%, e aumento na cobrança de taxas de marketing. O grupo Juntos Pelo Livro, que reúne 130 editoras, ensaiou um ato de resistência respondendo que "as condições solicitadas estão muito além de nossas possibilidades".

Na arte do oportunismo, a Amazon é o carcará de João do Vale na seca do sertão: pega, mata e come.


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