O governador João Doria (PSDB) anunciou em comunicado nesta segunda-feira (29) que decidiu se mudar para o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, localizada no Morumbi (zona sul da capital), depois que ele e sua família sofreram ameaças de extremistas críticos à sua gestão.
Ao assumir o mandato, em 2019, Doria abriu mão do direito de morar no local e continuou residindo em sua casa, no Jardim Europa (zona oeste), que virou nas últimas semanas ponto de protestos que pedem o impeachment do governador e contestam as medidas de restrição adotadas por causa da pandemia.
"O fanatismo ideológico [...] tem ultrapassado os limites do embate político e do questionamento técnico com ameaças à segurança da minha família e agressivas manifestações na porta da minha residência, perturbando o bairro e vizinhos", afirmou na nota.
"Diante do radicalismo, decidi me mudar para o Palácio dos Bandeirantes. Ao menos, temporariamente."
Boa parte da ala residencial do Bandeirantes foi transformada por Doria em espaço de trabalho, com salas de reunião e gabinetes em áreas antes destinadas exclusivamente à moradia do titular do Executivo estadual e seus familiares. A reforma, no entanto, preservou a suíte máster.
O tucano, que é alvo de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), disse que "o negacionismo na pandemia deixou de ser um delírio das redes sociais, provocado pela paixão política, e está se tornando algo muito mais perigoso para a vida, a ciência e a democracia: uma seita intolerante e autoritária".
"Tenho enfrentado os seguidores dessa seita com inquéritos policiais e ações judiciais, com medidas sanitárias e vacinas, instrumentos da lei e da razão", afirmou.
Doria levou à polícia ameaças de morte que vem recebendo e externou em diferentes momentos preocupação com a sua integridade física e a de seus parentes. A primeira-dama do estado, Bia Doria, é também presidente do conselho do Fundo Social de São Paulo (braço do governo para ações sociais).
Cercado por grades e sob forte esquema de vigilância, o palácio fica relativamente distante de áreas residenciais e já foi palco, no passado, de inúmeras manifestações contra governadores. As condições do local permitem um controle maior de segurança, com menos exposição para o chefe do Executivo.
A casa de Doria no Jardim Europa vem sendo alvo de protestos desde a época em que ele era prefeito da capital paulista, entre 2017 e 2018. Em uma das ocasiões, em 2017, o muro da residência foi pichado com a frase "SP não está à venda".
No início deste mês, o tucano também registrou queixa contra os responsáveis por um vídeo gravado da casa de uma vizinha. A gravação apontava o filho dele como responsável por um evento, em um imóvel na mesma rua do governador, em que haveria aglomeração de pessoas, o que não se comprovou.
No texto em que comunicou a mudança, o governador comparou sua situação à vivida por seu pai na ditadura militar (1964-1985) —o então deputado federal João Doria (1919-2000) foi perseguido pelo regime após o golpe de 1964 e se exilou em Paris.
"Regredimos a tempos obscuros em que a integridade física daqueles que defendem a vida e a democracia está sob ameaça", afirmou. "Vivi esse mesmo sentimento quando acompanhei meu pai no exílio, um democrata cassado pela ditadura."
"Desta vez, no entanto, não haverá exílio nem ditadura. Haverá ciência, vacinas, vidas salvas e democracia. Meu desprezo por estes extremistas que ameaçam a mim, a minha família e ameaçam pessoas que defendem a vida", completou.
Doria, que se elegeu em 2018 pregando o voto "BolsoDoria", rompeu com o presidente, faz oposição a ele e planeja disputar a Presidência em 2022, o que o coloca na mira dos grupos bolsonaristas.
Por causa dos atos contrários na rua da casa do governador, no Jardim Europa, a Casa Militar (órgão responsável pela segurança do titular do Executivo e de sua família) precisou reforçar a segurança na região e chegou a instalar barreiras para controle de acesso.
"Bolsonaristas loucos tentam me intimidar com novas ameaças contra mim e minha família. Agora ameaçam minha casa e nossa família", afirmou Doria em uma rede social no início do mês. "Onde vai parar o Brasil com tanta conflagração?", postou.
Ao divulgar sua transferência para o Bandeirantes, o governador afirmou que se trata de "uma decisão difícil, mas necessária" neste momento de "intolerância ao pensamento contraditório, de belicismo verborrágico e de cegueira ideológica".
Doria não foi o primeiro governador a preferir morar fora do Palácio dos Bandeirantes. Antes dele, Paulo Maluf, em 1979, e Alberto Goldman, em 2010, tomaram a mesma decisão. Seu antecessor, Geraldo Alckmin (PSDB), ocupou a ala residencial durante o mandato.
O atual governador anunciou que não moraria na residência oficial em outubro de 2018, antes mesmo de tomar posse no cargo, como parte de suas medidas de cortes de gastos e de mordomias.
"Palácio dos Bandeirantes será sede do trabalho. Não vou residir lá. Nenhuma mordomia e nenhuma facilidade adicional para mim ou para a minha família ou para quem quer que seja", disse na época.
A ala privada vinha sendo usada para reuniões e refeições. Ocorreu lá, por exemplo, o já célebre jantar que detonou uma crise no PSDB e lançou dúvidas sobre a união do partido em torno de sua candidatura presidencial. A casa de Doria no Jardim Europa tem 3.304 m² e é uma das dez maiores da cidade.
HISTÓRIA DAS SEDES DE GOVERNO
1912 - Governo de SP compra o Palácio dos Campos Elíseos para usá-lo como residência e sede administrativa. Foi construído em 1899 para um rico cafeicultor e hoje é cedido ao Sebrae
1964 - Sede do governo passa para o Palácio dos Bandeirantes. O prédio começou a ser construído em 1955 para abrigar a Universidade Fundação Conde Francisco Matarazzo, mas a obra não foi terminada por problemas financeiros. O palácio foi então desapropriado pelo estado.
TAMBÉM ABDICARAM DO PALÁCIO
Além de Doria, Paulo Maluf (1979) e Alberto Goldman (2010) preferiram não morar no Bandeirantes
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