segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Horizonte perdido, Helio Schwartsman, FSP

 Um dos problemas da democracia é o desencontro temporal. Políticos, que dependem de eleições periódicas para manter-se no poder, pensam e agem em lapsos temporais de quatro anos. Até funciona para algumas coisas, mas não para tudo. Não são poucas as obrigações do poder público que cobram planejamento e execução em horizontes bem mais dilatados.

O exemplo clássico é o saneamento. O Brasil amarga índices vexatórios de baixa cobertura, entre outras razões, porque construir rede de água e esgoto é um processo lento, caro e que envolve obras debaixo da terra, isto é, de pouca visibilidade. Pior, os benefícios do saneamento, que se medem em redução da mortalidade infantil, melhora da saúde pública, do desempenho escolar, da produtividade e da qualidade de vida, embora transparentes para a ciência, não são tão óbvios para o eleitor. Pouca gente associa o destino de dejetos a esses indicadores sociais.

A imagem mostra uma praça ampla com um monumento em forma de torre à esquerda, que possui um design angular e é feito de concreto. Ao fundo, há dois edifícios modernos, um deles com uma fachada espelhada. O céu está nublado, com nuvens escuras, e há algumas palmeiras na área. O piso da praça é de pedras claras dispostas em um padrão quadrado.
Praça dos Três Poderes, na região central de Brasília - Pedro Ladeira - 25.abr.25/Folhapress

A estabilidade monetária é outra área em que a diferença de perspectivas pode custar caro ao país. Torrar dinheiro público para assegurar a reeleição é sempre uma tentação. Não é difícil empurrar a conta para administrações futuras. Dirigentes petistas juntam esse apetite natural de políticos com a crença pouco razoável de que equilíbrio fiscal não passa de uma cortina de fumaça da Faria Lima para sacanear os pobres e promovem gastanças pantagruélicas. Ao que tudo indica, a atual gestão de Lula acrescentará nada menos do quer dez pontos percentuais à dívida pública, que ultrapassará os 80% do PIB.

Para tentar conter as pressões inflacionárias decorrentes dessa política, o BC nomeado pelo próprio Lula vem prolongando a vigência da Selic em assustadores 15%. Com uma mão, o petista oferece bondades a pobres e outros grupos que podem ajudar a reelegê-lo e, com a outra, patrocina um formidável programa de transferência de renda para os ricos.

A conta ficaria mais barata e menos contraditória se políticos fossem menos imediatistas e se dobrassem aos interesses de longo prazo do país.

Alvaro Costa e Silva - Devassa na política fluminense deixa Flávio Bolsonaro em pânico, FSP

 

"Cherchez la femme" é uma expressão popularizada por Alexandre Dumas no romance "Os Moicanos de Paris", de 1854, significando que, para resolver um crime, deve-se procurar a mulher. Menos misógina, "follow the money" (siga o dinheiro) é o resumo do caso Watergate, na década de 1970. Hoje a dica óbvia é quebrar a senha do celular.

O vício de usar o aparelho é tão irresistível que o bandido —seja um pé de chinelo ou um engravatado— sabe que vai se comprometer, produzindo provas contra si mesmo, mas não resiste à compulsão de teclar com os polegares.

Homem de camisa azul clara e óculos sentado em escritório, gesticulando com as mãos. Ao fundo, quadro desfocado com imagem de pessoa e bandeira.
O senador Flavio Bolsonaro durante entrevista à Reuters em seu gabinete, em Brasília - Adriano Machado - 19.dez.25/Reuters

Um caso célebre é o do tenente-coronel Mauro Cid, cujo celular foi apreendido em 2023 durante a operação da Polícia Federal sobre a inclusão de dados falsos no cartão de vacina de Bolsonaro. A investigação acabou arquivada, mas o conteúdo do aparelho de Cid foi mais importante para elucidar a trama golpista do que a própria delação premiada do ajudante de ordens.

A prisão em setembro do então deputado TH Joias, aliado do governador Cláudio Castro, sob a acusação de negociar armas com o Comando Vermelho, puxou um fio de conversas que jogam o Legislativo e o Judiciário fluminenses no centro da atual devassa que liga a elite política ao crime organizado.

Antes de ser preso, TH Joias limpou seus aparelhos, mas usou um novo para conversar com o ex-presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar. A partir de dados encontrados em três celulares de Bacellar, a PF prendeu o desembargador Macário Júdice Neto por obstrução de investigação e violação de sigilo funcional.

A troca de mensagens entre Bacellar e Macário é uma fofura: "Te amo", "Sou teu fã", "Saudade de falar com o amigo". Agora são os celulares do desembargador, já desbloqueados, que vão falar.

Um dos alvos da operação Unha e Carne é Gutemberg de Paula Fonseca, secretário estadual e homem de confiança de Flávio Bolsonaro. Nos corredores do Palácio Guanabara dizem que Gutemberg manda mais do que Cláudio Castro. A pré-campanha presidencial do filho 01 está em pânico.


Michael França - Rotas para o Nordeste, FSP

 Espedito sempre foi um cara humilde. E isso não se deve apenas à sua origem, mas sobretudo à forma simples e carinhosa como trata as pessoas. Saiu do sertão baiano ainda menino, por volta dos 14 anos, empurrado pela fome e pela seca. Em Minas Gerais, cruzou o caminho de Zilá e, de uma noite esquecida, mas não tão distante, eu nasci. Essa trajetória, marcada pela migração forçada e pela busca por sobrevivência, por muito tempo foi quase uma regra para milhões de famílias nordestinas.

Desde então, o Nordeste tem mudado. A migração em massa que marcou o imaginário do país durante décadas perdeu força. A figura do retirante, tão presente no passado, já não ocupa o mesmo lugar no debate público. Em várias regiões, surgiram polos produtivos, cidades médias ganharam dinamismo, cadeias produtivas locais se diversificaram e novas oportunidades passaram a existir mais perto de casa.

Cacto alto com vários braços em área seca e arbustos baixos ao redor. Céu parcialmente nublado com nuvens brancas e cinzas.
Mandacaru na cidade de Macururé (BA) - Rafaela Araújo - 14.out.24/Folhapress

Contudo, isso não significa que o problema do desenvolvimento esteja resolvido. Persistem barreiras estruturais importantes que limitam o potencial da região. Baixa produtividade, dificuldades de acesso a mercados, gargalos de infraestrutura, fragilidades institucionais e desigualdades educacionais seguem condicionando as trajetórias de milhões de nordestinos. O crescimento existe, mas ocorre de forma desigual, tanto entre estados quanto dentro deles.

Um estudo recente do Banco Mundial, intitulado Rotas para o Nordeste, elaborado por Cornelius Fleischhaker, Shireen Mahdi, Karen Muramatsu, Heron Rios e uma equipe multidisciplinar, ajuda a organizar esse novo cenário.

O relatório propõe olhar o desenvolvimento regional não como um caminho único, mas como um conjunto de rotas possíveis, que combinam vocações produtivas locais, integração territorial, capital humano e políticas públicas bem calibradas. Uma das mensagens do estudo é que o desafio do Nordeste hoje não é mais apenas crescer, mas crescer melhor, conectando pessoas, territórios e oportunidades.

Ao fazer esse diagnóstico, o estudo chama atenção para algo importante. O futuro da região depende menos de soluções genéricas e mais da capacidade de reconhecer suas diferenças internas, suas potencialidades específicas e seus nós históricos. Pensar novas rotas para o Nordeste representa aceitar que o desenvolvimento não virá de um atalho, porém, como todo projeto de desenvolvimento, virá de escolhas consistentes ao longo do tempo.

Quando olho para a história de Espedito, meu pai, penso no quanto essas escolhas importam. Durante décadas, a única rota disponível para muitos era sair. Talvez o maior sinal de avanço seja justamente a possibilidade de que, para as atuais e próximas gerações, ficar também seja um caminho viável, digno e cheio de futuro.

Esse texto não é apenas uma homenagem a Espedito, que, além da miséria enfrentada pelo retirante, também é um recente sobrevivente de um câncer de próstata agressivo, mas também representa um pedido para que meus leitores não deixem de se cuidar e não tenham preconceito do dedinho do exame de próstata. No mais, também é uma homenagem à música "Retirada", de Elomar. Bom Natal.