terça-feira, 25 de novembro de 2025

A nova empreitada antivax, Bruno Gualano- FSP

 Uma vez mais, a ciência teve de expelir um parasita. O artigo "Síndrome pós-spike: solução simples com resultados resolutivos, relato de cinco casos", publicado pela desconhecida IDCases, descrevia uma nova condição clínica supostamente causada tanto pelo SARS-CoV-2 quanto pelas vacinas de mRNA.

Assinam a obra Roberto Zeballos, Mariely Helbingen, Paulo Melo, Francisco Cardoso Alves, Caio Salvino, Ewerton Seródio e Edimilson Carvalho. A manobra foi criar uma síndrome (pós-spike ou spikeopatia) a partir de outra bem documentada (pós-Covid ou Covid longa). Esta é consensualmente reconhecida (CDC, OMS, NIH etc) como uma condição decorrente da Covid-19 (não das vacinas) que afeta milhões. Aquela não existe. Como a ciência não trabalha com ficção, o artigo foi despublicado.

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Vacina contra a Covid em UBS de São Paulo - Danilo Verpa - 2.fev.23/Folhapress

Estaríamos diante apenas de hipóteses inverossímeis, métodos frágeis e conclusões exorbitantes? A "spikeofobia" é isso tudo, mas talvez mais. Segundo reportagem do jornal Estado de S. Paulo, Zeballos, Cardoso e Melo teriam lucrado com vendas de conteúdo online, consultas particulares e protocolos terapêuticos para a "nova síndrome" —com direito à eclética ivermectina. No artigo, porém, declararam não possuir conflitos de interesse, outra falta ética entre tantas.

A situação não é inédita. Em 1998, Andrew Wakefield protagonizou um dos maiores escândalos científicos modernos ao publicar, no The Lancet, um artigo fraudulento que sugeria associação entre a vacina tríplice viral e o autismo. Investigações posteriores revelaram que recebera pagamentos substanciais de advogados interessados em processar fabricantes de vacinas.

Além disso, buscava vantagens comerciais: havia submetido pedido de patente para um imunizante concorrente à vacina tríplice e planejava vender kits diagnósticos para a suposta "enterocolite autística" – esquema que, segundo documentos obtidos pelo jornalista Brian Deer, projetava faturamento superior a US$ 40 milhões anuais. O caso culminou na cassação de seu registro pelo Conselho Médico Geral do Reino Unido e na retirada definitiva do artigo.

No Brasil, o negacionismo vacinal corre em ondas. Surge na resistência pré-científica do início do século 20, marcada pela desconfiança no Estado; amaina durante as décadas de 1970 a 2000, quando o Programa Nacional de Imunizações sustentou coberturas exemplares; infiltra-se na primeira era da desinformação digital, nos anos 2000, com boatos importados de movimentos antivacina estrangeiros; ganha tração com a polarização pós-2016, quando a recusa vacinal vira marcador identitário; e atinge seu ápice na pandemia, com o negacionismo estatal bolsonarista.

É nesse terreno da pós-verdade que floresce no país o negacionismo de mercado —a conversão sistemática da pseudociência em commodity. Há quem invente "deficiências hormonais" para vender anabolizantes; e quem crie "síndromes pós-vacinais" para prescrever protocolos detox. Na certeza da impunidade —e diante de um público aturdido pela infodemia— proliferam os ilusionistas sanitários: agentes que descobriram no negacionismo um negócio extremamente rentável.

Para conter a ameaça, o Ministério da Saúde promete acionar conselhos de medicina, plataformas digitais e Ministério Público. Os primeiros, porém, abrigam certos profissionais que defendem publicamente teses pseudocientíficas —como a spikeofobia—, o que compromete sua capacidade de resposta. As segundas, escudadas na deturpação ética do conceito de liberdade, obedecem apenas ao imperativo do engajamento, do qual o negacionismo é sócio. À saúde pública, resta confiar na atuação firme da Justiça.


segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Dá até para beber, diz Lula sobre biodiesel da Petrobras; veja vídeo, FSP

 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que biodiesel refinado produzido pela Petrobras "dá até para beber", durante discurso em Moçambique, nesta segunda-feira (24), em visita oficial em que se reuniu com o presidente do país africano, Daniel Chapo.

"Há muito tempo a gente está tentando introduzir o biodiesel no mundo, e os fabricantes de motor sempre recusam, inventando um monte de coisa. Não existe mais isso. Com um agravante: a Petrobras está agora refinando o biodiesel já misturado 100% com o diesel. Sai um biodiesel melhor do que o qualquer outro, dá até para beber, Haddad [Fernando Haddad, ministro da Economia]. Os carros bebem, e bebem muito", brincou Lula, sem explicar qual era exatamente o produto ou a mistura a que se referia.

Dois homens sentados em cadeiras de madeira com estofado claro, separados por uma mesa pequena com duas garrafas de água, em um ambiente com parede de mármore branco. À esquerda, a bandeira do Brasil; à direita, a bandeira de Moçambique. Acima deles, um brasão dourado fixado na parede.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao lado do líder moçambicano, Daniel Chapo, em Maputo - Amilton Neves/AFP

O presidente brasileiro lembrou de ter sugerido produzir biocombustíveis, com investimento brasileiro, na África, no seu primeiro mandato.

"Quantas vezes eu tentei convencer os empresários brasileiros, quando nós decidimos, em 2003, fazer o biodiesel, quantas vezes eu conversei com empresários, 'vamos tentar fazer na África', mas é difícil. É difícil, porque me parece que as pessoas têm medo de arriscar", disse.

Além disso, Lula sugeriu que a Petrobras explorasse gás natural em Moçambique.

"O Brasil precisa muito de gás. E Moçambique tem muito gás. Nada impede que a dona Petrobras mande sua engenharia de perfuração vir aqui se reunir com a empresa de vocês para saber aonde e quando a gente vai poder assinar um acordo e aonde e quando a gente vai começar a tirar gás", disse Lula.

No último dia 15, Brasil e Moçambique comemoraram 50 anos do estabelecimento de relações diplomáticas. Em março do ano seguinte, em 1976, o governo brasileiro abriu sua embaixada em Maputo —a representação moçambicana em Brasília foi aberta em 1998.

Segundo o governo brasileiro, Moçambique é o maior beneficiário de recrusos da Agência Brasileira de Cooperação em áreas como saúde, agricultura e educação, entre outras. O comércio bilateral foi de US$ 40,5 milhões em 2024, sendo US$ 37,8 milhões em exportações brasileiras, principalmente de carne de aves, e US$ 2,7 milhões em importações.

Lula saiu do encontro de líderes do G20, em Joanesburgo, na África do Sul, direto para Maputo, a capital de Moçambique, no domingo (23). Na visita oficial de um dia, ele recebe nesta segunda o título de doutor honoris causa da Universidade Pedagógica de Maputo.

Dora Kramer, STF virou joguete dos Poderes, FSP

 O Supremo Tribunal Federal é um lugar sério demais para se brincar de diversidade. Ali, o jogo tampouco permite que o dono da banca se dê ao dever de observar preceitos relativos às profundidades do saber jurídico.

Tudo indica serem essas as ideias que motivam o presidente Luiz Inácio da Silva (PT) na escolha de suas indicações ao STF.

Dois homens de terno, um mais velho com cabelo e barba grisalhos e outro mais jovem com cabelo escuro, sentados lado a lado em mesa com documentos e copo de água. Ao fundo, brasão da República Federativa do Brasil em destaque.
Presidente Lula (PT) conversa com o seu indicado ao Supremo, o advogado-geral da União, Jorge Messias - Rafa Neddermeyer - 21.out.25/Agência Brasil

O critério é abertamente o da fidelidade pessoal. Assim como foi com Jair Bolsonaro (PL) e talvez como venha ser adiante, os presidentes da República assumindo opção preferencial por nomear advogados de defesa para a corte suprema.

As garantias da Constituição não lhes bastam nem interessam. Importa o compromisso de cada um com as conveniências do governante, que, mesmo quando fora do poder, terá um juiz supremo para chamar de seu pelo maior tempo possível. Daí os indicados serem cada vez mais jovens. Nunca se sabe o que reservam os dias de amanhã.

A independência e o prestígio do Supremo Tribunal Federal não entram na conta. Indiferença compartilhada por alguns juízes da corte, que entram no embate manifestando suas preferências como se a eles coubesse tal julgamento.

A prerrogativa da indicação é do Executivo e a análise, em tese de competência, tarefa do Senado. Os representantes desses Poderes, contudo, não cumprem a contento suas missões. O presidente escolhe sob a ótica da subordinação e os senadores coreografam o gesto da submissão aos julgadores por foro especial.

Em alguns casos, como ocorreu na nomeação de André Mendonça e como agora com Jorge Messias, parlamentares dão-se ao desplante de fazer do Supremo joguete na rinha política.

Tais distorções fazem do Legislativo um mero carimbador no lugar de examinador detido das regras constitucionais de conduta ilibada e notório saber jurídico.

A visão de que a vontade do mandatário está acima da lei reveste o potencial de recusa em ofensa pessoal e evidência de fragilidade do chefe da nação. Ao que se pode chamar de má-formação institucional.