terça-feira, 12 de agosto de 2025

Impasse entre Enel e gestão Tarcísio deixa ciclovia do rio Pinheiros há 4 meses sem luz, FSP

 

São Paulo

A concessionária Farah Services, que administra a ciclovia da marginal Pinheiros, voltou a fechar a via no horário noturno desde abril, em razão da falta de funcionamento de energia elétrica nos postes lá instalados. A decisão, segundo Michel Farah, presidente da empresa, se deu por motivo de segurança.

O problema gerou reclamações de ciclistas, tanto os que usam a ciclovia para atividades físicas como os que utilizam a bicicleta como meio de transporte ou para fazer entregas. Farah afirma que tem a expectativa de resolver o problema em até três meses, mas os outros envolvidos evitam falar em prazos.

A imagem mostra um ciclista pedalando em uma ciclovia à noite. O ciclista está iluminado por uma luz frontal em sua bicicleta, enquanto ao fundo, há prédios iluminados da cidade. A atmosfera é noturna, com pouca luz natural e algumas luzes artificiais visíveis.
Ciclista usa ciclovia em trecho sem iluminação entre as pontes Eusébio Matoso e Cidade Jardim, às 18h12 - Eduardo Knapp/Folhapress

A falta de iluminação vinha gerando colisões entre ciclistas e atropelamentos de capivaras, animal nativo e de hábito noturno que vive nas margens do rio. "Não foram muitos acidentes, mas foram suficientes para decidirmos pelo fechamento até que a situação seja resolvida", afirma.

Segundo ele, a iluminação foi doada pela Enel durante o governo João Doria (então no PSDB e hoje sem partido). Com a mudança no governo estadual, no entanto, o processo de doação ao poder público não foi concluído.

Assim, não ficou resolvido quem banca o gasto com a energia elétrica dos postes nem quem é responsável pela manutenção de postes e lâmpadas. Em vias públicas urbanas, esse custo é das prefeituras. A marginal é uma via estadual, e a ciclovia está sob a concessão da Farah desde 2000.

O empresário afirma que sua concessionária não pode receber a doação. "Como empresa privada, ficaríamos sujeitos a pagar uma conta de consumo de cliente comum, cujos custos são mais elevados do que dos clientes públicos", explica. Por isso, aguarda a solução entre a Enel e o governo paulista.

As partes admitem o problema, mas não dão detalhes sobre a situação nem prazos para sua solução. Em nota, a Semil (Secretaria Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo), da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirma que "está em contato com a Enel e a gestão do parque para solucionar o problema".

Em nota, a Enel diz que busca uma solução para o problema e que já realizou "uma vistoria detalhada do local em parceria com a Farah Service" para identificar os equipamentos que necessitam de reparo ou substituição para garantir a funcionalidade do trecho. "Ambas as empresas estão, neste momento, alinhando um cronograma de atuação conjunto, que definirá as próximas etapas para a execução dos trabalhos", diz.

A abertura da ciclovia no período da noite começou durante a pandemia. "A gente começou a perceber um grande número de trabalhadores de ciclologística que pedalavam durante a noite pela marginal e, para resguardar a segurança deles, passamos a abrir a ciclovia durante a noite", conta Farah.

A partir de então, os acessos à ciclovia passaram a permanecer abertos no trecho de Pinheiros até a Vila Olímpia até as 23h para entrada, e a ciclovia passou a fechar à meia-noite. O horário de abertura é às 5h. A iluminação também pode facilitar a abertura em um horário mais cedo, o que atenderia grupos de treinamento.

O dono da concessionária afirma ter a expectativa de atender outra demanda dos ciclistas nos próximos meses: a reabertura do trecho interditado para a construção da linha 17-ouro, o monotrilho que deve ligar o aeroporto de Congonhas à zona sudoeste. A previsão é que a linha comece a operar em caráter experimental no final do primeiro trimestre do ano que vem.

O fim da obra deve permitir que a ciclovia volte a ser ininterrupta ao longo de toda a marginal. Para isso, além da conclusão das obras, que estão com mais de 11 anos de atraso, a concessionária depende da reconstrução do trecho embaixo da obra, que ficou praticamente destruído.

Ainda não há nenhum acordo sobre quem vai bancar a reconstrução do trecho. A Farah afirma esperar que o trabalho seja feito pelos responsáveis pela construção. Questionado, o governo do estado não se manifestou sobre a reparação do trecho destruído. A ViaMobilidade declara que será a operadora do trecho, mas não tem qualquer relação com a sua construção.

A vereadora Renata Falzoni (PSB) cogita destinar uma emenda parlamentar para a reconstrução da via. Segundo assessores da legisladora, não seria a primeira vez que a prefeitura colocaria recursos na ciclovia, mesmo a obra sendo estadual.

A recuperação é necessária também no trecho posterior à obra, uma vez que os caminhões pesados entram na ciclovia pelo trecho sul e percorrem alguns quilômetros por dentro dela. Nesta semana, repórteres da Folha percorreram o trecho e viram alguns problemas no piso, como partes craqueladas e trechos com desmoronamentos nas laterais.

Responsável pela obra da estação Santo Amaro, a Viamobilidade entregou uma rampa que permite acesso direto dos ciclistas à ciclovia. "No dia 10 de junho, foi realizada uma reunião com representantes da Farah Service, empresa responsável pela gestão da ciclovia, ocasião em que foi feita a vistoria técnica do trecho que compreende a estação. Na data, foi atestado que a área estava adequada para uso, sendo liberada para os ciclistas", afirma, em nota.

A história do alemão enterrado em faculdade de SP que fundou uma poderosa sociedade secreta, FSP

 Mas o que lhe renderia, anos mais tarde, o direito de ser sepultado com destaque no interior do prédio universitário viria de uma sociedade secreta que Frank fundou a Burschenschaft Paulista, mais conhecida como Bucha.

UM PERSONAGEM MISTERIOSO

Conforme definiu o jornalista Afonso Schmidt (1890-1964) no livro A Sombra de Júlio Frank, o alemão era admirado e ignorado na mesma medida.

"Apesar das diversas pesquisas e análises publicadas, resta ainda certo mistério a respeito de Júlio Frank, especialmente sobre motivo de sua vinda ao Brasil pelos idos de 1828", comenta à BBC News Brasil o historiador Luís Soares de Camargo, diretor do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo.

A imagem mostra um retrato em preto e branco de um homem do século XIX. Ele está vestido com um paletó escuro e uma gravata preta, com uma camisa clara visível. O homem tem cabelo claro e usa um colarinho alto. Ele segura um objeto em sua mão esquerda, mas não está claro o que é.
Nascido em 1808, Júlio Frank migrou para o Brasil em 1928 - Acervo de Paulo Rezzutti via BBC News Brasil

Frank é de Gotha, na Turíngia, Alemanha. Diferentemente do que está gravado na sua lápide, não nasceu em 1809 —mas, sim, em 1808, conforme foi descoberto quase cem anos depois de sua morte em pesquisa realizada nos registros de sua cidade natal por Schmidt.

Seus pais eram um encadernador e a filha do encadernador oficial da corte —o que permite pressupor que sua infância foi rodeada de livros.

Na juventude, frequentou a Universidade de Gottingen, na Baixa Saxônia, região central da Alemanha. Era aluno de destaque em Filosofia, Letras, História e Matemática. Mas, envolvido em brigas e imerso em dívidas, acabou expulso da instituição e pronto para fugir.

DESTINO BRASIL

Cruzar o Atlântico naquele tempo era uma aposta improvável. Imigrar para o Brasil era como brincar de roleta russa —era possível sobreviver, mas também era possível dar muito errado, escreveu Schmidt.

A viagem do Júlio Frank não foi fácil. Sentiu enjoo durante dias no navio, e assim que melhorou teve que começar a fazer duros trabalhos de faxina impostos pelo capitão —ele trocou a passagem por trabalho no navio.

Nem bem chegou ao Rio de Janeiro, soube de uma caravana que iria para São Paulo, a cavalo, em uma viagem de cerca de um mês. Passou pela capital paulista e prosseguiu até Sorocaba, no interior.

Aos poucos, sua vocação para professor passou a chamar a atenção da elite sorocabana. Frank começou a dar aulas particulares para filhos de fazendeiros, preparando-os para o ingresso na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, fundada em 1827 na capital.

Com seu conhecimento e sua personalidade, cativou os alunos.

De modo que, três meses depois, quando os estudantes se preparavam para ir a São Paulo prestar os exames do então curso anexo à Faculdade de Direito, "alguém observou que, dessa maneira, iam perder o professor", diz Schmidt. "Depois de cada um deles conversar com os pais, chegaram a uma conclusão: levar consigo o mestre."

Uma construção histórica de cor vermelha, com detalhes arquitetônicos elaborados, incluindo janelas simétricas e um telhado inclinado. O edifício possui uma torre com um relógio e está decorado com bandeiras. Na frente, há um grupo de pessoas conversando e algumas mesas de café ao ar livre. O céu está parcialmente nublado.
Frank é da cidade de Gotha, na Turíngia, Alemanha - Visit Thuringia via BBC News Brasil

SÃO PAULO

Naquele finzinho de anos 1820, São Paulo era uma cidade de 11 mil habitantes e 300 estudantes universitários. Frank e seus pupilos logo se ajeitaram em uma república estudantil. O formato era semelhante ao que hoje existe. Aquele que tinha como melhor comprovar renda alugava um imóvel, garantindo o pagamento ao proprietário, mas todas as despesas eram dividas entre os moradores.

Júlio Frank vinha na companhia de estudantes sorocabanos, quase todos de famílias ricas, e a sua chegada já era esperada, narra o biógrafo. Prosseguiu fazendo o que sabia: dava aulas particulares aos estudantes, não só de sua república, mas de outros também.

"Mas, apresentando uma sólida formação e um conhecimento ímpar em línguas, história e geografia, ele logo se destacou entre os intelectuais da pacata São Paulo", completa o historiador.

"Num curto espaço de tempo, Júlio Frank transformou-se num dos mais prestigiados professores da faculdade, tanto pela sua preocupação com o ensino, quanto pelo seu interesse em auxiliar os estudantes menos favorecidos."

Algum tempo depois de chegar ouviu uma conversa de um grupo de estudantes. Estavam preocupados com o fato de que muitos alunos não conseguiam manter-se longe dos pais. Os custos com aluguel, comida e livros eram altos para algumas famílias.

"Na Alemanha, como em muitos países da Europa, a assistência ao estudante pobre está mais ou menos assegurada pelos próprios colegas", disse Frank. "Nas universidades, temos associações de estudantes a que chamamos de Burschenschaften."

Ninguém entendeu nada.

"Burschenschaften", precisou repetir.

"São associações que datam de tempos muito afastados e dispõem de um código moral e uma espécie de ritual que, em rigor, servem para atrair pelo esoterismo os rapazes das escolas, mas cujo intuito principal é este: formar uma caixa e assistir aos que necessitem de auxílio."

Em português, seria algo como "fraternidade ou confraria dos camaradas". Ou, como prefere o historiador Paulo Rezzutti, "sociedade de camaradas".

A imagem mostra um pátio de um edifício com arcos. Há bancos de madeira dispostos ao longo do pátio, onde algumas pessoas estão sentadas. As paredes são de cor clara e há janelas com vitrais. O ambiente parece ser bem iluminado, com sombras projetadas no chão. Um dos arcos tem uma placa de aviso ou informação visível.
Frank foi enterrado dentro da Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco - BBC

"Foi o contato com os alunos que influenciou a formação da Burschenschaften. Embasada por ideais liberais e antiabsolutistas, a Bucha - como ficou conhecida em sua adaptação ao português - auxiliava estudantes sem recursos mas com potencial e vontade de estudar", diz Rezzuti à BBC News Brasil.

As contribuições eram dadas pelos mais abastados, conforme as possibilidades de cada um. Segundo Frank, a sociedade precisava ser secreta para não causar constrangimentos aos beneficiados.

A BUCHA

Oficialmente, a Bucha foi fundada em 4 de julho de 1830, com professores, alunos e pessoas importantes da sociedade como associadas. Coube ao alemão organizar seus estatutos e seu código moral. "A não ser meia dúzia de membros, os demais ignoravam os fins, aliás louváveis, dessa instituição", escreve Schmidt. "O número de sócios elevou-se logo mais de 200. As mensalidades e joias ficaram a critério dos doadores."

O historiador Luís Soares de Camargo lembra que a sociedade, embora primasse o cunho filantrópico, também servia para propagar "o ideal liberal e republicano". "A necessidade de ser secreta impunha-se naquele momento porque tanto os estudantes agraciados quanto os doadores exigiam sigilo", comenta ele.

"Outro motivo era a atuação política, algo que demandava muito cuidado tendo em vista o recente assassinato do jornalista italiano Líbero Badaró (vítima de um atentado no centro de São Paulo em 1830, aos 32 anos, por suas posições políticas)."

"A Bucha permaneceu como sociedade secreta até as primeiras décadas do século 20, quando, então, deixou de existir", afirma Camargo.

INFLUÊNCIA

A Bucha tinha uma estrutura própria, dividida em graus hierárquicos. Um braço funcionava dentro do Largo São Francisco: os alunos eram divididos em Catecúmenos, Crentes e Doze Apóstolos. Fora da academia, os já formados tinham outros graus: eram os Chefes Supremos e constituíam o Conselho dos Divinos.

De acordo com Paulo Rezzutti, a Bucha foi ampliando seu poder quando começou a ultrapassar as fronteiras da Faculdade de Direito. "A medida que iam se formando, os ex-alunos buscavam colocações para os que estavam terminando o curso", diz ele. "O ideal inicial também foi sendo modificado: no início, a organização era liberal, abolicionista e republicana. Mas, conforme os ardores juvenis iam se arrefecendo, passou a contar com membros conservadores, escravocratas e monarquistas."

Para entrar para o clube, era preciso convite. Os membros tinham de fazer um juramento.

Aproveitando-se do fato de estar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, logo a Bucha passou a ter seus adeptos nos postos mais importantes do país. "Acredita-se que, durante a República Velha, período entre 1889 e 1930, não havia ministro, juiz ou candidato à Presidência da República que fosse indicado sem deliberação do Conselho dos Divinos", diz o historiador.

Em depoimento publicado pelo Jornal da Tarde em 1977, o jornalista e político Carlos Lacerda (1914-77) comentou sobre a importância política da Bucha. "O fenômeno não tem nada demais, é o mesmo que ocorre com a maçonaria. Uma sociedade secreta em que os sujeitos confiavam nos companheiros, vamos falar assim 'da mesma classe', que passam pelas faculdades, futuras elites dirigentes. Um dia, um sobe e chama o outro para ser governador, para ser secretário, para ser ministro e assim por diante", afirmou.

O texto é um ofício que solicita ao Presidente da Província a execução de um decreto datado de 7 de julho, que nomeia Julio Frank como Professor da Cadeira Pública de História e Geografia do Curso Jurídico da Cidade de São Paulo.
A nomeação de Julio Frank para professor foi publicada no diário oficial em 1834 - Reprodução

No livro Os Bacharéis na Política - A Política dos Bacharéis, o cientista político Teotonio Simões afirma que, de todos os presidentes da República Velha, apenas Epitácio Pessoa (1865-1942) não foi membro da Bucha.

Todo ano um evento acontecia na Faculdade de Direito: a Festa da Chave. Como o líder estudantil da Bucha era sempre um aluno do último ano, a formatura coincidia com a passagem de bastão a um mais novo. Esse líder era chamado de chaveiro, daí o nome da solenidade. "Durante a República Velha, a Festa da Chave contava com a presença do presidente do País, autoridades do Estado, prefeito, ministros e juízes", diz Rezzutti.

O historiador conta uma passagem que se tornou anedótica. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-18), um delegado de polícia estranhou a movimentação no Jardim da Luz. A Bucha se reunia no subsolo do prédio hoje ocupado pela Pinacoteca do Estado. "Pensando tratar-se de espiões, o delegado invadiu o encontro, dando voz de prisão a um grupo fantasiado, que usava capas de cavaleiro com insígnias coloridas em forma de coração e espadas", relata.

Um dos presentes à reunião era Altino Arantes (1876-1965), então governador de São Paulo. Washington Luís (1869-1957), ainda prefeito de São Paulo, também estava lá. E ambos tiveram de explicar ao delegado o que acontecia ali. "O delegado foi iniciado na organização para preservar seu segredo", diz Rezzutti.

Os integrantes da Bucha foram fundamentais para a criação da Liga Nacionalista de São Paulo, grupo organizado em 1916. "Entre outras coisas, pregavam a melhoria e a ampliação da instrução pública no Brasil", explica o historiador. "Ajudaram a montar hospitais e a cuidar das viúvas e órfãos durante a epidemia de gripe espanhola, em 1918."

Mas a Liga significaria o fim da Bucha. Após a Revolução Tenentista de 1924, o presidente Artur Bernardes (1875-1955) proibiu o funcionamento da organização - decretando, por extensão, o fim do clube criado por Júlio Frank.

TEORIA DA CONSPIRAÇÃO

O mistério que ainda envolve a vida de Júlio Frank, bem como a natureza secreta de sua instituição, alimenta teorias e histórias.

Em História Secreta do Brasil, o controverso e polêmico intelectual Gustavo Barroso (1888-1959) defendeu que Júlio Frank seria um heterônimo de Karl Ludwig Sand (1795-1820), estudante da Universidade de Jena, na Turíngia, integrante da Burschenschaft de lá. Oficialmente, Sand foi decapitado em 20 de maio de 1820, condenado pelo assassinato do dramaturgo August von Kotzebue (1761-1819).

"As últimas testemunhas falaram de Júlio Frank como de um homem singular, aparecido em São Paulo ali por 1830, calando avaramente tudo quanto se referia ao seu passado", escreve Barroso.

No livro Bilder aus Brasilien, o jornalista Carlos von Koseritz (1830-1890) apresenta outra teoria: Frank seria um príncipe alemão, desterrado e ilegítimo. Considernado que o registro localizado na igreja Sankt Margarethen, em Gotha, aponta para o casamento de seus pais apenas um mês antes de seu nascimento, há quem suspeite que seus pais oficiais tenham o adotado para limpar a barra de alguma princesa. E, por isso, ele seria protegido de Adam Weishaupt (1748-1830), professor da Universidade de Ingolstadt, na Bavária, fundador da Ordem dos Perfeitos, os Illuminati.

Seja como for, seu túmulo é ornamentado com a figura do mocho, ou coruja de minerva - distintivo das lojas maçônicas frequentadas pelos "iluminados" bávaros.

MORTE

Frank não presenciou o auge da instituição. Ele morreu precocemente em 1841, aos 32 anos, vítima de pneumonia. E foi por ter nascido em família protestante, a despeito de não ser praticante de nenhuma religião, que a ele acabou sendo destinado um inusitado túmulo dentro da Faculdade de Direito.

"Na época não existiam cemitérios públicos na cidade. Os sepultamentos eram realizados no interior das igrejas católicas ou em pequenos cemitérios anexos", pontua o historiador Camargo.

"A cidade contava também com o Cemitério dos Aflitos [no bairro da Liberdade], muito desprestigiado, posto que destinado aos condenados pela Justiça, aos escravos ou aos extremamente pobres. Vale lembrar que este cemitério também era administrado pela Igreja Católica", acrescenta o historiador. "Todos sabiam que o protestante Júlio Frank não seria aceito em nenhuma igreja. Já o enterro no Cemitério dos Aflitos seria muito humilhante."

Como ressalta Camargo, destino assim não seria cabível para um "eminente professor da Faculdade de Direito, com largo círculo de amigos entre alunos e professores".

Houve protesto de seus alunos. Uma alternativa foi pensada, então. Coube ao conselheiro José Maria de Avellar Brotero (1798-1873), político e jurista, fazer uma solicitação especial ao bispo de São Paulo, Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade (1767-1847). "Então surgiu a ideia por todos aceita: Júlio Frank seria sepultado no pátio da Faculdade. E assim foi feito", relata Camargo.

O túmulo de Júlio Frank, no interior da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, é patrimônio histórico tombado em São Paulo.

Esse texto foi originalmente publicado em 10 de agosto de 2019.

O vídeo do Felca e a lista de responsáveis, FSP

 Rosana Hermann

São Paulo

Conheci Felca por seus vídeos virais. Primeiro em maio de 2023, quando ele testou a base "ruim" de Virginia Fonseca. Depois, em uma live em setembro, quando satirizou a onda de NPC (Non Playable Character) do TikTok, em que pessoas vestidas de personagens ficavam em silêncio, recebendo presentes e dinheiro. Na experiência, Felca ganhou um milhão de novos seguidores.

Agora, com um conteúdo sério e necessário, Felca não apenas viralizou, mas explodiu a bolha das redes sociais: virou pauta dos maiores veículos de comunicação, deu nome a um projeto de lei de proteção à criança (Lei Felca) e se tornou conhecido de todo o Brasil.

Tudo graças a um vídeo de denúncia, muito bem feito e editado, publicado em seu canal no YouTube, sobre adultização de crianças, o mercado criminoso de adultos que enriquecem explorando menores e os algoritmos que promovem a indústria de conteúdo para pedófilos.

Procurei informações sobre mãe de uma das meninas da chamada "Turma do Hytalo", o influenciador que teve seu perfil de 17 milhões de seguidores derrubado pelo Instagram depois de ser denunciado por Felca. É tudo muito triste. E revoltante.

O primeiro impulso é culpar a mãe. Como uma mãe deixa uma menina de 12 anos morar com um cara que usa a menina para produzir vídeos sensuais? Em troca de quê? Presentes? Dinheiro? Passeios de barco, vidinha de luxo? É ganância, desespero ou ilusão?

A mãe também é vítima? E esse Hytalo e seu reality com crianças? Pode isso? E se acontece há tantos anos, por que ninguém fez nada até agora? Cadê o ECA? Essa empresa dele de rifas e sorteios, é legalizada? E só porque ele ficou rico e com milhões de seguidores ele se torna intocável? E, afinal, ele pode "adotar" dez crianças ou é só papo? E as plataformas, a big techs? Elas não são responsáveis por essa exploração de crianças? Nada vai acontecer?

As perguntas não param. Chega um momento em que as perguntas se voltam para nós, o público. Por que 11 milhões de pessoas seguiam uma menina sendo explorada em vídeos sensuais? Por que existem tantos adultos tarados, tantos pedófilos soltos? Por que adultos acompanharam uma cirurgia de implante de seios de silicone em uma CRIANÇA?

Por que a sociedade enriqueceu Hytalo a aprovou seu conteúdo? E mais: adianta dizer "ah, mas sempre foi assim, não tem nada de novo, lembra da boquinha da garrafa?" Não, não adianta. Eu vi vídeos de gente chorando de emoção quando Hytalo contou como conheceu a menina. Essas mesmas pessoas ainda choram de emoção agora ou acordaram para a realidade?

Não sei responder tantas perguntas. Mas sei que é hora de dar um basta. De cuidar das crianças. De não permitir que vulneráveis sejam explorados. Por mais que exista injustiça social, mães desassistidas, família quebradas, não é vendendo crianças como objetos sexualizados para consumo de um mercado de pedófilos que vamos resolver o problema. Ao contrário.

O que sei é que Felca não fez um vídeo de dancinha. Nem de comédia. Ou desafio. Fez um vídeo mostrando que quando uma sociedade chega a esse ponto, de consumir sexualização de criança como se fosse normal, é porque estamos à beira de um abismo. E à beira do abismo, ou a gente olha para o buraco e cai ou dá um passo para trás e acorda para mudar a realidade.