segunda-feira, 12 de maio de 2025

Atlas da Violência 2025 me trouxe um sentimento perigoso: esperança, Joel Pinheiro da Fonseca, FSP

 Pesquisa atrás de pesquisa reforça que a violência é, hoje, o tema que mais preocupa o brasileiro. O preço do ovo importa, assim como a fila no posto de saúde e a corrupção em Brasília, mas o medo de levar um tiro na cabeça a caminho do trabalho é maior. E, no entanto, segundo o Atlas da Violência 2025, publicado nesta segunda, os homicídios no Brasil vêm caindo.

Se pegarmos o pico da série —2017— tivemos uma queda expressiva de 31,8 para 21,2 homicídios por 100 mil habitantes atualmente. Os dados do Atlas são de 2023, então não é impossível que, ao se contabilizar os dados de 2024, vejamos uma piora. No entanto, não parece ser o caso: na cidade de São Paulo, por exemplo, 2024 teve menos homicídios do que 2023.

A imagem mostra um cruzamento urbano com uma viatura policial estacionada em primeiro plano. Ao fundo, há prédios de diferentes estilos arquitetônicos e algumas pessoas caminhando. A rua é pavimentada e possui faixas de pedestres visíveis. O clima parece nublado, e há veículos em movimento na via.
Viatura da PM na rua Santa Ifigênia, no centro de São Paulo - Rubens Cavallari - 30.jan.24/Folhapress

Mais um caso, portanto, em que a percepção popular parece descolar dos dados objetivos? Não exatamente. Mesmo com a queda, somos um país muito violento. Nosso melhor resultado em 11 anos é quase quatro vezes pior do que a média mundial, de 5,6. Somos mais violentos que nações asiáticas e africanas mais pobres do que nós. E a média nacional esconde ainda aberrações como Amapá (57,4) e Bahia (43,9).

São Paulo vai bem na foto, com 6,4. Mesmo somando as "mortes violentas sem causa determinada" —estranhamente altas no estado desde 2018—, ficamos na segunda posição nacional. E, mesmo assim, por onde quer que eu ande, com quem quer que eu fale, uma nova história de roubo. Os vídeos não param de chegar no zap. Roubo de carro no meio da tarde, roubo de celular na rua de casa, sequestro em pet shop, agressão numa padaria, latrocínio no parque.

Pode ser que hoje em dia vejamos mais os crimes. O assassinato perto da minha casa costumava ser só um número. Mas, se o grupo do prédio compartilha o vídeo do crime e eu reconheço a rua pela qual passo diariamente, isso muda minha percepção. Além disso, dentro de um quadro de melhora geral há também pioras localizadas: há uma epidemia de crime em alguns bairros —inclusive o meu— que domina a percepção de seus moradores.

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A leniência do Brasil com o criminoso violento é notória. Não é verdade que o Brasil prende demais. Prendemos muito pouco. A figura tão comum do criminoso que "já tinha passagem pela polícia" —por tráfico, agressão, homicídio— é o índice do fracasso de nossa segurança. Se não permaneceu preso depois da primeira passagem, é porque o sistema falhou, vitimando a população. O crime organizado domina territórios, negando a prerrogativa básica do Estado que é o monopólio da violência. Motivos para se indignar não faltam.

O que a nova edição do Atlas nos mostra é que, mesmo com o quadro sombrio, há também iniciativas que vêm funcionando. Sendo assim, sonhos de rompantes violentos, de grupos de extermínio, milícias cidadãs armadas ou uma política a la Bukele de prender jovens em massa apenas por denúncias anônimas (o que seria impossível no Judiciário brasileiro), não deveriam nos distrair.

A ideia da terra arrasada —de que o crime já venceu, não há saída e vivemos no inferno irremediável— nos cega ao que pode melhorar e nos faz sonhar com soluções ao mesmo tempo utópicas e monstruosas. A melhora real vem de soluções parciais e resultados incrementais sustentáveis que precisam, óbvio, ser divulgados e repetidos. Não é o discurso mais sexy, mas é o que pode nos deixar mais seguros.

Nikolas faz escola na esquerda, mas alunos comem poeira, Ranier Bragon, FSP

 "Oi, sou eu de novo." Com essa singela introdução, o deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) provocou mais um estrago ao governo Lula (PT) nas redes sociais.

Tendo inaugurado em 14 de janeiro, com o caso do Pix, o modelo do eu sentado diante do celular com um fundo escuro, uma música tensa e um roteiro bem pensado, Nikolas chegou até a noite desta segunda-feira (12) a 136 milhões de espectadores da sua nova obra —em que afirma ser a fraude no INSS o "maior escândalo de corrupção" da história do país.

Postagens de deputados de esquerda inspiradas em modelo do vídeo viral de Nikolas Ferreira (PL-MG); da esq. para a dir., André Janones (Avante-MG), Paulo Pimenta (PT-RS), Guilherme Boulos (PSOL-SP) e Lindbergh Farias (PT-RJ) - Reprodução/Fotomontagem a partir do Instagram

Escândalo, claro, que cai todo na conta de Lula e zero na de Jair Bolsonaro.

Para além da discussão sobre culpados e omissos da história, é notável como nas redes o placar é devastador para o governo.

Nikolas foi o deputado mais votado do país. Na Câmara, atua na linha de frente bolsonarista, diferentemente de outros próceres da internet que empalideceram ao chegarem ao Congresso.

É nas redes, porém, que ele tem sido o Lamine Yamal da direita.

O vídeo do Pix teve 332 milhões de visualizações no Instagram. Entre esse caso e o do INSS ele tentou emplacar outro sucesso, dessa vez defendendo a anistia ao 8 de janeiro e chegando ao frenesi felliniano de comparar a pichadora Débora Rodrigues do Santos a Rosa Parks.

Atingiu apenas 59 milhões de espectadores. Um viral "menor" para os padrões nikolianos.

Diante desse repertório, lulistas se apressaram em rebater o pequeno gênio, quase todos copiando-lhe o estilo.

Erika Hilton (PSOL-SP) o fez logo após o vídeo do Pix. Teve 105 mil visualizações. Agora, no caso INSS, a lista incluiu deputados e os ministros Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e Vinicius Marques de Carvalho (CGU), que replicaram também o vídeo "As Cartas não Mentem", com Bolsonaro como o grande vilão da história.

Quase nenhuma dessas peças superou 500 mil visualizações. André Janones (Avante-MG) teve o maior êxito, com 3,3 milhões de espectadores.

Nikolas está para completar 29 anos. Sua obra parece estar só começando.


Ninguém ousa chamar essa aristocracia pelo nome?, Michel França, FSP

 Parte de nossa elite especializou-se na arte da simbiose com o Estado. Quando não está no poder, está ao lado dele. E quando perde uma eleição, ganha uma licitação. O país é um exemplo de como a herança de uma elite aristocrática pode atravessar gerações sem jamais sair de cena.

Diferentemente das elites europeias, que aprenderam a ceder espaço sob a pressão de revoluções e guilhotinas, a brasileira adaptou-se aos novos tempos refinando seu controle. Tornou-se banqueira, tecnocrata, lobista e acionista do próprio privilégio. Tornou-se tudo, mas raramente republicana. Mudou de nome sem mudar sua natureza.

É uma dinastia não coroada, pois o trono é o próprio Estado. Um Estado que, longe de ser um árbitro neutro, costuma atuar como um sócio discreto das castas do topo, oferecendo infraestrutura legal, institucional e legitimação ideológica para garantir sua longevidade.

O primeiro pilar que a sustenta é a riqueza herdada, que assegura a concentração de capital nas mãos de um número ínfimo de famílias, tornando o poder econômico menos resultado de acúmulo produtivo e mais expressão de um traço genético.

Trata-se de um capital que não precisa disputar o presente, porque já venceu no passado. E, ao ser transmitido aos herdeiros, torna-os vencedores por antecipação, financiados por um passado que continua lucrando no presente, sem que seja feito um esforço equivalente.

A ilustração de Luciano Salles, publicada na Folha de São no dia 19 de março de 2022, retrata um monstro alado de cor salmão e com três cabeças que voa por cima de uma floresta. Cada cabeça possui quatro chifres, uma cauda também com chifres e espinhos. O monstro ainda tem dois fortes braços e mãos com três garras. Cada cabeça do monstro cospe fogo em direção a floresta abaixo dele. Já existem quatros pontos de fumaça na floresta que queima. Um corte no desenho mostra o interior da barriga do monstro que revela conter pilhas de notas de dinheiro empilhadas em seu estômago.
Luciano Salles

O segundo são os mecanismos institucionais de autopreservação. Um sistema composto por engrenagens jurídicas, tributárias e políticas, desenhadas para proteger esse patrimônio. Isso se materializa, por exemplo, em subsídios para os ricos e em um imposto sobre heranças muito abaixo da média da OCDE.

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Por fim, há o encobrimento ideológico das regalias da nobreza... e, acreditem, talvez seja o mais insidioso dos pilares. Trata-se de um discurso meritocrático sedutor, capaz de transformar vantagens em façanhas pessoais, e trajetórias previsíveis em sinais de genialidade.

É uma narrativa bem organizada, que vende raras histórias de sucesso como se fossem acessíveis a todos, enquanto normaliza o favorecimento de quem nasceu no topo. No entanto, ao romantizar o sucesso dos bem-nascidos, ela oculta o roteiro hereditário que a perpetua.

Permite que herdeiros encenem o papel de "self-made men", ocultando que suas vitórias começaram muito antes do ponto de partida dos demais. É um encobrimento ideológico muito eficiente, que ensina os de cima a parecer merecedores e os de baixo a acreditar nisso.

Romper esse ciclo exige mais do que indignação episódica. Exige uma revisão corajosa das engrenagens institucionais que naturalizam a reprodução de dinastias. Trata-se de reconhecer que a hereditariedade camuflada de competência não é uma distorção de nosso país, mas uma parte essencial de seu funcionamento.

Enquanto isso não ocorrer, o Brasil continuará sendo uma República de papel. Na prática, seguirá operando como um regime hereditário disfarçado, onde o berço pesa mais que o mérito. Onde poucos governam, muitos obedecem e poucos ousam chamar essa aristocracia pelo nome.

Este texto é uma continuação da série que tenho feito sobre as elites e uma homenagem à música "Beasts of No Nation", de Fela Kuti.