quinta-feira, 1 de maio de 2025

Ruy Castro - Lugar de criminoso é em casa, FSP

 Fernando Collor de Mello, ex-presidente, condenado a 8 anos e 10 meses de prisão em regime fechado por lavagem de dinheiro e corrupção, pleiteia a prisão domiciliar. Seus médicos alegam que ele sofre de Parkinson, transtorno afetivo bipolar e apneia obstrutiva do sono. O Parkinson é uma condição conhecida. O transtorno afetivo bipolar provoca variações bruscas de humor, como períodos de euforia e depressão —140 milhões de pessoas no mundo sofrem disso. E a apneia é a obstrução parcial das vias respiratórias durante o sono, causadora de roncos tonitruantes. Por isso, dizem eles, Collor precisa cumprir a pena em sua cinemascópica mansão construída com o dinheiro da corrupção.

Há algumas semanas, a Justiça de Roraima acatou pedido da defesa do ex-senador Telmário Mota, condenado a 8 anos e 2 meses de prisão em regime fechado por abusar sexualmente da filha. Ele é ainda investigado pela morte da ex-mulher, assassinada em 2023 com um tiro na cabeça, em Boa Vista. Segundo o laudo médico, Telmário tem transtorno depressivo, a mesma apneia collorida, miocardiopatia hipertrófica assimétrica, hiperplexia, hipertensão, artrose, cálculos biliares, tendências suicidas e precisa de acompanhamento psiquiátrico. Condoído, o juiz concedeu-lhe prisão domiciliar.

E vários condenados a 16 anos e 6 meses de prisão fechada no processo do 8/1 por abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, associação criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado também passaram à prisão domiciliar: Sergio Amaral Resende, por necrose na vesícula e sequelas nos rins, fígado e pâncreas; Jorge Luiz dos Santos, por hipertensão arterial, sopro cardíaco e necessidade de cirurgia cardíaca; e Marco Alexandre Araújo, por transtornos psicológicos durante a detenção e uso de medicamentos para depressão.

Incrível como pessoas de saúde tão delicada se lançam a essa vida de crimes.

Bolsonaro, mais precavido, já se internou antes da sentença.

Menos partidos, editorial FSP

 Na maioria dos países democráticos que adotam cláusulas de desempenho, os partidos que não alcançam o patamar mínimo de votação exigido, tipicamente entre 3% e 5%, não têm acesso ao Parlamento. A política brasileira, porém, com sua propensão à autocomplacência, optou por um regramento bem mais frágil.

Para começar, a votação mínima foi introduzida por meio de um processo paulatino, que só deve ser concluído em 2030, quando a cota atingirá 3%. Ademais, a legenda incapaz de obter o desempenho estabelecido não perde acesso ao Legislativo, mas a regalias do funcionamento parlamentar, como integrar o colégio de líderes, e às fatias mais gordas do financiamento público.

Por fim, a norma brasileira ainda lança algumas boias de salvação aos partidos ameaçados, como a formação de federação —um arranjo pelo qual duas ou mais siglas se juntam pelo prazo fixo de quatro anos.

Mesmo assim, aos poucos tais mudanças, aliadas à proibição de coligações em eleições proporcionais, têm conseguido reduzir a fragmentação de legendas no Congresso Nacional, o que em tese facilita a formação de coalizões de governo estáveis —objetivo final das cláusulas de desempenho.

Recentemente, observam-se dois movimentos interessantes. O PSDB, que até 2018 era um dos mais importantes partidos do país, encabeçando disputas presidenciais por duas décadas, deu passo importante para fundir-se com o Podemos, por uma questão de sobrevivência.

O encolhimento da sigla se deu em tal magnitude e rapidez que ela corria o risco de não passar pela cláusula. O símbolo do tucano talvez sobreviva, mas o número 45 será extinto.

Já União Brasil e PP formalizaram uma federação. A meta aqui não é sobreviver, e sim, por ganhos de escala, ampliar poder. Juntos, os dois partidos constituem a principal força do Legislativo, com 109 dos 513 deputados federais e 14 dos 81 senadores.

Se uma aliança resolve alguns problemas, também cria outros. O fato de os caciques nacionais das legendas conseguirem chegar a um entendimento não significa que a concórdia se repetirá em nível regional. Por vezes, inimigos figadais se veem abrigados no mesmo guarda-chuva partidário, de modo que é seguro prever impasses e defecções.

Seja como for, é positivo constatar que o novo regramento está, mesmo mais lentamente que o desejável, ajudando a diminuir o cipoal de siglas que atravanca a política brasileira.

É preciso, porém, destacar que trata-se de apenas uma faceta das dificuldades do país nessa seara. Reduzir a fragmentação não resolve a questão da inconsistência programática dos partidos.

Para dar só um exemplo, o manifesto que marcou o lançamento da federação União Brasil-PP veio num tom indisfarçavelmente oposicionista, mas a aliança tem quatro ministérios no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

edioriais@grupofolha.com.br

Canadá ganharia fazendo parte dos EUA?, Braulio Borges, FSP

 

Donald Trump continua insistindo na ideia de que o Canadá deveria se tornar o 51º estado dos Estados Unidos da América. Essa ameaça à soberania do país vizinho, em conjunto com a guerra tarifária iniciada ainda em janeiro deste ano, já trouxe ao menos uma implicação prática: nas eleições canadenses realizadas nesta semana, o Partido Liberal, de centro-esquerda, "renasceu das cinzas" e saiu vitorioso.

Até o começo deste ano, as pesquisas vinham indicando que o Partido Conservador, de centro-direita, venceria as eleições com uma folga razoável, tirando os liberais do comando político do Canadá (onde estão desde 2015).

Embora seja uma ideia completamente sem sentido –como várias outras do atual presidente dos EUA–, achei que seria pertinente tentar responder o seguinte questionamento: o Canadá teria algum ganho caso se tornasse um estado dos EUA?

O primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, durante a campanha - Andrej Ivanova-22.abr.25/AFP

Alguns afobados responderiam que "sim", tomando por base apenas o nível e a evolução do PIB per capita de ambos os países. Segundo dados do Banco Mundial, em 2023 o PIB per capita dos EUA foi de cerca de US$ 74 mil, quase 30% superior ao do Canadá, de US$ 57 mil (em ambos os casos, já ajustados pela paridade do poder de compra e a preços de 2021).

Além de maior, a evolução nos EUA foi mais favorável: entre 2015 e 2023, o PIB per capita no país avançou cerca de 18%, contra apenas 2% no Canadá.

Não obstante, embora o PIB per capita apresente uma correlação elevada com os níveis de bem-estar da população de um país, sabemos que ambos não são sinônimos perfeitos. O índice de felicidade e satisfação com a vida dos canadenses tem sido superior ao dos EUA há quase 15 anos, desde que teve início o cálculo desse indicador. E não é difícil entender o porquê disso.

Enquanto a taxa de homicídios nos EUA é de cerca de 6 por 100 mil habitantes, no Canadá ela é de pouco mais de 2. Já no caso da taxa de suicídios, ela é de cerca de 14 por 100 mil nos EUA (e sobe há mais de duas décadas) e de 8 no Canadá (e vem caindo).


Em termos de longevidade, a expectativa de vida no Canadá continua subindo e para todos os grupos de renda, chegando a quase 83 anos nas estimativas mais recentes. Já nos EUA, esse indicador está relativamente estagnado há algum tempo, em torno de 79 anos. No que toca à educação, a nota média dos alunos de ensino médio do Canadá na prova internacional PISA, tanto em leitura como em matemática, tem sido sistematicamente superior àquela dos EUA.

Voltando aos indicadores econômicos, o desempenho macroeconômico do Canadá é muito mais sustentável do que aquele dos EUA. Segundo o FMI, a dívida pública líquida canadense foi de apenas 12% do PIB em 2023, em tendência de queda meados dos anos 1990, ao passo que o endividamento líquido nos EUA está em quase 100% do produto e sobe há mais de duas décadas. Do mesmo modo, o passivo externo líquido do EUA continua aumentando expressivamente há quase três décadas, ao passo que o Canadá é credor externo líquido.

Mesmo em termos de instituições econômicas, o índice de liberdade econômica da Heritage Foundation (um think tank conservador) aponta, na leitura referente a 2025, que o Canadá é mais "livre" do que os EUA (75,5 vs 70,2). Sim, é verdade que esse indicador recuou nos EUA desde 2021 (estava em torno de 76 entre 2012 e 2020). Contudo, desde 2008 o Canadá tem sido mais "livre" do que os EUA.

Com efeito, os EUA é que ganhariam incorporando vários aspectos das instituições econômicas e do estado de bem-estar social canadense, e não o contrário.