segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Hélio Schwartsman - O tamanho do botão, FSP

 A refrega entre Alexandre de Moraes e Elon Musk em torno do acesso ao X lembra-me o embate entre Donald Trump e Kim Jong-un em 2018 para estabelecer quem detinha o maior botão nuclear –uma disputa de egos que produziu muito ruído sem alterar substancialmente o statu quo.

Moraes até começa com mais razão do que Musk. Se uma empresa estrangeira que atua no Brasil se recusa a cumprir decisões judiciais, é perfeitamente razoável que as autoridades locais lhe imponham multas e eventualmente determinem o fechamento de seus escritórios no país.

Montagem mostra o bilionário Elon Musk, dono do X (ex-Twitter), e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal - Etienne Laurent e Evaristo Sá/AFP

Em condições normais, esta última sanção torna mais difícil para a firma monetizar suas operações, algo que empresários racionais tentarão evitar a todo custo. É claro que, se quem estiver no comando da companhia for um bilionário abrutalhado disposto a perder dinheiro para satisfazer seus caprichos ideológicos, as coisas ficam mais difíceis para os juízes. É do jogo. Quem atua em nome do Estado precisa sujeitar-se a regras rígidas que limitam seu poder de fogo.

Em situações extremas –imagine o X impulsionando desinformações sobre a pandemia--, penso que o STF poderia determinar o bloqueio da rede em território nacional, mas não acho que posts de figuras secundárias do bolsonarismo estejam nesse nível de perigo. Trata-se, como observou a OAB, de uma questão de proporcionalidade.

E fica pior. Moraes não se limitou a tomar medidas contra o X, mas indicou que pretende punir também residentes no Brasil que encontrem caminhos alternativos e não ilegais de acessar a rede. O X, vale lembrar, é mais do que os posts de bolsonaristas.

"Mutatis mutandis", é como se o magistrado proibisse brasileiros de entrar numa biblioteca (sediada no exterior) porque ela mantém em suas estantes algumas obras que violam direitos autorais e o bibliotecário-chefe se recusa a excluí-las.

O jurista é Moraes e não eu, mas ninguém me tira da cabeça que as decisões do magistrado violam o espírito e a letra dos dispositivos constitucionais que tratam da liberdade de informação.

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A ignorância artificial é uma bênção, Manuela Cantuária, FSP

 "Porque você merece menos." Esse é o slogan do Celular Burro™, também conhecido com "dumbphone", que promete revolucionar o mercado tecnológico. A grande novidade, no entanto, nada mais é do que um resgate dos aparelhos vigentes no início dos anos 2000 –aos moldes do clássico "Nokia da Cobrinha", tão resistente que, quando caía no chão, causava mais preocupação com o piso do que com o celular em si.

Voltada para o consumidor cansado de se sentir refém de telas e dos bombardeios de notificações, o Celular Burro™ rema contra o tsunami de conteúdos ao alcance de nosso polegar opositor. Quem diria que esse detalhe anatômico, considerado trunfo evolutivo da humanidade, que nos permite manipular ferramentas com precisão, descascar bananas e rolar nosso feed até o inferno, nos traria tanta ansiedade, dependência e fadiga mental.

Os celulares inteligentes nos deixaram mais burros. Nossa memória depende de galerias de fotos, lembretes de aniversários, mecanismos de pesquisas, localizações por GPS. Aplicativos de inteligência artificial agora se propõem a pensar por nós, elaborando dietas, planos de treino, metas de trabalho, roteiros de viagem e até mensagens de cunho pessoal, como a recusa cordial de um convite.

Nesse cenário, a burrice artificial pode ser uma solução para nos impedir de sucumbir à burrice orgânica. As gerações Z e Alpha, que, a princípio, nunca saberiam como era difícil digitar com um teclado numérico de nove teclas, agora terão essa oportunidade de apurar suas capacidades cognitivas.

A imagem mostra um celular flip rosa sendo segurado por duas mãos. O celular está aberto, com a tela voltada para cima, e há um brilho emanando dele. O fundo é de cor verde com linhas diagonais que criam um efeito de radiação.
Silvis/Folhapress

Com design minimalista, memória limitadíssima e o preço de três cafezinhos (sem o bônus da taquicardia causada pela bebida), o dumbphone não tem acesso à internet e não dispõe de aplicativos de mensagens, emails, redes sociais e notícias. As fotos da câmera de um megapixel são reveladoras e provam que o registro de momentos cotidianos é uma grande desperdício de tempo.

O time de especialistas do Celular Burro™ trabalhou duro para que o aparelho fosse o mais incompetente possível. O consumidor não precisa ficar preocupado com atualizações: a fabricante garante que o aparelho nunca vai ficar mais inteligente do que já não é. Um celular do passado para se conectar ao presente e preservar o futuro.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis.


Nasce um escândalo, Dora Kramer, FSP

 Três deputados federais do PL estão denunciados ao Supremo Tribunal Federal pela Procuradoria-Geral da República por desvio de recursos das emendas parlamentares. Josimar Maranhãozinho, Pastor Gil, ambos do Maranhão, e Bosco Costa, de Sergipe, são acusados de peculato e extorsão em São José de Ribamar (MA).

Segundo o relato da PGRmandavam recursos para a prefeitura em troca da devolução de uma parte do dinheiro em forma de comissão paga por empresas ou pelo cofre municipal.

O deputado Josimar Maranhãozinho (PL-MA)

Em grau mais grave, pois atinge a população de uma cidade, a prática é semelhante à "rachadinha", na qual parlamentares levam funcionários dos respectivos gabinetes a dividir com eles o salário pago pelo Legislativo.

A diferença entre os deputados denunciados e boa parte de seus pares é, ao que tudo indica, que foram pegos. Dada a distorção de procedimentos na farra das emendas, outras investigações do mesmo teor estão em andamento.

A suspensão por ordem do Supremo do pagamento das chamadas emendas Pix, sucessoras do orçamento secreto também vetado sem sucesso pelo STF, ocorreu exatamente pela suspeita de que a falta de transparência e a impossibilidade de rastrear os recursos se prestem a ilícitos.

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Temos aí um caso infame em gestação. A demora do Congresso em aderir ao acordo proposto pela aliança dos Poderes Judiciário e Executivo mostra que o Legislativo não está disposto a concordar com os termos propostos. O compromisso foi firmado em 30 de agosto, seu desfecho adiado duas vezes e agora corre sem prazo para uma conclusão.

Ocorre que os fatos são os fatos. E estes mostram que uma parcela dos legisladores faz uso indevido e, desconfia a PGR, por vezes corrupto do manejo das emendas ao Orçamento da União.

Às ilegalidades soma-se o desequilíbrio de condições nas eleições, pois patrocinadores e contemplados se valem das verbas como uma espécie de financiamento de campanhas a ter reflexo em 2026 para assegurar a reeleição ao Congresso dos que lá já estão.

O conjunto dessa obra senta praça na antessala de um escândalo que o Parlamento contratou para si.