segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Mercado livre de energia recebeu 16 mil novos consumidores até agosto, diz CCEE, FSP

 

Letícia Fucuchima
São Paulo

O mercado livre de energia brasileiro registrou a adesão de 16,01 mil novos consumidores entre janeiro e agosto, mantendo o fluxo recorde e que já supera em duas vezes as migrações acumuladas no ano passado inteiro, segundo balanço divulgado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) nesta segunda-feira (23).

A instituição apontou que, em agosto, o ambiente de contratação livre (ACL) registrou 2.533 novas adesões, volume três vezes maior do que o verificado no mesmo mês de 2023, na esteira da liberalização do mercado para todos os consumidores ligados em alta tensão a partir de janeiro deste ano.

"São empresas e pessoas que perceberam a possibilidade de ganharem competitividade e previsibilidade financeira. Com a procura maior, a CCEE também tem se dedicado ainda mais para projetos que visem a simplificação dos processos de migração, a fim de tornar a experiência desses novos consumidores a melhor possível", afirmou o presidente da CCEE, Alexandre Ramos, em nota.

A imagem mostra várias torres de transmissão de energia elétrica em um campo aberto, com uma paisagem montanhosa ao fundo. As torres são de metal, com cabos suspensos conectando-as. O céu está nublado, sugerindo um clima encoberto.
Linhas de transmissão de energia - Jorge Silva/27.mar.24/Reuters

Desde o início deste ano consumidores de alta tensão com carga inferior a 0,5 megawatt médio podem migrar do mercado regulado, das distribuidoras, para o livre, contratando energia elétrica diretamente de um fornecedor, alternativa antes acessível apenas a indústrias e outros grandes consumidores.

Segundo a CCEE, 72,6% dos novos entrantes no ambiente livre são pequenas e médias empresas, como padarias, supermercados, farmácias e escritórios, que aderiram à categoria "varejista". Nesse modelo, uma comercializadora de energia fica responsável pela representação dos contratos dessa empresas na CCEE.

O levantamento aponta que os setores de comércio e serviços vêm puxando a fila das migrações e são responsáveis por quase 50% do total, seguidos pelos segmentos de manufaturados e indústria alimentícia.

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No ramo de Serviços, o destaque são os segmentos de condomínios prediais (479 migrações no ano) e hotéis e similares (450). No comércio, os supermercados (1.248) e os postos de combustíveis (619) lideram o ranking.

A CCEE informou ainda que iniciará, ainda em setembro, a fase de testes para um novo modelo de troca de informações entre distribuidoras, comercializações e a própria organização, "inovação que irá revolucionar o setor e preparar o terreno para a abertura integral do ambiente livre, quando este avanço for possibilitado pela regulação".

Terapia com MDMA pode atrasar cinco anos, Marcelo Leite - FSP

 

Cogumelos em cores psicodélicas sobre fundo branco
Ilustração de Raphael Egel - @liveenlightenment

A promessa de psicoterapia assistida por psicodélicos (PAP) não morreu com a decisão da agência norte-americana FDA, em agosto, rejeitando o tratamento de transtorno de estresse pós-traumático com MDMA (ecstasy). Ao que parece, ela só foi adiada –por meia década, talvez.

A previsão partiu de Sam Clark, executivo da empresa Terran Biosciences, para o boletim InsideHealthPolicy. A expectativa é que a empresa Lykos Therapeutics, que teve seu pedido de licença recusado, aceite realizar um novo teste clínico, como exigido pelos reguladores da FDA, em lugar de contestar a decisão negativa.

A rejeição foi golpe duro para a Lykos, que demitiu três quartos de seu pessoal após o fiasco. Entre os dispensados estava Amy Emerson, que presidia a companhia. Em seu lugar ficou Michael Mullette, antes responsável pela área de operações, que tem 19 anos de experiência em farmacêuticas como Moderna e Sanofi.

A empresa contratou como diretor médico outro executivo tarimbado na área, David Hough. Ele conduziu com sucesso a aprovação pela FDA do medicamento Spravato da Janssen, uma variante inalável do anestésico dissociativo cetamina (ou ketamina) indicada para tratar depressão.

O revés na FDA, essas alterações na direção da Lykos e declarações de outros executivos do ramo indicam uma tendência a dissociar drogas psicodélicas (MDMA, psilocibina, DMT) de sessões de psicoterapia. Ou seja, abandonar a própria ideia de PAP em favor de uma abordagem farmacológica mais tradicional, na linha das pílulas antidepressivas hoje disponíveis para uso continuado.

Mesmo com o tropeço, investidores seguem carreando recursos para empresas de pesquisa psicodélica, cerca de US$ 600 milhões no primeiro semestre e a caminho de US$ 1 bilhão neste ano, segundo o boletim Psychedelic alpha. Projeta-se um mercado potencial de US$ 7,35 bilhões em 2031 para medicamentos psicodélicos.

Cabe lembrar que há dois outros testes clínicos de fase 3 em andamento, mas tendo a psilocibina (psicodélico dos cogumelos "mágicos") como alvo para tratar depressão. Um deles é da empresa Compass Pathways; o outro, do Instituto Usona, que não tem fins lucrativos. Não se espera uma aprovação pela FDA antes de 2026, contudo.

Como alternativa à FDA e ao chamado modelo biomédico, prospera a via aberta em 2020 pelo Oregon, quando o eleitorado aprovou em referendo a criação de serviços de psilocibina no estado norte-americano. Em lugar de psiquiatras prescreverem comprimidos, como se pode fazer na Austrália e no Canadá, nesse caso facilitadores licenciados fornecem sessões com a droga, em locais cadastrados, sem indicação médica.

Dois anos depois, foi a vez do Colorado aprovar legislação para liberalizar psicodélicos. O próximo estado na fila de consultas populares para permitir o uso adulto dessas substâncias, na eleição de novembro, é Massachusetts, com petição para adotar uma Lei de Substâncias Psicodélicas Naturais. Outros estados vão na mesma direção, mas sem referendos, e sim por iniciativa parlamentar, como Califórnia e Nova Jersey.

Artigos científicos sobre aplicações clínicas de psicodélicos também continuam saindo e repercutindo, como neste editorial da revista Science. Nas últimas semanas, foram publicadas três revisões sistemáticas sobre essas drogas, estudos que agrupam resultados de diversos ensaios clínicos para verificar se concordam entre si e com que grau de certeza.

A primeira revisão, sobre o uso de PAP para tratar depressão e ansiedade em pessoas com doenças terminais, apareceu no sistema Cochrane, um dos bastiões da chamada medicina baseada em evidências. Conclusão: psicodélicos clássicos como psilocibina e LSD podem reduzir sintomas, mas o uso de MDMA para tal finalidade ainda está cercado de incertezas.

Outra meta-análise saiu num periódico da associação médica dos EUA, Jama Psychiatry, e tratou da ocorrência de efeitos adversos de psicodélicos. Entre 3.504 voluntários saudáveis que participaram de ensaios clínicos, nenhum evento severo foi reportado, e só 4% entre aqueles com transtornos neuropsiquiátricos pré-existentes.

A terceira e menos conclusiva revisão, sobre microdosagem de psilocibina, apareceu no Journal of Psychopharmacology. O uso de doses subclínicas, ou seja, incapazes de desencadear efeito psicodélico, duas ou rês vezes por semana, se espalhou com a fama de incrementar desempenho cognitivo, mas o artigo afirma que a evidência é escassa.

Muita água ainda vai rolar sob a ponte avariada pela FDA até a próxima conferência Psychedelic Science, que se realizará de 16 a 20 de junho de 2025 em Denver, Colorado. Será em clima bem menos triunfal que a de 2023, na mesma cidade, quando se dava como certa a aprovação de MDMA para estresse pós-traumático.

Homem de branco fala em conferência com telão mostrando imagens de cogumelos
Rick Doblin, da Maps, fala na conferência Psychedelic Science 2023 - Mardelo Leite/Folhapress

A reunião, que no ano passado atraiu mais de 12 mil participantes, é organizada pela Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps), a ONG fundada em 1986 da qual se desmembrou a Lykos. Rick Doblin, estrela de 2023, também se desligou do conselho da empresa e hoje critica o rumo tomado pelo campo empresarial, como sua tendência a desistir de combinar MDMA com psicoterapia.

Em 6 de setembro, um mês após recusar pedido da Lykos, a FDA realizou sessão pública sobre avanços no tratamento de transtorno de estresse pós-traumático, ausentes há um quarto de século. Como seria de prever, a rejeição da terapia com MDMA voltou à baila, inclusive com testemunhos de especialistas próximos da Maps.

Após a reunião, um dos mais enfáticos sobre o potencial dessa droga foi o psiquiatra Dave Rubin. "A terapia com MDMA foi uma das descobertas mais importantes em saúde mental, comparável à descoberta de antibióticos", afirmou numa entrevista coletiva.

"Foi um momento revolucionário, e penso que, ao final, ela prevalecerá. Sempre há resistência a novas ideias, mas os benefícios desse tratamento se tornarão claros."

Quem sobreviver aos próximos cinco anos verá.

Como o Aeroporto de Guarulhos entrou na rota clandestina de migração para os EUA, OESP

 


Uma explosão no número de pedidos de refúgio no Brasil levou o Ministério da Justiça e Segurança Pública a identificar uma rota clandestina de migrantes no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo. A média mensal de solicitações saltou de 230 em 2022 para 775 este ano.

Suspeita das autoridades é de que muitos estrangeiros vindos da Ásia já vinham sob a orientação de coiotes ou eram assediados na chegada no Aeroporto de Guarulhos
Suspeita das autoridades é de que muitos estrangeiros vindos da Ásia já vinham sob a orientação de coiotes ou eram assediados na chegada no Aeroporto de Guarulhos Foto: Werther Santana/Estadão

Uma força-tarefa do governo detectou que a maioria dos migrantes não tinha o Brasil como destino final. Eles usavam o País como escala para tentar chegar aos Estados Unidos e ao Canadá.

  • Na última década, venezuelanos, cubanos e angolanos têm estado entre as nacionalidades mais frequentes para pedidos de refúgio. A alta exponencial de solicitações de outras origens chamou a atenção das autoridades.
  • Mas pedidos de outras nacionalidades começaram a crescer, entre elas: Vietnã (1.142), Nepal (966), Índia (961), Bangladesh (340) e Afeganistão (248), no balanço de 2023.

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“Cidadãos de várias nacionalidades, sobretudo da Ásia, compram passagens para outros países sul-americanos com conexão no Brasil. Chegando, entram com pedido de refúgio para ficar. Entendemos que nesses casos o refúgio não deve ser concedido”, disse ao Estadão a diretora de Migrações do ministério, Luana Medeiros.

“Com auxílio da Polícia Federal, vimos que eles entravam no País e, poucos dias depois, deixavam o território nacional. Não estavam de fato interessados em permanecer, o que coloca essas pessoas fora do contexto da migração legal”, acrescenta ela.

Levantamento da PF mostra que só 1,41% dos refugiados aceitos entre janeiro de 2023 e o mês passado continuavam ativos no sistema federal, o que indica situação irregular ou saída rápida do País.

Investigações apontam que muitos saem de São Paulo e seguem para o Norte do País, de onde buscam meios de chegar aos Estados Unidos ou ao Canadá.

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  • É considerado refugiado quem deixa seu país após perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política. Outra possibilidade é a grave e generalizada violação de direitos humanos.
  • Quem chega em voo do exterior e pede refúgio é entrevistado e passa por triagem pela PF. Se for averiguado que não pretende ficar no Brasil, ele pode seguir para o país para o qual tem visto ou voltar para a nação de origem de seu voo.
  • A recusa é prevista pela lei (inadmissão), quando há suspeita de contrabando ou tráfico de pessoas. Ela ficou mais frequente desde 26 de agosto, quando o ministério passou a analisar com mais rigor os pedidos de refúgio.
  • Desde que o maior controle passou a ser aplicado, a média diária de estrangeiros retidos no Aeroporto de Guarulhos caiu de 400 para cerca de 100, segundo a PF.

“Quando se fala de rotas de migração irregular e de possível contrabando de migrantes, a sinalização de que a rota foi identificada leva os coiotes (guias clandestinos) e pessoas que estão nessas rotas a buscar alternativas ou percorrer os caminhos regulares”, diz Luana.

Operações miram rede de coiotes

As operações Brás e Bengal Tigre, realizadas pela PF em outubro de 2019, revelam como funciona esse modelo de contrabando de migrantes no Brasil. Segundo a investigação, o grupo recrutava estrangeiros em seus países e os trazia para Guarulhos.

A quadrilha usava advogados brasileiros para solicitações de refúgio e fornecia aos estrangeiros documentos de viagem falsos, incluindo passaportes, vistos e cartas de tripulantes marítimos.

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Os migrantes ficavam escondidos no Brás, região central de São Paulo, até pagarem R$ 72 mil à organização – R$ 25 mil na chegada e R$ 47 para a viagem até os EUA. Nesse período, as vítimas ficavam em quartos alugados pela quadrilha, em condições insalubres, sofrendo maus-tratos, agressões e cárcere privado, já que não podiam sair livremente.

Depois, seguiam para o Acre, atravessavam de táxi a fronteira com o Peru e encaravam uma maratona de risco, humilhações e privações, passando por Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Honduras, Nicarágua, Guatemala e México até a fronteira americana. A investigação mostrou que na travessia da Selva de Darién, na fronteira de Colômbia e Panamá, eram obrigados a caminhar dez dias a pé.

Com montanhas íngremes e rios, a selva é uma rota estratégica pela falta de fiscalização da polícia, mas é controlada por cartéis de drogas. Muitos imigrantes foram feridos e até mortos nesse trajeto, além de relatos de estupros. E quem cruza a fronteira corria o risco de ser preso pela polícia americana.

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A PF prendeu o suposto líder da organização, o bengalês Saifullah Al Mamun. A defesa nega elo com o tráfico de pessoas e diz que as acusações contra ele, tanto aqui como nos Estados Unidos, são relacionadas apenas ao favorecimento da imigração ilegal.

No mês passado, outras redes de coiotes entraram na mira da PD. A Operação Vuelta identificou uma quadrilha internacional que recrutava vítimas na República Dominicana e fazia de Cumbica escala para fazê-las chegar à Europa. Os migrantes usavam documentação falsa obtida na Colômbia e na Espanha.

Na casa onde foi cumprido um dos mandados de busca, foram achadas 13 pessoas que estariam utilizando o Brasil como rota de contrabando de migrantes.

Em agosto, a PF também deflagrou a Operação Sáfaro contra um grupo investigado por promover a emigração ilegal de brasileiros para os Estados Unidos. Foram cumpridos oito mandados de busca e apreensão e seis de prisão em Governador Valadares e outras cidades de Minas Gerais.

A Justiça autorizou o bloqueio de R$ 35 milhões dos suspeitos. As investigações revelaram que ao menos 327 brasileiros, inclusive 101 adolescente, emigraram ilegalmente com ajuda da quadrilha, atravessando a fronteira mexicana.

Morte de ganês e acampamentos afegãos

Nos últimos meses, episódios de problemas e condições precárias de grupos de estrangeiros em Cumbica se repetiram.

No último dia 6, um imigrante de Gana, Evans Osei Wusu, de 39 anos, morreu após passar mal no aeroporto. Segundo seus familiares, seu destino era o México, mas ele teve a entrada negada naquele país e retornou para São Paulo, onde pediu refúgio.

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Wusu aguardava ser reconhecido seu status de refugiado. Ele recebeu atendimento no posto médico do aeroporto e depois foi levado ao Hospital Geral de Guarulhos, mas morreu de infecção generalizada. A Polícia Civil abriu inquérito para apurar o óbito.

Em junho, cerca de 200 imigrantes, a maior parte de indianos, ficaram retidos em Cumbica. Isso ocorreu, segundo autoridades de migração e judiciárias, por causa de um fluxo incomum de chegada de estrangeiros sem permissão de entrada e problemas no sistema de cadastro.

Dezenas de migrantes da Índia e Vietnã estão retidos no Aeroporto de Guarulhos

Fluxo incomum de chegada de estrangeiros e problema em solicitações de refúgio desencadearam problema. Autoridades preveem resolução até domingo

Desde 2022, vários grupos de afegãos, que fugiram do domínio do grupo armado Taleban, têm chegado e acampado no Aeroporto de Guarulhos à espera de ajuda. Parte dos estrangeiros foi acolhida em Mongaba, no interior de São Paulo, e outros ficaram em abrigos da capital.

Estadão tentou contato com as embaixadas de Estados Unidos, Canadá e dos países asiáticos citados, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

Acampamentos de afegãos se tornaram frequentes no Aeroporto de Guarulhos (foto de 29/6/2024)
Acampamentos de afegãos se tornaram frequentes no Aeroporto de Guarulhos (foto de 29/6/2024) Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Defensoria recorre à Justiça

A Defensoria diz que impetrou este mês solicitações de habeas corpus para 74 pessoas que manifestaram interesse em refúgio no País. “Todos os pedidos tiveram a liminar deferida, o que garante a essas pessoas a permanência no Brasil até a análise final da demanda pela Justiça Federal”, diz, em nota. Em outro dos pedidos houve sentença negativa contra nove migrantes, mas a DPU vai recorrer.

A diretora de Migrações do ministério diz que as medidas que restringem a admissão de estrangeiros como refugiados são pontuais e específicas para passageiros em trânsito pelo País. “Nossa lei não exige visto para quem fica em área de trânsito internacional, ou seja, está só de passagem em uma escala de voo em aeroporto brasileiro”, afirma Luana.

O Brasil exige o visto para pouco mais de 90 nações, de um conjunto de 195. “Somos um dos países mais abertos do mundo para a entrada de estrangeiros, assim como brasileiros têm acesso a muitos países sem precisar de visto”, afirma.

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A GRU, concessionária responsável pelo aeroporto, informa que a responsabilidade pelos passageiros que aguardam o processo de admissão pela PF até a sua conclusão é das companhias aéreas. Nesse período, continua, presta suporte às empresas áreas e às autoridades.