segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Michael França Brasileirinho precisa mudar a mentalidade?, Michel França, FSP

A reprodução passiva de determinados hábitos é não apenas um traço do comportamento individual mas também o resultado de uma herança coletiva que esculpe nossas percepções e atos ao longo do tempo.

As normas e expectativas de cada grupo populacional, por exemplo, exercem uma pressão constante —às vezes sutil, outras vezes explícita— para que seus integrantes ajustem seus comportamentos, atitudes e crenças de acordo com os padrões estabelecidos ao seu redor. Essa pressão silenciosa molda a forma como cada pessoa percebe a si mesma e o seu lugar no mundo.

No Brasil, um país marcado pela segregação e baixa mobilidade social, a dificuldade de ascensão socioeconômica se transforma em um dos mecanismos que induzem à conformidade com as expectativas subjacentes à rígida estratificação social. Essa poderosa força impõe uma pressão contínua para que as pessoas sejam submissas a comportamentos predeterminados, naturalizando nossas divisões sociais.

Aos mais desfavorecidos cabe o constante enfrentamento das baixas expectativas que os enquadram em certos papéis de menor valor na sociedade e aos comportamentos considerados adequados para sua condição. Com o tempo, muitos acabam internalizando certos ideais que contribuem para os colocar sistematicamente para trás e, não raramente, passam a acreditar que não são capazes de atingir grandes feitos em suas vidas.

Momento da posse de Karoline Maia como promotora do Ministério Público do Pará
Posse de Karoline Maia como promotora do Ministério Público do Pará; ela é a primeira promotora quilombola do Brasil - 23.mai.24/Arquivo pessoal

Em diversos casos, as baixas expectativas começam dentro de casa. A própria família, influenciada por gerações de privações, desencoraja seus filhos a explorar trajetórias mais ambiciosas. Essa mentalidade é reforçada pela ausência de bons mentores e modelos sociais que poderiam auxiliar na pavimentação de caminhos alternativos. Como consequência, milhares de jovens periféricos não conseguem imaginar uma vida muito diferente do restritivo ambiente em que estão inseridos.

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Esse contexto se transmuta em uma adicional barreira interna, tão poderosa quanto as externas, aprisionando suas mentes enquanto limita seus horizontes. A falta de confiança em si mesmos, alimentada pela ausência de reais oportunidades e pelas baixas expectativas coletivas em relação aos seus potenciais, faz com que seus destinos à margem da sociedade se tornem uma profecia autorrealizável.

O cenário é diferente entre os mais ricos. Enquanto a pressão de conformidade em contextos de pobreza costuma restringir e sufocar ambições, entre os mais abastados essa pressão frequentemente atua como uma alavanca que os impulsiona para a frente. Nesse grupo, há uma alta expectativa de que os filhos atinjam as melhores posições na sociedade, perpetuando e expandindo o legado familiar.

Desse modo, o conformismo é um reflexo do status quo, assim como uma de suas forças motrizes. Quebrar a pressão de conformidade exige a criação de um ambiente que promova oportunidades reais de ascensão social, desafiando diversas expectativas e valores limitantes induzidos pela sociedade. Isso passa pela implementação de políticas públicas que desfaçam as crenças enraizadas pela segregação socioeconômica, permitindo que os indivíduos se vejam além de papéis estereotipados e internalizem a possibilidade de um futuro diferente.

Nesse contexto, fortalecer a confiança e a autoestima daqueles que perderam na loteria do nascimento também constitui um passo relevante para romper o ciclo de conformismo e abrir caminhos para que redefinam seu lugar no mundo e conquistem novas posições na sociedade.

O texto é uma homenagem à música "Brasileirinho", composta por Waldir Azevedo, interpretada por Danilo Brito, Xeina Barros, Carlos Moura e Guilherme Girardi. 

TJ-SP absolve ex-reitor da USP por doações para reformas na Faculdade de Direito, FSP

 Isabela Palhares

SÃO PAULO

O Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu o ex-reitor da USP João Grandino Rodas da acusação de improbidade administrativa pelos contratos de doações privadas celebrados por ele para reformas na Faculdade de Direito.

A ação corria há 11 anos. A decisão de absolvição de Rodas foi tomada pela 2ª Câmara de Direito Público do tribunal em fevereiro deste ano, mas o processo só transitou em julgado em 20 de julho, depois que recursos do Ministério Público ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ao STF (Supremo Tribunal Federal) foram negados.

O tribunal entendeu, por unanimidade, que o ato não causou danos ao erário. No acórdão, os desembargadores disseram, no entanto, que os contratos foram celebrados "em desconformidade com os princípios da administração pública" por não terem sido informados à Congregação da Faculdade de Direito que havia aceitado as doações.

"Essa desconformidade não foi de tal magnitude que pudesse ser classificada como improbidade", diz o acórdão.

Faculdade de Direito São Francisco, da Universidade de São Paulo - Karime Xavier - 11.ago.20/Folhapress

Em julho de 2023, Rodas chegou a ser condenado, em primeira instância, a pagar multa no valor equivalente a 12 vezes ao que recebeu em seu último salário como reitor da universidade. O TJ-SP reformou a sentença.

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Em nota, Rodas disse que a decisão serve como um atestado de sua conduta.

"Ao invés de lembrar da sanha persecutória sofrida durante 14 anos, prefiro rememorar os 45 de docência na Faculdade de Direito e os 10 anos de docência na Faculdade de Educação da USP, que me abriram portas para fazer o mestrado na Harvard Law School, para atuar em organismos internacionais, na Consultoria do Itamaraty etc", diz.

"Nunca houve diretor ou reitor da USP mais investigado! Processos judiciais e administrativos, que venci todos, servem como o melhor dos atestados de conduta."

A ação corria desde 2013, quando o Ministério Público de São Paulo acusou rodas de aceitar as doações sem ter divulgado ou avisado a Congregação da Faculdade de Direito sobre as doações.

O primeiro contrato foi celebrado em 2009, quando Rodas era diretor da faculdade. O outro foi feito em 2010, quando ele já era reitor da USP.

O contrato previa que os escritórios Pedro Conde e Pinheiro Neto fariam a reforma de um auditório, de um conjunto de banheiros e de uma sala de aula. Em troca, Rodas deu autorização para que ambientes da faculdade fossem batizados com nomes que homenageariam os fundadores dos escritórios.

As reformas foram feitas pelos escritórios, mas, em 2010, uma decisão da congregação da Faculdade de Direito revogou os contratos, impedindo as homenagens acordadas. O colegiado da faculdade defendeu que os contratos de doação e a concessão dos espaços para homenagens deveriam ter sido aprovados pelo Conselho Universitário, instância máxima da USP, conforme consta no regulamento da instituição.

Com a revogação do acordo de doação, representantes do escritório Pedro Conde entraram na Justiça com pedido de indenização por quebra de contrato no valor de R$ 1 milhão —posteriormente, eles desistiram do pedido de restituição e deixaram o dinheiro com a universidade.

O TJ considerou que não ficou demonstrado o prejuízo ao erário com a nomeação dos prédios ou houve danos aos cofres públicos.

Adriana Fernandes - Um pote de dinheiro para salvar a meta fiscal de 2024, FSP

 Três medidas anunciadas pelo governo, nos últimos dias, têm promovido queda da percepção de risco de mudança da meta fiscal.

A ficha começou a cair para os especialistas em contas públicas com o relatório do projeto de desoneração da folha de 17 setores da economia e de municípios apresentado pelo líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA).

Duas medidas para facilitar e agilizar o resgate de precatórios abandonados e outros depósitos judiciais podem garantir entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões em receitas para o governo federal, como revelou a Folha na última sexta-feira.

Uma terceira medida foi anunciada pelo presidente do BNDESAloizio Mercadante. Ele antecipou que o banco de desenvolvimento iria fazer um esforço adicional e transferir neste ano ao Tesouro Nacional um valor de dividendos inédito na história para ajudar no equilíbrio das contas públicas.

São Paulo, SP, BRASIL, 21-06-2022:  (Foto: Bruno Santos/ Folhapress)
Presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.

Como o repasse mais alto até agora tinha sido de R$ 18,8 bilhões, em 2022, os especialistas calculam que o banco poderá contribuir com pelo menos R$ 3 bilhões a mais do que o inicialmente previsto.

Não foi à toa que o secretário-executivo no Ministério da FazendaDario Durigan, afirmou que o governo estava próximo de cumprir a meta de equilíbrio fiscal nas contas públicas este ano e que para isso era fundamental aprovar o pacote discutido com o Senado para compensar a perda de arrecadação com a desoneração.

Se aprovado, o projeto da desoneração pelo Congresso poderá afastar a necessidade de um congelamento forte nas despesas do Orçamento, no final de setembro, para a meta fiscal não estourar.

Até aqui, os investidores do mercado não acreditavam que o governo iria fazer mais um congelamento de R$ 25 bilhões para cumprir a meta ou mesmo descumpri-la para acionar medidas de ajuste (os chamados gatilhos).

A leitura era que o passo seguinte num cenário adverso seria propor a mudança da meta de 2024 ou mesmo mudar o arcabouço, temor que contribuiu para a alta do dólar. Com a expectativa de entrada desses recursos, o caminho está dado.

BRASÍILIA, DF,  06-08-2024  (FOTO  Gabriela Biló /Folhapress)
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan

Durigan quis coordenar as expectativas. Só não contou o santo, porque o governo quer também aprovar o aumento da alíquota de 15% para 20% do JCP (juros sobre capital próprio), uma forma alternativa de uma empresa remunerar seus acionistas recolhendo menos tributos. A proposta entrou no parecer de Wagner.

A revelação de que as novas regras para os depósitos judicias têm potencial de fechar a compensação da desoneração, porém, diminui as chances de aprovação da mudança no JCP, medida que sofre resistência das grandes empresas.

No mercado, calcula-se que a alta da alíquota do JCP poderia arrecadar de R$ 4 bilhões a R$ 6 bilhões em 2025, dinheiro que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) quer contar para fechar as contas no ano que vem no projeto de Orçamento.

Se não aprovar agora no projeto de desoneração, o governo deve insistir enviando um projeto de lei.

O Congresso pode até cobrar mais para aprovar o projeto da desoneração, mas ninguém acredita que as regras de facilitação do resgate de depósitos não sejam aprovadas. É uma medida alternativa (sem custo político) ao aumento da carga tributária com elevação da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), que estava na mesa.

A grande dúvida é saber como o Banco Central vai registrar nas contas públicas as receitas desses depósitos.

É a raspa do tacho que muda o cenário para as contas do governo até o final do ano. O dinheiro dos depósitos enche o pote.

Até agora, o governo tem feito uma gestão da política fiscal apagando incêndios de curto prazo e matando um leão por dia.

O foco no médio prazo o governo ainda está devendo, que é o que a estabilização do crescimento da dívida pública requer.