segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Favelas controladas pelo PCC concorrem com centro de SP como destino de celulares roubados, FSP

 

São Paulo

O destino de celulares roubados em São Paulo não se restringe à região central, em especial o entorno da cracolândia, foco de diversas ações policiais. Delegados e um promotor ouvidos pela reportagem apontam grandes favelas na periferia da cidade como pontos de receptação de aparelhos.

Heliópolis e Paraisópolis, na zona sul, foram lembradas por um delegado, que pediu para não ser identificado, mas que atua diretamente em crimes contra o patrimônio.

Segundo ele, os criminosos levam os telefones para as favelas com as quais têm alguma relação, ou seja, moram na localidade ou conhecem os responsáveis por adquirir produtos de roubo. O delegado afirma, contudo, que as investigações não apontam para um esquema organizado de receptação nas favelas nos moldes do que ocorre na rua Guaianases, no bairro Campos Elíseos, que possui centrais de desbloqueio de telefones inclusive para envio ao exterior.

Heliópolis e Paraisópolis também foram citadas por integrante do Ministério Público, que apontou a dificuldade de acesso e de rastreamento como um dos fatores para o desembarque de produtos do crime nessas comunidades.

Heliópolis é a maior favela de São Paulo, com Paraisópolis na sequência. As duas são dominadas pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). Não há, porém, confirmação de que a facção tenha alguma relação com os roubos e a receptação de telefones na cidade, de acordo com as autoridades.

A imagem mostra uma sala com o chão coberto por uma grande quantidade de celulares dispostos em várias direções. Ao fundo, há uma parede com quadros ou placas referentes a Polícia Civil
Centenas de aparelhos celulares apreendidos pelo Deic durante ação em 2023 - Divulgação/Deic

Em ambas as comunidades há comércio de drogas. O mesmo ocorre na favela da Arábia, no Jaraguá (zona norte), também apontada como destino de celulares roubados.

De acordo com os agentes públicos, os ladrões, depois de extrair informações que interessam dos aparelhos, como dados bancários, repassam os telefones para lojistas clandestinos, que revendem os celulares inteiros ou por peças.

Números da SSP (Secretaria da Segurança Pública) mostram que, de janeiro a maio deste ano, 58.709 aparelhos foram roubados ou furtados na cidade. No mesmo período de 2023 foram 77.448.

As apurações indicam que parte dos celulares roubados que vão parar em favelas posteriormente pode migrar para a região central. Foi o caso do aparelho de um autônomo de 57 anos. Roubado à mão armada em uma noite de maio na região da Saúde, na zona sul, o homem passou a rastrear o aparelho. Poucas horas depois do crime verificou que o telefone se encontrava em Heliópolis; no dia seguinte já estava na região da avenida Celso Garcia, no Brás.

Uma delegada corrobora a informação de que Heliópolis é um ponto de destino de produtos do crime. Na favela haveria grupos especializados em acessar os aparelhos com o objetivo de realizaram transações financeiras, antes de disponibilizar os telefones para o comércio.

Conforme a policial, os celulares e suas peças abastecem a própria comunidade. Já o promotor afirma que, normalmente, os telefones são encaminhados para desmanches, já que em muitos casos o IMEI (código de identificação do aparelho) é bloqueado pelo proprietário, perdendo a utilidade.

Outro delegado, que atua na zona norte paulistana, relatou que muitos celulares roubados naquela região vão parar no centro.

Em nota, a SSP afirma ter intensificado seus esforços no combate aos crimes patrimoniais, empregando inteligência e tecnologia e reforçando o policiamento e o trabalho investigativo. "Entre as ações destacadas está a ‘Operação Mobile’, que visa a enfrentar roubo, furto e receptação de celulares na capital."

Segundo a pasta, de janeiro a julho deste ano foram realizadas vistorias em 801 estabelecimentos na cidade, resultando na apreensão de 3.215 celulares, tanto novos como usados. "Dentre esses, 1.124 aparelhos foram devolvidos às suas respectivas vítimas. Além disso, a operação levou à prisão de 271 infratores."

Quem também monitora os casos de roubos e furtos de celulares na cidade de São Paulo é o Centro de Inteligência da Polícia Militar, comandado pelo coronel Pedro Luís de Souza Lopes.

Dados apresentados por ele no 18° Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado na última semana no Recife, indicam que a cidade de São Paulo teve 761.972 celulares roubados ou furtados entre 2019 e 2023.

Lopes costuma comparar o roubo de celulares com o de veículos para explicar as ações dos criminosos.

"Uma moto 1.000 cilindradas vendida para o mercado ilegal vale menos de R$ 1.000. Um celular, às vezes, vale R$ 4.000. É óbvio, muito mais fácil de carregar", disse. "A lógica das grandes cidades sempre foi de o crime patrimonial não tocar as periferias. O roubo de celular mudou completamente isso. O crime patrimonial violento acontece em toda a cidade."

"Como é que eu vou priorizar modalidades de policiamento que têm o crime violento como seu mote principal se ele está disperso em toda uma cidade gigantesca de 12 milhões de habitantes? A gente tem que investir na tecnologia", acrescentou.

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domingo, 18 de agosto de 2024

As chances de Pablo Marçal na eleição para prefeito de São Paulo, FSP

 BRASÍLIA

Sob o tumulto grosseiro produzido por Pablo Marçal, há um fio capaz de torná-lo uma figura competitiva na eleição de São Paulo. Nas profundezas da campanha, dois movimentos simultâneos podem levar sua candidatura longe: o esforço para deslocar Ricardo Nunes e a fabricação de rivalidades com Guilherme Boulos.

Marçal preparou o terreno à sua maneira. Ofereceu pirotecnia e ofensas bizarras como cartões de visitas, atraindo atenção num momento de relativo desinteresse com discussões áridas sobre a cidade. Formou uma base e criou confusão suficiente para que toda a disputa pareça um circo, reduzindo a desvantagem comparativa de sua insensatez.

Foi o impulso inicial. Antes dos primeiros debates, o ex-coach tinha 14% no Datafolha. Para chegar ao segundo turno, ele tenta ocupar terrenos cobiçados por Nunes e ultrapassar o prefeito, que aparecia com 23%.

Embora tenha a consistência ideológica de uma paçoca, Marçal procura um caminho pela direita. O flerte recíproco do ex-coach com o bolsonarismo ameaça a Nunes porque limita seu espaço de crescimento e amplia a crise de identidade de um prefeito que tem uma imagem pouco nítida na cabeça do eleitor.

O ex-coach Pablo Marçal (PRTB), candidato à Prefeitura de São Paulo, durante debate na Band - Bruno Santos/Folhapress

O risco que Marçal enfrenta é um potencial acúmulo de rejeição, tanto pela identificação com Bolsonaro como pelo próprio desequilíbrio. O ex-coach já alcançou uma taxa relativamente alta (30%) para um candidato que não é tão conhecido (62%).

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Numa disputa em dois turnos, existe a chance de contornar o problema. Com a pista congestionada, seria possível avançar com menos de 30% dos votos. Daí por diante, um confronto direto reorganizaria os sentimentos de rejeição. Marçal espera usar uma plataforma agressiva contra a esquerda para enfrentar Boulos, que mostra fôlego duvidoso em simulações de segundo turno.

Marçal fisga eleitores como busca seus clientes, com a venda de ilusões e distrações baratas. Joga um jogo muito lucrativo para a banca e ruinoso para os demais. É um político destes tempos de tigrinhos e afins.

Além do desmate, editorial FSP

 Poucas coisas superam as evidências científicas no ajuste de políticas públicas. Após o negacionismo de Jair Bolsonaro (PL), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisa aperfeiçoar sua sensata política ambiental com dados objetivos.

O uso do solo e suas mudanças, como a conversão de florestas em pastagens e lavouras, responde por três quartos das emissões brasileiras de carbono. O desmate na amazônia turbina o aquecimento global, que, por sua vez, deixa as áreas verdes mais vulneráveis.

Na primeira etapa desse ciclo vicioso, a biomassa desmatada se converte em CO2 e engrossa a capa que retém calor na atmosfera. Na segunda, a alta temperatura impacta o regime de chuvas e resseca o bioma, que pode entrar numa espiral de estiagem, fogo e morte.

Até o momento, o governo federal dá prioridade ao desmatamento —como deve ser. Estudos vêm indicando, no entanto, que uma destruição mais insidiosa, a chamada degradação florestal, pode minar parte desse esforço.

Pesquisa da Universidade Wake Forest, publicada na revista da academia de ciências dos EUA no começo deste mês, destaca esse terceiro elo da cadeia devastadora. O artigo aponta que a extração de madeira, queimadas e outras atividades estariam lançando mais carbono na atmosfera que o próprio desmatamento por corte raso.

clima sofre um duplo golpe da sociedade brasileira na sua gestão da maior floresta tropical do planeta. Golpe que ricocheteia na própria amazônia, fustigada pela atmosfera aquecida, e no Brasil quase todo, sob a ameaça de colapso pelos "rios voadores" que ela origina e que levam chuvas para as regiões Sudeste e o Sul.

Cabe ao Ministério do Meio Ambiente ampliar as medidas de prevenção e combate ao desmatamento para conter também as atividades degradadoras que não utilizem o corte raso. E não só na amazônia.

O cerrado —bioma mais ameaçado do Brasil— contribui para a emissão de CO2 e tem papel fundamental na regularização de recursos hídricos para a agropecuária. A multiplicação de impactos sobre o ambiente e o clima exige uma política igualmente multifatorial.

editoriais@grupofolha.com.br