O destino de celulares roubados em São Paulo não se restringe à região central, em especial o entorno da cracolândia, foco de diversas ações policiais. Delegados e um promotor ouvidos pela reportagem apontam grandes favelas na periferia da cidade como pontos de receptação de aparelhos.
Heliópolis e Paraisópolis, na zona sul, foram lembradas por um delegado, que pediu para não ser identificado, mas que atua diretamente em crimes contra o patrimônio.
Segundo ele, os criminosos levam os telefones para as favelas com as quais têm alguma relação, ou seja, moram na localidade ou conhecem os responsáveis por adquirir produtos de roubo. O delegado afirma, contudo, que as investigações não apontam para um esquema organizado de receptação nas favelas nos moldes do que ocorre na rua Guaianases, no bairro Campos Elíseos, que possui centrais de desbloqueio de telefones inclusive para envio ao exterior.
Heliópolis e Paraisópolis também foram citadas por integrante do Ministério Público, que apontou a dificuldade de acesso e de rastreamento como um dos fatores para o desembarque de produtos do crime nessas comunidades.
Heliópolis é a maior favela de São Paulo, com Paraisópolis na sequência. As duas são dominadas pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). Não há, porém, confirmação de que a facção tenha alguma relação com os roubos e a receptação de telefones na cidade, de acordo com as autoridades.
Em ambas as comunidades há comércio de drogas. O mesmo ocorre na favela da Arábia, no Jaraguá (zona norte), também apontada como destino de celulares roubados.
De acordo com os agentes públicos, os ladrões, depois de extrair informações que interessam dos aparelhos, como dados bancários, repassam os telefones para lojistas clandestinos, que revendem os celulares inteiros ou por peças.
Números da SSP (Secretaria da Segurança Pública) mostram que, de janeiro a maio deste ano, 58.709 aparelhos foram roubados ou furtados na cidade. No mesmo período de 2023 foram 77.448.
As apurações indicam que parte dos celulares roubados que vão parar em favelas posteriormente pode migrar para a região central. Foi o caso do aparelho de um autônomo de 57 anos. Roubado à mão armada em uma noite de maio na região da Saúde, na zona sul, o homem passou a rastrear o aparelho. Poucas horas depois do crime verificou que o telefone se encontrava em Heliópolis; no dia seguinte já estava na região da avenida Celso Garcia, no Brás.
Uma delegada corrobora a informação de que Heliópolis é um ponto de destino de produtos do crime. Na favela haveria grupos especializados em acessar os aparelhos com o objetivo de realizaram transações financeiras, antes de disponibilizar os telefones para o comércio.
Conforme a policial, os celulares e suas peças abastecem a própria comunidade. Já o promotor afirma que, normalmente, os telefones são encaminhados para desmanches, já que em muitos casos o IMEI (código de identificação do aparelho) é bloqueado pelo proprietário, perdendo a utilidade.
Outro delegado, que atua na zona norte paulistana, relatou que muitos celulares roubados naquela região vão parar no centro.
Em nota, a SSP afirma ter intensificado seus esforços no combate aos crimes patrimoniais, empregando inteligência e tecnologia e reforçando o policiamento e o trabalho investigativo. "Entre as ações destacadas está a ‘Operação Mobile’, que visa a enfrentar roubo, furto e receptação de celulares na capital."
Segundo a pasta, de janeiro a julho deste ano foram realizadas vistorias em 801 estabelecimentos na cidade, resultando na apreensão de 3.215 celulares, tanto novos como usados. "Dentre esses, 1.124 aparelhos foram devolvidos às suas respectivas vítimas. Além disso, a operação levou à prisão de 271 infratores."
Quem também monitora os casos de roubos e furtos de celulares na cidade de São Paulo é o Centro de Inteligência da Polícia Militar, comandado pelo coronel Pedro Luís de Souza Lopes.
Dados apresentados por ele no 18° Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado na última semana no Recife, indicam que a cidade de São Paulo teve 761.972 celulares roubados ou furtados entre 2019 e 2023.
Lopes costuma comparar o roubo de celulares com o de veículos para explicar as ações dos criminosos.
"Uma moto 1.000 cilindradas vendida para o mercado ilegal vale menos de R$ 1.000. Um celular, às vezes, vale R$ 4.000. É óbvio, muito mais fácil de carregar", disse. "A lógica das grandes cidades sempre foi de o crime patrimonial não tocar as periferias. O roubo de celular mudou completamente isso. O crime patrimonial violento acontece em toda a cidade."
"Como é que eu vou priorizar modalidades de policiamento que têm o crime violento como seu mote principal se ele está disperso em toda uma cidade gigantesca de 12 milhões de habitantes? A gente tem que investir na tecnologia", acrescentou.