sexta-feira, 19 de julho de 2024

Mario Sergio Conti - Sustos e signos para o futuro, FSP


A reinterpretação contínua do passado faz com que ele seja tão incerto quanto o futuro. O passado e o futuro dependem daquilo que as pessoas do presente podem ver. E o que elas veem é com frequência um signo, uma imagem do que desejam para o futuro.

Foi o que se deu com Tiradentes. Não há imagens dele na época em que foi para a forca e esquartejado. Elas foram criadas mais de um século depois, por maus pintores que buscavam dar fundamento histórico à República recém-proclamada.

Como queriam que a República perdurasse, pintaram signos que mostram Tiradentes como seu mártir. Só há pouco se sublinhou que ele não pregou o fim da escravidão; teria sido proprietário de escravos. A percepção do racismo na espoliação atual leva o alferes a ser visto de outro modo.

Na ilustração há dois retângulos na vertical. O retângulo da esquerda, com fundo azul claro tem em seu interior a ilustração de um braço levantado ao alto com punhos cerrados. No retângulo à direita, está ilustrador um andador cinza sobre um fundo azul escuro.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mário Sérgio Conti de 20 de julho de 2024 - Bruna Barros/Folhapress

As cenas da tentativa de assassinato de Trump ilustram o processo de passagem da imagem ao signo, que estabelece um sentido para o futuro. O processo desta vez durou minutos.

Mostrada ao vivo na televisão, a cena fundadora é tumultuada. O líder republicano leva a mão à orelha e se joga no chão. Há estampidos, sustos, alvoroço, pânico, algaravia.

Editada, completada com registros de celulares e interpretada, ela adquire clareza. Trump está com sangue na orelha; procura seu sapato; gesticula; exorta a massa e é empurrado para um camburão.

Vê-se o essencial do episódio, mas o mistério permanece. Sabe-se quem atirou, mas não seus motivos. Ignora-se se como e por que o Serviço Secreto falhou. Não se tem noção das forças sociais que estariam, ou não, por trás do ataque.

Tudo isso foi maná para as teorias conspiratórias que logo vicejaram. Como na facada em Bolsonaro, as imagens em movimento se prestaram a especulações várias, parte delas embasadas em posições políticas prévias, que, desdenhando dos fatos, forçaram conclusões.

Nos Estados Unidos, o predecessor das imagens que atiçam conjecturas foi o filme de Abraham Zapruder, feito em novembro de 1963.

Com 26 segundos, ele mostra a cabeça de John Kennedy explodindo e a primeira-dama, Jacqueline, catando seus miolos na limusine presidencial.

Sessenta anos depois, tudo o mais sobre a morte de Kennedy está em disputa —se Lee Oswald concebeu a emboscada sozinho, ou se foi orientado por castristas, exilados cubanos ou pelo "deep state" americano. Se o matador foi apenas Oswald, era como Adélio, lunático?

O filme de Zapruder não vai além do registro. No caso de Trump, um ícone se cristalizou de imediato. Ele não está nas imagens da televisão, e sim na fotografia de Evan Vucci. Ela fixou a postura que aponta para o futuro.

Estampada na capa da revista Time, a foto exibe Trump com o braço estendido e o punho fechado. Apesar dos filetes de sangue no rosto, ele não se faz de vítima. Protegido pela bandeira americana, triunfa sobre a morte.

A foto serve de contraponto para a capa de outra revista, a Economist, que mostra um andador com o emblema americano. "Não é com isso que se governa um país", diz a manchete.

A figura oculta da ilustração é Biden, o capenga. Fosse ele a tomar tiros, ficaria como no debate com Trump: de boca aberta, aparvalhado, sem entender patavina.

O elemento que dá o caráter de signo à foto de Evan Vucci é o punho fechado de Trump. A origem do gesto é controversa, e há quem recue até a Mesopotâmia para entendê-lo. Mas, nos anos 1930, ele apareceu em duas situações revolucionárias, nas quais foi usado contra a extrema direita.

Na guerra civil espanhola, simbolizou a união dos republicanos na luta contra os fascistas de Franco. Na Alemanha, era o cumprimento de socialistas e comunistas, que o opunham à saudação entre os nazistas —o braço e a mão direita estendidos— e a reverência deles ao Führer: heil Hitler!

Trump se apropriou de uma marca da esquerda para eletrizar seus seguidores. Sem que sua voz fosse captada pelos microfones, a leitura labial atesta que repetiu três vezes um grito de guerra: "lutem!". Será a luta de reacionários contra a democracia, os pobres, os imigrantes, a liberdade.

O republicano não foi o único a recorrer à oratória guerreira. Biden encerrou seu discurso solene sobre o atentado, na Casa Branca, com a frase "que Deus proteja nossas tropas".

Podem ser as tropas militares que impõem a ordem americana ao mundo. Mas podem ser também as tropas do partido de Biden, exortadas a travar uma guerra santa contra seu rival na eleição de novembro. O punho de um e a frase do outro não auguram dias de paz.

Uma descoberta que pode retardar a morte e melhorar nossa velhice, Fernando Reinach OESP


Apesar dos bilhões de dólares investidos em dezenas de empresas que buscam retardar a morte, foi uma jovem cientista em Cingapura que fez a descoberta crucial.

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Anissa Widjaja estava desenvolvendo um método para medir a quantidade de uma proteína chamada interleucina 11 (IL11) nos diversos tecidos de camundongos. Ao selecionar as amostras que iria utilizar, incluiu vários tecidos coletados de camundongos idosos. E levou um susto: em todos os tecidos dos idosos a IL11 estava presente em grande quantidade. Repetiu o experimento e confirmou a observação.

Foi aí que pensou, e se eu impedir o aumento da IL11 à medida que os camundongos envelhecem, o que acontece? Levou anos, mas agora ela e um grupo de colegas publicaram seus resultados: camundongos envelhecem mais lentamente e vivem mais.

Dezenas de empresas buscam retardar a morte, mas foi uma jovem cientista em Cingapura que fez uma descoberta crucial.
Dezenas de empresas buscam retardar a morte, mas foi uma jovem cientista em Cingapura que fez uma descoberta crucial. Foto: Adobe stock

O interessante é que uma droga que inibe a ação da IL11 já foi descoberta e está sendo avaliada em testes clínicos, em seres humanos, para tratar um grupo de doenças relativamente raras (doenças fibro-inflamatórias). Agora basta repetir os testes avaliando seu efeito no envelhecimento humano. Se esses testes repetirem o que foi observado em camundongos, logo teremos uma droga que retarda nosso envelhecimento e prolonga nossa vida em 25%. Se hoje vivemos 80 anos, passaremos a viver 100.

A IL11 foi descoberta em 1980 e nos últimos quarenta anos foi determinado que ela está envolvida em diversos processos em nosso corpo. Ela tem um papel no processo de formação das células do tecido nervoso e do tecido adiposo. Ela ajuda na regulação do crescimento e reposição do tecido ósseo e na formação de plaquetas. Está envolvida na fixação do embrião no útero e na formação da placenta.

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Faz algum tempo que a IL11 vem sendo utilizada em pacientes que estão tratando câncer com quimioterapia. Nesses pacientes ela ajuda a recomposição da quantidade de plaquetas no sangue após a quimioterapia. Apesar de todas essas descobertas seu papel no envelhecimento não havia sido investigado.

Para inibir o aumento do IL11 e verificar seu efeito sobre o envelhecimento, os cientistas usaram dois métodos. O primeiro foi criar camundongos transgênicos em que os genes que codificam o IL11 foram removidos.

Esses animais pesam menos pois possuem menos tecido gorduroso, tem um fígado menor e possuem uma quantidade menor de gordura no sangue. Mas, eles possuem mais músculos e se locomovem de maneira semelhante aos camundongos normais. Eles também mostram menos sinais de perda de massa muscular e coordenação motora ao envelhecerem. Camundongos normais envelhecem por volta das 80 semanas de vida e começam a morrer. Os animais que não possuem IL11 vivem perfeitamente bem por um tempo 25% maior.

O problema com esse experimento é que o camundongo nunca chega a possuir IL11 no seu corpo, o que explica a pouca gordura e tamanho. Para evitar esse problema os cientistas diminuíram a quantidade de IL11 injetando anticorpos contra o IL11 em animais adultos e continuaram com o tratamento até a morte dos animais.

Nos animais tratados, quando comparados com os controles, os cientistas observaram ausência de obesidade, melhor controle do nível de glicemia, melhores níveis de colesterol, menos tremores, menor perda de massa muscular e o retardo no aparecimento de outras características típicas do envelhecimento. Esses animais também sobreviveram 25% mais que os controles.

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Todos esses experimentos demonstram que evitar o aumento do IL11, que ocorre ao longo da vida adulta, resulta em uma vida mais saudável e mais longa para os camundongos. Os cientistas acreditam que esse aumento na IL11 está relacionado com o aparecimento de diversos processos inflamatórios durante o envelhecimento, mediados pelo IL11. Eliminando o IL11 esses processos deixam de ocorrer, as doenças típicas do envelhecimento aparecem mais tarde e o camundongo vive mais.

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Como uma droga capaz de diminuir a quantidade de IL11 em seres humanos já foi descoberta, é muito provável que ela seja testada em seres humanos nos próximos anos. Se for possível demonstrar que ela retarda o aparecimento das doenças típicas de pessoas idosas, é muito provável que ela venha a ser comercializada com esse fim muito antes de ser demonstrado que ela alonga a vida. E isso é bom, pois um estudo clínico desenhado para medir o alongamento da vida demora dezenas de anos para ser executado. Com um pouco de sorte talvez até eu possa me beneficiar dessa descoberta.

Mais informações: Inhibition of IL-11 signalling extends mammalian healthspan and lifespan. Nature 2024

Foto do autor
Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"