quinta-feira, 25 de abril de 2024

Sérgio Rodrigues: Por que 'crônica' e 'crônico', tão parecidos, são tão diferentes?, FSP

 Que tal uma crônica sobre por que as palavras crônica e crônico são tão parecidas, sendo tão diferentes? É claro que, em termos ideais, o cronista deve fazer da crônica um exercício crônico; se não o fizer, bom cronista não será.

No entanto, o que esse modelo de texto jornalístico-literário breve, inapelavelmente ameno, tem a ver com a doença que não vai embora, com a dor que não passa –com tudo aquilo em que o tempo, durando, grita presente? O que une o crônico e a crônica?

Tudo começa, claro, em Cronos –Khrónos em grego–, o deus Tempo. A crônica e o crônico vieram do adjetivo "khronikós", relativo ao tempo, que no latim deu "chronicus" e depois se substantivou em "chronica".

Crônico é o que se estende no tempo; crônica é o registro do tempo que passou. A primeira bifurcação gramatical e semântica das duas palavras é decisiva.

Como se vê, crônica não nasceu com o sentido que primeiro nos vem à cabeça no Brasil, o de gênero mezzo-lírico mezzo-cômico praticado em espaços fixos da imprensa por nomes como Rubem Braga e Fernando Sabino.

"Saturno Devorando um Filho", obra de Francisco Goya que fica no Museu do Prado, em Madri; Saturno era o deus Tempo para os romanos - Divulgação

A palavra surgiu trazendo do latim o sentido de "compilação de fatos históricos apresentados segundo a ordem de sucessão no tempo" (Houaiss). Era o fim da Idade Média. Fazia-se crônica dos reis, das famílias nobres. Crônicas podiam ser cheias de ficção, mas tinham valor praticamente legal, de fé pública. Fundavam impérios.

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Desde o século 19 se chama de crônica uma grande variedade de textos editoriais e jornalísticos, muitas vezes nada cronológicos. Um dos primeiros sentidos da palavra em Redações oitocentistas foi o de seção de variedades preenchida por fofocas teatrais, anedotas moralistas, reflexões filosóficas, resenhas literárias. Em francês se dizia "feuilleton", folhetim.

Há quem veja naquele "feuilleton", consumido com voracidade em nossos meios intelectuais, o germe da crônica à brasileira. Eu nunca consegui enxergar bem o elo entre a velha coluna de notas, que sob formas variadas existe até hoje, e a literatura praticada por Antonios como o Maria e o Prata.

Para mim, a crônica deles lembra muito mais aqueles artigos frívolo-espirituosos de Machado de Assis que as leitoras das revistas femininas adoravam. "Feuilleton" para quê?

Com seu tom evocativo-narrativo peculiar, coloquial mas de bom gosto, hábil com as palavras mas avesso a todo traço de pompa, nossa crônica se debruçou sobre temas menores, aspectos da vida cotidiana. Antonio Cândido chamou de "literatura ao rés do chão".

Existe sem dúvida uma escola brasileira do gênero. Teve seu auge entre os anos 40 e 70 do século passado, mas ainda passa bem. Quanto a esse sentido de crônica batizar uma invenção literária "nossa", como sustentam alguns, tenho sérias dúvidas.

Será que dá mesmo para diferenciar de modo estrutural a nossa crônica de outros espécimes de texto com veleidades literárias que escritores têm despejado em incontáveis periódicos há séculos, em todas as línguas onde a invenção de Gutenberg chegou?

Falta explicar um detalhe importante: quando falo ali atrás na bifurcação semântica entre o crônico e a crônica, não quero dizer que, mesmo na sua acepção mais usual no Brasil, esta não "registre o tempo".

A seu modo, sim, crônicas como a que vai chegando ao fim registram o tempo. Só se permitem trocar de deus grego: sai "Khrónos", o tempo com duração medível, entra "Kairós", o tempo como momento e oportunidade.


A Constituição não aceita negociar, Conrado Hübner Mendes, FSP

 Um juiz constitucional trabalha a partir da categoria de constitucionalidade. Um juiz constitunegocial adota o parâmetro do "bom para ambas as partes". Um avalia se leis, políticas e práticas estatais respeitam a Constituição. O outro negocia a constitucionalidade para fins não publicáveis. À moda Russomanno.

Um juiz constitucional argumenta. Um juiz constitunegocial barganha. Um navega o cânone jurídico e a análise de fatos a partir de compromissos normativos. O outro persegue interesses a partir de compromissos patrimonialistas, familistas, às vezes partidários. Com a força e autoridade de seu cargo, o juiz constitunegocial e seus parentes saem na frente.

Indígenas de várias etnias protestam em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, pela demarcação de mais terras e pelo fim do marco temporal
Indígenas de várias etnias protestam em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, pela demarcação de mais terras e pelo fim do marco temporal - Pedro Ladeira - 23.abr.24/Folhapress

Um juiz constitucional recebe advogados em seu gabinete para ouvir ponderações jurídicas. Adota rituais de discrição e imparcialidade e se expressa em votos escritos, audiências. Acredita possível, em alguma medida, apesar de conflituoso e demasiado humano, o "governo das leis e não dos homens".

Um juiz constitunegocial se reúne com empresários, políticos e advogados lobistas em qualquer lugar fora de seu gabinete. Dos jardins do Lago Sul aos hotéis de LisboaNova York e Londres. Aceita qualquer convite ao exterior e frequenta eventos para "pensar o Brasil" fora do Brasil. Uma confraria neocolonial de homens brancos que confunde sensibilidade cosmopolita com vôo transatlântico. Exerce sua vocação provinciana na metrópole.

O constitucionalismo brasileiro tenta participar do projeto político moderno de disciplinar o poder e promover liberdade na igualdade com democracia. Aos trancos, chegou na Constituição de 1988, anunciando horizonte de emancipação e justiça.

O constitunegocialismo tem raízes num projeto pré-moderno. Lembra que, entre nossas elites jurídicas e judiciais, predomina a mediocridade e a cordialidade do "cada caso é um caso". Não por preguiça hermenêutica, mas por predisposição a comerciar princípios. Essa tradição fez a própria Constituição de 1988 preservar o entulho de privilégios corporativos (magistocráticos e milicocráticos).

Em Brasília, nessa semana, reúnem-se milhares de indígenas no Acampamento Terra Livre, em protesto pela falta de demarcação de seus territórios. Gilmar Mendes respondeu ao movimento e suspendeu todas as ações que, com base em decisão do próprio STF, questionam a lei do marco temporal de terras indígenas. E mandou instaurar uma "comissão de conciliação" para receber propostas nessa "nova abordagem do litígio constitucional".

Essa "nova abordagem" tem a idade do estado brasileiro. Quando aplicada por ministro que empreende no agro mato-grossense, ganha mais sabor. Devoto do constitunegocialismo, o ministro também se celebrizou pelo "pânico de Copacabana", num memorável silogismo: "Copacabana certamente teve índios, em algum momento. Adotar a tese que está aqui, podemos resgatar esses apartamentos de Copacabana".

tese do "marco temporal" de terras indígenas é a maior obra doutrinária do constitunegocialismo brasileiro. A "comissão de conciliação", sua grande invenção institucional.

A comissão de conciliação é apenas o modo formal da barganha de direitos. O modo informal ocorre, nesse momento, em Londres. Lá se encontram, pensando o Brasil na ausência de indígenas, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, no 1º Fórum Jurídico do "Grupo Voto".

O marco temporal já foi derrotado pelo plenário do STF. Constitunegocialistas do tribunal não se resignaram e lançaram a carta da conciliação para garantir "segurança jurídica" entre interesses de fazendeiros e direitos territoriais indígenas. De maneira monocrática.

Dispositivo procedimental de aparência inofensiva e burocrática, uma comissão de conciliação pode até ajudar em situações que envolvam certos tipos de conflitos, mas não na discussão do conteúdo de um direito. Revoluciona a jurisdição constitucional por transformá-la em outra coisa. Em vez de jurisdição, negociação; em vez de constitucional, senhorial. Uma revolução contra a Constituição, não a favor.

Nessa mesa, com o resgate da assimetria de poder que direitos fundamentais surgiram para combater, e com a renúncia da responsabilidade que a jurisdição constitucional coloca nos ombros de ministros do STF, os indígenas não participam. E nem deveriam participar.

Festa de 94 anos de Sarney reúne ministros e líderes do Congresso em Brasília, FSP

 "Eu desejo tudo de bom para o senhor, viu?" A congratulação do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino ao seu antigo rival político serve de síntese do que foi a celebração dos 94 anos do ex-presidente José Sarney (MDB), na noite desta quarta-feira (24), em Brasília.

"Na festa de cem anos dele vai haver 20 mil pessoas", brincou Dino, ao comentar o volume de convidados que lotaram os jardins da casa do aniversariante, em um bairro nobre da capital.

Governistas e opositores prestigiaram a festa. Ao menos nove ministros do governo Lula participaram da comemoração comandada pela filha e deputada, Roseana Sarney, e seus irmãos Sarney Filho e Fernando Sarney.

O ex-presidente José Sarney com os filhos e netos na comeração dos 94 anos
O ex-presidente José Sarney com os filhos e netos na comeração dos 94 anos - Catia Seabra -24.abr.2024/Folhapress

O presidente Lula (PT) não compareceu, mas telefonou horas antes. Seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e José Múcio (Defesa) estiveram entre os que passaram por lá. Haddad foi um dos primeiros a chegar, em uma breve passagem pela festa.

Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Esther Dweck (Gestão), Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social), Waldez Góes (Desenvolvimento Social), André Fufuca (Esportes) e Juscelino Filho (Comunicações) também estavam entre os convidados.

Além de Dino, os ministros do STF Kassio Nunes Marques e Cristiano Zanin foram à festa, que contou com a presença do presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Bruno Dantas, e do ex-procurador-geral Augusto Aras.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cumprimenta o aniversariante José Sarney
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cumprimenta o aniversariante José Sarney - Catia Seabra 24.abr.2024/Folhapress

Os presidentes do SenadoRodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estiveram na homenagem a Sarney, bem como a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), o do Republicanos, Marcos Pereira (SP), e do MDB, Baleia Rossi (SP).

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Pré-candidatos à vaga de Lira, assim como Pereira, os líderes do PSD, Antônio Brito (BA), e do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), marcaram presença.

Os convidados da festa, regada a espumante, vinho e whisky 12 anos, puderam testemunhar o efusivo abraço entre os deputados Aécio Neves (PSDB-MG) e Lindbergh Farias (PT). Além de captar, entre uma e outra conversa, Danilo Forte (União Brasil-CE) recomendar que o ex-ministro petista José Dirceu dê um "jeito no governo".

Os ex-senadores Luiz Estevão, José Roberto Arruda, Gim Argello e o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha também estavam entre os convidados.

Ainda recuperando-se de fraturas no úmero e na clavícula, devido a uma queda sofrida em fevereiro, Sarney —que passa por sessões diárias de fisioterapia— recebeu, por mais de cinco horas, os cumprimentos. De pé, ou sentado ao lado da esposa, Marli, Sarney posou para fotos e conversou com os convidados. "Quando sofro uma queda, Deus me levanta", disse.