quarta-feira, 24 de abril de 2024

PF teve conhecimento de ataques 2 dias após governo identificar desvio de R$ 2 milhões, FSP

 A Polícia Federal tomou conhecimento da invasão ao sistema de administração financeira do governo federal dois dias após o governo identificar o ataque ao Siafi, em 1º de abril. A corporação foi alertada no dia 3 de abril, quando o Tesouro Nacional avisou o órgão sobre o desvio de R$ 2 milhões do MGI (Ministério da Gestão e Inovação). No total, R$ 3,8 milhões foram subtraídos da pasta.

Em nota divulgada na segunda-feira (22), a PF informou inicialmente que foi acionada no dia 5 de abril, mas a Folha apurou que o primeiro contato foi antes. Procurada novamente, a corporação confirmou que "a comunicação formal do crime no dia 3 e, após os trâmites regulares, instaurou o inquérito no dia 5".

"Cumpre destacar que medidas iniciais e urgentes necessárias para minimizar os danos ao funcionamento do sistema foram tomadas imediatamente após o recebimento das informações iniciais", diz a PF.

Esplanada dos Ministérios, em Brasília - Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Os criminosos aproveitaram a última hora de funcionamento do sistema no dia 28 de março, véspera de feriado (Sexta-feira Santa), para fazer as primeiras tentativas de pagamento irregular. O desvio só foi identificado pelo MGI na segunda-feira, 1º de abril.

Na terça (2) à tarde, o MGI avisou o Tesouro Nacional, órgão gestor do Siafi, sobre o ocorrido. Documento obtido pela Folha mostra que a pasta também acionou uma das instituições financeiras que mantinham a conta que recebeu os valores desviados.

O Tesouro Nacional acionou a PF na quarta (3). O órgão também pediu apoio do Banco Central para tentar bloquear os valores.

Dos R$ 3,8 milhões desviados do MGI nessas operações, R$ 2 milhões foram recuperados até agora. Como mostrou a reportagem, o pagamento foi feito para uma conta em nome de um estabelecimento comercial em Campinas (SP) e originalmente estava reservado a um contrato do governo para manutenção de software. O empresário nega ter recebido o dinheiro e diz que seus dados foram roubados.

Segundo interlocutores com conhecimento do caso, o governo acreditou, num primeiro momento, se tratar de um episódio pontual, restrito ao âmbito do MGI e decorrente do uso indevido de credenciais de servidores da pasta. Só neste ministério, os criminosos tentaram movimentar ao menos R$ 9 milhões.

Novas tentativas de desvios na Câmara dos Deputados e no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) entre os dias 3 e 5, porém, dispararam um sinal de alerta no Tesouro de que se tratava de uma ação articulada contra o sistema de pagamentos da União.

O órgão acionou novamente a PF no dia 5. Desde então, a investigação ficou a cargo da Diretoria de Combate a Crimes Cibernéticos. As diligências são conduzidas em segredo de Justiça.

invasão ao Siafi foi revelada pela Folha. O Tesouro implementou medidas adicionais de segurança para autenticar os usuários habilitados a operar o sistema e autorizar pagamentos.

Em nota divulgada na segunda, o órgão confirmou a "utilização indevida de credenciais obtidas de modo irregular" e disse que "as tentativas de realizar operações na plataforma foram identificadas". O Tesouro afirmou ainda que as ações "não causaram prejuízos à integridade do sistema".

Segundo interlocutores que auxiliam nas investigações, gestores habilitados para fazer movimentações financeiras dentro do Siafi tiveram seus acessos por meio do gov.br utilizados por terceiros sem autorização.

A suspeita é que os invasores coletaram os dados via sistema de pesca de senhas (com uso de links maliciosos, por exemplo). Uma das hipóteses é que essa coleta se estendeu por meses até os suspeitos reunirem um volume considerável de senhas para levar a cabo o ataque.

Outros artifícios também podem ter sido empregados pelos invasores. A plataforma tem um mecanismo que permite desabilitar e recriar o acesso a partir do CPF do usuário, o que pode ter viabilizado o uso indevido do sistema.

Na prática, os criminosos conseguiram alterar a senha de outros servidores, ampliando a escala da ação.

Em poder dessas credenciais qualificadas, eles acessaram ordens bancárias e alteraram os dados do destinatário dos pagamentos.

Para tentar coibir novos desvios, o governo endureceu as exigências de segurança e acesso ao sistema de pagamentos. Primeiro, passou a exigir certificado digital. No entanto, o governo identificou que os criminosos falsificaram certificados digitais emitidos por empresas privadas para continuar efetuando os desvios.

Desde a última segunda-feira (22), o Tesouro exige que o certificado digital seja emitido pelo Serpro, empresa pública federal do setor de tecnologia. A medida tem gerado reclamações dos ministérios, que enfrentam maior burocracia para realizar seus pagamentos regulares.

Dadas as características da ação, interlocutores do governo afirmam que o ataque foi muito bem articulado, pois apenas alguns servidores têm nível de acesso elevado o suficiente para emitir ordens bancárias em nome da União. Isso indica uma atuação direcionada por parte dos invasores.

Além disso, técnicos observam que o Siafi é um sistema complexo, pouco intuitivo, e operá-lo requer conhecimento especializado sobre a plataforma.

O TCU (Tribunal de Contas da União) vai fazer uma fiscalização para verificar as providências adotadas pelo governo para solucionar o problema.

A corte de contas já vinha realizando uma auditoria no Tesouro Nacional com o objetivo de promover a melhoria na gestão de riscos de segurança da informação, por meio da avaliação dos controles administrativos e técnicos existentes na organização.

A auditoria, ainda em curso, está quase na metade dos trabalhos, mas a equipe apresentou no fim de março aos gestores do Tesouro Nacional um relatório parcial em que apontou evidências de vulnerabilidades.

Não há ainda qualquer indício de que essas vulnerabilidades identificadas e comunicadas ao Tesouro abriram caminho para a invasão ao Siafi. O TCU ainda vai decidir se a fiscalização sobre o episódio se dará no âmbito deste mesmo processo, ou se ensejará a abertura de uma nova auditoria.

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ENTENDA O CASO

O que é o Siafi?

O Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) é um sistema operacional desenvolvido pelo Tesouro Nacional em conjunto com o Serpro. Ele foi implementado em janeiro de 1987 e, desde então, é o principal instrumento utilizado para registro, acompanhamento e controle da execução orçamentária, financeira, patrimonial e contábil do governo federal.

É por meio dele que o governo realiza o empenho de despesas (a primeira fase do gasto, quando é feita a reserva para pagamento), bem como os pagamentos das dotações orçamentárias via emissão de ordens bancárias.

Quem usa o Siafi?

Gestores de órgãos administração pública direta, das autarquias, fundações e empresas públicas federais e das sociedades de economia mista que estiverem contempladas no Orçamento Fiscal ou no Orçamento da Seguridade Social da União.

O que está sob investigação?

Invasores utilizaram credenciais válidas de servidores e acessaram o Siafi utilizando o CPF e a senha desses gestores e ordenadores de despesas para operar a plataforma de pagamentos. A PF investiga o caso com apoio da Abin. O governo ainda apura a extensão dos impactos.


CRONOLOGIA DOS ATAQUES

28 de março
Criminosos efetuam um pagamento de R$ 2 milhões, via Pix, para uma comércio de Campinas (SP) usando recursos que originalmente eram de um contrato do Ministério da Gestão com o Serpro. A operação foi feita às 21h42, 48 minutos antes do fechamento do Siafi numa véspera de feriado (Sexta-feira Santa). Ao todo, R$ 3,8 milhões foram desviados da pasta.

1º de abril
O MGI detecta a realização de pagamento irregular e inicia as tratativas internas

2 de abril
O MGI notifica o Tesouro Nacional, órgão gestor do Siafi, sobre o uso indevido do sistema de pagamentos da União

3 de abril
Após avaliação interna, o Tesouro Nacional aciona a Polícia Federal para investigar o caso. O órgão também busca apoio do Banco Central para tentar bloquear e recuperar os valores

5 de abril
O Tesouro Nacional aciona a PF novamente após receber novos comunicados de tentativa de pagamento irregular no Siafi. O caso passa a ser investigado pela Diretoria de Combate a Crimes Cibernéticos

8 de abril
O Tesouro Nacional passa a exigir, além da autenticação de acesso via gov.br, o uso de certificado digital para autorizar emissão de ordens bancárias em nome da União

17 de abril
Órgão gestor do Siafi adota nova medida e passa a cobrar habilitação da verificação de acesso em duas etapas, na qual um código de segurança é enviado ao servidor para concluir o acesso ao sistema

22 de abril
O Tesouro Nacional confirma, em nota, o uso indevido de credenciais de servidores para fazer pagamentos irregulares no Siafi, após caso ser revelado pela Folha. O órgão também endurece as medidas de segurança e passa a cobrar o uso de certificado digital emitido pelo Serpro, empresa pública federal do ramo de tecnologia

Ruy Castro - O maior país ex-católico, FSP

 No começo de 1993, pouco depois da publicação de meu livro "O Anjo Pornográfico - A Vida de Nelson Rodrigues", recebi um telefonema de Lucia, segunda mulher do escritor. "Ruy, falei ontem com Nelson. Ele leu o livro, gostou muito e disse, ‘Depois que morre, todo mundo vira santo!’ Que tal?" Do outro lado do fio, fiz gulp. O problema não estava em Nelson ter dito alguma coisa a Lucia, mas em ter dito qualquer coisa. Morrera em dezembro de 1980 e estava enterrado no São João Batista. Mas Lucia, pelo visto, tinha seus canais para falar com Nelson. Escutei e agradeci. É raro um biógrafo ser avaliado por seu biografado morto há tanto tempo.

Nada também como a posteridade para corrigir reputações. Nelson Rodrigues passara a vida carregando a fama de tarado, pela obsessão em extrair os podres nas pessoas que se diziam "de bem", e de reacionário, por seu anticomunismo, comum entre intelectuais na Guerra Fria. Os dois lados só concordavam numa coisa: seus inimigos, contra a vontade, desconfiavam de que Nelson era um gênio do teatro; já seus admiradores tinham certeza disso, e não apenas no teatro —também no romance, no conto e na crônica.

A posteridade deu ganho de causa a estes últimos. Para isso contribuiu a publicação, logo após a biografia, da obra de Nelson fora do teatro. Saiu em 12 volumes numerados, pela Companhia das Letras, organizados de forma a torná-la compreensível. Em pouco tempo, a reputação de Nelson como um arguto pensador brasileiro estava estabelecida. Suas frases e expressões, repetidas por todos, nos ajudavam a entender o país.

A do "complexo de vira-lata" ficou famosa. Outra, a de que "em Brasília, todos são inocentes e todos são cúmplices". E uma terceira, de 1970, quando o Brasil se gabava de ser o maior país católico do mundo: "Ainda seremos o maior país ex-católico do mundo".

Se ainda não somos, estamos chegando lá.

Brasil arrisca levar 7 a 1 na transição energética, diz pesquisadora, FSP

 

SÃO PAULO

O governo Lula (PT) não tem uma liderança clara para tocar sua política de transição energética e arrisca perder uma série de oportunidades na área, em que países como China, Estados Unidos e a União Europeia vêm avançando rapidamente e de forma bem mais organizada.

Em seminário online promovido pela Folha e o Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), Joisa Dutra, diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV, diz temer que o Brasil leve "um 7 a 1" no processo da transição em relação a outros países.

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Vista da Usina Fotovoltaica Flutuante (UFF) Araucária, localizada na represa Billings; é a maior usina de energia solar flutuante do pais. - Eduardo Knapp/Folhapress

O 7 a 1 foi a goleada que a seleção brasileira tomou da Alemanha, em julho de 2014, durante a Copa do Mundo disputada no Brasil. Para Dutra, há muita "criatividade" em propostas, mas que podem acabar não se materializando.

Dutra citou no encontro frase do ministro do Planejamento Roberto Campos (2017-2001) para ressaltar o risco. "Infelizmente, o Brasil não perde uma oportunidade de perder oportunidades", dizia o economista.

Para Suzana Khan, diretora da Coppe/UFRJ, "falta um dono" para a política de transição energética no país. "Temos representantes em 17 ou 18 ministérios tratando do mesmo assunto, mas não uma pessoa que seja realmente a responsável por uma política articulada."

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Ela citou o caso da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), criada em 1973, que foi a responsável por articular o desenvolvimento do agronegócio no Brasil, hoje líder em produção e inovação em vários ramos do negócio.

Khan afirmou, por exemplo, que não há projetos coordenados para limitar o uso de petróleo e gás em outras áreas, como nas indústrias de plástico e de fertilizantes. Segundo ela, são setores que poderiam contar com um uso mais intensivo de biomassa, abundante no Brasil por conta da força de seu agronegócio.

Outro ponto destacado no seminário é o custo de capital para investimentos na transição energética. Enquanto China, EUA e União Europeia alocam subsídios bilionários na área, o Brasil segue com um custo de financiamento entre os maiores do mundo —reflexo do desajuste macroeconômico nas contas públicas, que pode deixar o país para trás na atração de investimentos.

"Há uma expectativa de que, até 2030, os investimentos na área sejam quadruplicados. Mas, no Brasil, o custo do capital é alto até mesmo na comparação com outros emergentes", diz Dutra.

Assista a íntegra do encontro abaixo:

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NIVALDE CASTRO

Há 26 min

O fato do país ter hoje, na partida, uma das melhores matrizes renováveis do mundo, e ter um potencial de recursos renováveis de energia solar e eólica estimados pela EPE de 1.300.000 MW, frente a uma capacidade instalada de pouco mais de 200.000 MW, indicam que o placar do jogo não será este indicado , de 7x1