terça-feira, 3 de outubro de 2023

Eliane Cantanhêde- Guerra de poder entre Pacheco e Lira paralisa minirreforma eleitoral e PEC da Anistia no Congresso, OESP

 Nem só de disputas com o Supremo vive o Congresso Nacional, onde a Câmara e o Senado se unem contra o “furor legisferante” da Corte, mas não se entendem entre eles, inclusive, ou principalmente, quando a questão envolve uma polêmica e antipopular anistia a partidos e a políticos. Nessa história, porém, não há bonzinhos contra a anistia e mauzinhos a favor. Trata-se de uma mera queda de braço política entre as duas Casas do Legislativo: você não vota o meu projeto, eu não aprovo o seu.

Foi assim que o Senado não destacou um relator nem pôs na pauta da Comissão e Constituição e Justiça (CCJ) uma nova minirreforma eleitoral, que não poderá ser aplicada já nas eleições municipais de 2024 se não for votada, aprovada em plenário e sancionada pelo presidente Lula até esta sexta-feira, 6, um ano antes do pleito. O projeto, que não anda, é um tiro na Lei da Ficha Limpa, criada em 2012 para vetar a candidatura de quem foi condenado por um colegiado, renunciou ao mandato para fugir de cassação e/ou teve prestações de contas rejeitadas pela Justiça Eleitoral.

Rodrigo Pacheco e Arthur Lira vêm se estranhando desde a disputa em torno da tramitação das medidas provisórias e embate entre Casas tem travado propostas de interesse de cada um deles
Rodrigo Pacheco e Arthur Lira vêm se estranhando desde a disputa em torno da tramitação das medidas provisórias e embate entre Casas tem travado propostas de interesse de cada um deles Foto: Wilton Junior/Estadão

O senador Rodrigo Pacheco, que preside a Casa, simplesmente não quis que a minirreforma eleitoral fosse adiante, ou que o tiro atingisse o alvo. Ele e o deputado Arthur Lira, que preside a Câmara, vivem às turras, desde que, com o fim da pandemia, as duas Casas do Congresso passaram a disputar poder nas votações de medidas provisórias, que são emitidas pelo Executivo.

Se o Senado tranca a minirreforma eleitoral, a Câmara deixa dormitar a Proposta de Emenda Constitucional que anistia os partidos por irregularidades eleitorais, como descumprir a regra que destina percentuais mínimos para financiamento e tempo de propaganda para candidatos que sejam negros e/ou mulheres. O projeto, conhecido apropriadamente como PEC da Anistia, acaba com a exigência de devolução de valores, multas ou suspensão de fundo partidário para partidos infratores. De quebra, essa PEC reabriria a possibilidade de doações de empresas para que as siglas quitem suas dívidas de campanha contraídas até 2015, quando essas contribuições de pessoas jurídicas foram proibidas.

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Não é à toa, portanto, que, do PT de Lula ao PL de Jair Bolsonaro, os partidos se uniram a favor das mudanças — com honrosas exceções, que concordam com a opinião pública, que considera as duas propostas irresponsáveis, absurdas e mais uma tentativa do Congresso de legislar em causa própria. Dito tudo isso, fica uma dúvida atroz: por que, raios, Rodrigo Pacheco e Arthur Lira trancam os projetos? Para ficar bem com a sociedade? Ou será por puro patriotismo?

Municípios agonizantes e as medidas de controle da inflação: há uma correlação?, OESP

  

Desde o início do plano real no governo FHC pudemos observar com mais tecnicismo econômico as medidas de controle da inflação. O Brasil vinha de alguns planos econômicos (Cruzado, Bresser, Collor I e II) que de uma forma ou de outra não conseguiram controlar a inflação e melhorar a economia do país.

Uma das medidas adotada pelos governos desde então é a elevação da taxa de juros (Selic), como forma de frear o consumo, e, como consequência, impor um freio na inflação pela via da desaceleração da economia. É uma saída, inclusive, academicamente amplamente debatida e defendida. Mas, esta é uma medida paliativa ou uma solução a longo prazo?

O fato é que na quebra de braços entre o Ministério da Economia e o Banco Central do Brasil, a atual taxa selic está fixada em 12,75% ao ano (COPOM, setembro/2023), impondo uma espécie de âncora na economia, repita-se, fundamentalmente na redução do consumo.

Ocorre que, na esteira dos sistemas tributários dos países do mundo inteiro, sobretudo nas economias ocidentais, a arrecadação nacional elegeu como fatos geradores: a renda, o consumo, a produção, os serviços, a propriedade, entre outros.

Tal paradigma nos leva a crer que a manutenção da arrecadação tributária para custeio da máquina estatal e dos investimentos públicos reclamam uma crescente evolução nos indicadores destes fatos geradores, lastreada no crescimento econômico.

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Contudo, se analisado sob outro prisma, o que acontece quando se impõe um freio na economia com vistas ao controle da inflação?

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O noticiário nacional estampou dias atrás, que seguindo uma tendência, a arrecadação federal caiu 4,14% (descontando a inflação), no período ago/2022 a ago/2023. Tal fato já seria um problema para a União Federal, mas nas entrelinhas as consequências atingem drasticamente os municípios, sobretudo os menores.

Dados da Confederação Nacional dos Municípios demonstram que dos 5.570 municípios do Brasil, 22% tem menos de 5.000 habitantes, sendo que na sua imensa maioria a arrecadação tributária própria (IPTU, ISS, ITBI, COSIP, além de taxas e tarifas) não chega a 10% dos orçamentos locais.

Não vamos adentrar na eficiência da gestão tributária dos municípios de pequeno porte, que tem características próprias que vão desde a ausência de corpo técnico capacitado para a cobrança de tributos, passando pela insignificância dos valores reais a serem cobrados, até a capacidade de pagamento dos contribuintes.

A realidade do atual pacto federativo, é que de parte da arrecadação federal é retirado um percentual do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, e, do imposto sobre produtos industrializados, que é dividida com Estados e Municípios à razão de 22,5% para cada grupo, formando o Fundo de Participação dos Estados e o Fundo de Participação dos Municípios, chamados de transferências obrigatórias (Art. 159, I, CF/88).

Na esfera estadual, os estados membros repassam aos municípios 25% da arrecadação do imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços - ICMS (art. 158, IV, da CF/88).

No cenário onde a taxa Selic é utilizada para conter a inflação mediante a desaceleração econômica, é fato que fatos geradores de tributos ligados ao consumo são impactados, reduzindo - por exemplo - vendas, produção, e geração de empregos, tendo por consequência, redução da arrecadação tributária.

Voltando ao problema dos municípios, resta a impressão de que as transferências obrigatórias são fiadoras das políticas públicas necessárias à garantia do estado de bem-estar social (Welfare State), envolvidas lato sensu em educação, saúde, previdência e assistência social, além de segurança.

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Nestas breves linhas não vamos adentrar sobre outra consequência nefasta da manutenção de uma taxa selic alta, que impacta o custo de rolagem da dívida pública federal mediante a precificação dos títulos emitidos pelo tesouro nacional para se relacionar com o mercado financeiro. Isso é matéria para outra conversa.

Mas a reflexão suscitada, feita no intróito deste artigo permanece. A utilização da taxa selic à longo prazo para esfriar a economia é benéfica? Por vários fatores aqui apresentados, nos indica que dita medida não traz vantagem para o Estado, para a economia e para a sociedade.

Fica a reflexão.

ESTADÃO / CULTURA / LITERATURA Jorge Michel Houellebecq: como mestre da literatura ficcional foi envolvido em trama sinistra da vida real, Paulo Nogueira - OESP

 


Se houvesse um prêmio para o autor mais controverso, o francês Michel Houellebecq (H) seria o escritor mais nobelizado do mundo. Mas, mesmo para os padrões dele, os últimos acontecimentos escalaram alucinadamente.

Resultado: aquele que é considerado o maior ficcionista francês contemporâneo (que acordou a literatura francesa de um torpor fossilizado de décadas), desenvolveu bulimia e a síndrome do pânico e há meses não põe o pé fora de casa. Fuma quatro maços de cigarros por dia, e emborca ansiolíticos como se fossem champanhe. E, para um homem que até ontem professava-se priápico, hoje declara-se impotente.

Talvez seja o corolário de uma carreira que sempre surfou na provocação, mirando em todos os tabus para suas estilingadas verbais e fazendo do politicamente incorreto o seu Esperanto. Em 2019, por exemplo, assinou na revista Harper’s um artigo marotamente intitulado: “Donald Trump é um Bom Presidente”. No texto, fervilhavam sarcasmos, irritando gregos e troianos:

“Simpatizo com a vergonha de muitos americanos por terem um palhaço medonho como líder, mas talvez ele seja um mal necessário.”

Escritor estava acompanhado de escolta digna de chefes de estado
Escritor estava acompanhado de escolta digna de chefes de estado Foto: Albert Gea/Reuters

H louvou a saída do Reino Unido da União Europeia: “Só lamento que os britânicos tenham mais colhões que os franceses”. Para ele, a clonagem contém mais valores humanistas que o aborto. Conservador que odeia o liberalismo capitalista, gosta de citar a frase de Lenin: “Nem tudo o que é bom é novo, nem tudo o que é novo é bom”.

Capitu

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Houellebecq por vezes parece menos um radical boquirroto do Twitter do que um tiozão reaça do WhatsApp. Ele próprio se vê como um demiurgo moderno de uma era niilista e narcisista. “É verdade que não sou um revolucionário. O próprio termo ‘felicidade coletiva’ me dá arrepios. A ideia de que a sociedade quer cuidar da minha felicidade não me enternece.”

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Numa época tão polarizada, melindrosa e intolerante, H, em vez de pisar em ovos como todos nós, parece brincar de amarelinha no terreno minado do cancelamento: “O terrível é até que ponto já não se pode dizer mais nada. Nietzsche, Schopenhauer e Spinoza não seriam aceitos hoje.” Bem, o tiozão do WhatsApp não saberia que Spinoza, proscrito na Amsterdã do século 17, tampouco foi aceito em sua tempo.

Mesmo no talvez já batido tema do politicamente correto, Houellebecq sabe ser sardônico: “As pessoas cansam de dizer coisas más sobre uma coisa, mas a coisa má não se cansa de existir”. E também esguichou mangueiradas de água gelada nos que viam na pandemia uma panaceia ética para a humanidade.

“Não vamos despertar num novo mundo depois do confinamento. Será a mesma coisa, só um pouco pior”

Michel Houellebecq

O primeiro bico no balde de H foi no romance Partículas Elementares, de 1998. O livro ganhou o badalado Prix Novembre, mas com tanto bate-boca que dois jurados renunciaram e até o nome do prêmio acabou mudado para Décembre. A então decana da crítica literária do New York Times, Michiko Kakutani, considerou o romance “repugnante”.

Com o seguinte, O Mapa e o Território, H embolsou o prêmio Goncourt, o principal da França, que tem nada menos que 1500 honrarias literárias (quase uma para cada escritor). Já foram contemplados com o Goncourt colossos como Marcel Proust, André Malraux, Simone de Beauvoir e Marguerite Duras. O prêmio garante uma venda adicional de 300 mil exemplares.

Isso não evitou que H fosse acusado de plágio pela revista SlateO Mapa e o Território incluiria trechos transcritos da Wikipedia sem crédito. A Slate alegou ainda que o autor copiou a descrição da rotina dos policiais franceses (do site do Ministério do Interior) e de um hotel no sul da França (da homepage do próprio hotel). Nada impediu que, em 2019, o presidente Emmanuel Macron condecorasse Houellebecq com a maior honraria concedida pelo Estado francês: a Legião de Honra.

Visionário e charlatão

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H nasceu na ilha da Reunião, no Índico, em 1956. Queixa-se até hoje de que os pais não lhe davam bola, pois assumiram a contracultura dos anos 1960, apesar de já não serem jovens. Foi criado pela avó paterna, cujo sobrenome adotou.

A mãe do autor, que uma vez ele chamou de “a velha vagabunda”, já tinha mais de 40 anos quando se mandou para as trilhas hippies da América do Sul. Em seu livro O Inocente, a mãe de H descreve o filho como um “bastardo malvado e imbecil”. Em Mourir (Morrer), H diz: “Quando eu era criança, a minha mãe jamais me abraçou. Isso explica toda a minha personalidade”.

Poucos chamariam a prosa de H de suntuosa. Nada de filigranas retóricas. Ele gosta de citar Schopenhauer: “A primeira e única condição do bom estilo é ter algo a dizer”. H tanto é reverenciado como um visionário quanto denunciado como charlatão. Os dois lados da barricada concordam num ponto: todas as polêmicas anteriores de H são fichinha perto da atual. Daí que, pela primeira vez, ele escreveu um livro para se defender: Quelques mois dans ma vie (Alguns Meses na Minha Vida, ainda inédito no Brasil, sem previsão de edição aqui).

Capa do livro de Michel Houellebecq, 'Quelques mois dans ma vie: Octobre 2022 - Mars 2023'
Capa do livro de Michel Houellebecq, 'Quelques mois dans ma vie: Octobre 2022 - Mars 2023' Foto: Flammarion

São duas polêmicas mirabolantes pelo preço de uma. Muitas pessoas já esqueceram um detalhe do fatídico dia 7 de janeiro de 2015, quando membros da Al Qaeda invadiram a redação do semanário humorístico Charlie Hebdo, em Paris, e assassinaram 12 cartunistas e jornalistas. Por coincidência, um novo número da publicação acabava de chegar às bancas e a capa estampava uma caricatura de um H macilento, com um chapéu de Nostradamus, fumando um cigarro. A manchete: “Previsões do Mago Houellebecq”.

O gancho era o romance Submissão (Islã quer dizer submissão), cujo lançamento foi no próprio dia dos atentados. Nele, Houellebecq imagina uma França de um futuro próximo (2022), em que os partidos tradicionais fragmentam o voto na eleição presidencial, e os mais votados são Marine Le Pen, da extrema-direita, e Ben Abbes, o líder fictício de uma Irmandade Muçulmana Francesa.

No segundo turno, a esquerda apoia o muçulmano, preferindo o diabo que não conhece àquele que conhece. Ben Abbes impõe a Sharia, e a elite intelectual francesa se mostra encantada por colaborar (como os colaboracionistas de Vichy, durante a ocupação nazista) com o novo regime teocrático, que entre outras coisas faculta aos homens a poligamia e a redomesticação da mulher.

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Michel Houellebecq na capa do 'Charlie Hebdo'; no destaque, em francês, a manchete: 'Previsões do Mago Houellebecq'
Michel Houellebecq na capa do 'Charlie Hebdo'; no destaque, em francês, a manchete: 'Previsões do Mago Houellebecq' Foto: Charlie Hebdo

Claro que o que H descreve não aconteceu de fato. Trata-se de uma sátira distópica, não um relato oracular de eventos futuros. A graça da sátira é especular o que aconteceria se nada acontecesse para impedir o que está acontecendo. O seu papel, diz ele (ao falar de “1984″, de Orwell), não é prever, mas transfigurar os medos de uma época.

O romance Plataforma, de 2001, sobre turismo sexual na Tailândia, levou o romancista a tribunal pela descrição de um ataque extremista islâmico a um resort na Ásia. A obra foi lançada um ano antes de o grupo terrorista Jemaah Islamiah matar 202 pessoas na ilha de Bali.

Por isso, a primeira réplica do novo livro de Houellebecq é à acusação de islamofobia. Recentemente, ele deu uma entrevista ao filósofo Michel Onfray, na qual declarou que o povo francês não quer que os muçulmanos sejam assimilados, mas que “parem de roubar e agredir”. Ou então “vão embora”.

O pior veio depois: “Quando territórios franceses estiverem sob controle islâmico, ocorrerão atos de resistência. Haverá tiroteios em mesquitas, em cafés frequentados por muçulmanos. Em suma, Bataclans ao contrário”. Bataclan é a sala de espetáculos parisiense, palco de um massacre no dia 13 de novembro de 2015, quando terroristas islâmicos abriram fogo contra 1500 pessoas que assistiam a um show, matando 130 e ferindo 352.

O Reitor da Grande Mesquita de Paris reagiu processando Houellebecq por incitamento à violência. O escritor publicou uma retratação no jornal Le Figaro, e o Reitor retirou a queixa (ainda tramita um processo movido por Mohammed Moussaoui, presidente da União das Mesquitas de França).

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No novo livro, H diz que uma guerra civil na França é improvável, e que o Islã e a delinquência não têm uma relação causal, pois as religiões proíbem as desordens. Pede desculpas à comunidade islâmica e chama suas afirmações de “burras” e “estúpidas”.

A segunda polêmica

A segunda polêmica é bem mais rocambolesca. No final de 2022, Stefan Ruitenbeek (que no livro Houellebecq chama de “a Barata”), membro do “coletivo de arte” holandês KIRAK, mandou um email a H anunciando que chegara a Paris com uma jovem que desejava fazer sexo com o escritor.

H enviou sua esposa Qianyum Lysis, chinesa 34 anos mais nova do que ele, a um restaurante parisiense para conhecer a Barata e a moça, a quem H chama de “a Porca”. A Porca perguntou a Qianyum, que participaria do ménage, se a Barata podia filmar o episódio para sua conta do Onlyfans.

H, que já rodou filmes pornôs e defende a pornografia amadora contra a profissional, concordou, achando que se tratava de “exibicionismo honesto” para uns poucos fãs devotos. Caiu-lhe o queixo ao descobrir que Onlyfans é um site onde os assinantes pagam pelo acesso.

Mais tarde, a Barata pediu a H que fosse a Amsterdã, onde jovens que eram “leitoras assíduas” desejavam transar com o autor para um filme KIRAC. O escritor reconhece que ter topado é “incompreensível”. Jura que foi-lhe garantido que seria um “filme de arte”.

Já em Amsterdã, encharcado de vinho e ansiolíticos, H assinou o contrato (reproduzido na íntegra no livro), encorajado pela cláusula 3, que proibia a Barata de mostrar no mesmo plano os rostos do autor e de sua esposa e os respectivos genitais. Só ao regressar à França, depois de um rompimento com Barata & Porca, é que H reparou na bomba da cláusula 4, que dava a Ruitenbeek o direito de usar as imagens filmadas em Paris.

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Aliás, o trailer do filme já estava a viralizar online (não é verdade que Houellebecq usou a Legião de Honra como tapa-sexo). Mortificado, H instruiu seus advogados a bloquearem o filme na Internet, mas o pedido foi indeferido nos tribunais franceses e holandeses, cujos juízes não se convenceram da incapacidade do escritor ao assinar o contrato, devido à embriaguez.

Última atualização

Houellebecq apelou, e a última atualização é de que o tribunal de recurso de Amsterdã decidiu que o autor deveria ver o filme antes do lançamento, para que possa tomar novas medidas legais caso continue insatisfeito – o que ele continua, e muito. A saga ainda dará pano para mangas.

Na passagem mais dilacerante do livro, Houellebecq admite que não gosta de feministas e que elas não gostam dele, mas que experimentou algo semelhante à sensação de ser estuprado após seu caso com a Barata e a Porca. E que hoje é um presidiário em seu próprio lar, bulímico, impotente e deprimido.

Por isso, anunciou que Aniquilação, editado no ano passado, é o seu último romance. Um livro estranhamente pouco Houellebecq: melancólico, pungente, que fala da inexorabilidade da morte mas também do amor, de esperança e redenção. Talvez um canto do cisne, que lembra o comentário de Ezra Pound sobre Trópico de Câncer, a obra escabrosa de Henry Miller: “Ah, até que enfim um livro impublicável que é legível!”