quinta-feira, 18 de maio de 2023

Trem-bala sem Campinas é 'perder público, perder tudo', diz prefeito Dário Saadi, FSP

 

SÃO PAULO

Há 13 anos, a cidade de Campinas, a 93 km de São Paulo, estava tão perto quanto hoje de ter um trem que levasse passageiros à capital paulista. O governo federal estava com um edital aberto para a construção do trem-bala, com a expectativa de que a primeira viagem pudesse ocorrer a tempo da Olimpíada no Rio. Deu tudo errado.

Hoje o edital aberto é para outro trem, o Intercidades, com promessa de trajeto até São Paulo em cerca de uma hora.

trem-bala tem céticos até dentro do governo federal, mas o prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), não desistiu dele. A empresa TAV Brasil foi autorizada a construir e operar uma linha de alta velocidade pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) em fevereiro, em um projeto que exclui a cidade do interior paulista do traçado.

O prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), na sede da Folha, no centro de São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Médico urologista, Saadi enfrenta problemas na saúde municipal: três bebês morreram na maternidade municipal neste ano, motivando a abertura de um inquérito do Ministério Público que investiga as condições sanitárias da unidade, e o prefeito recorreu ao governo estadual para ampliar a quantidade de leitos pediátricos.

O prefeito sonha, ainda, com uma marca mundial para a terceira maior cidade do estado. Ele quer terminar o mandato tendo viabilizado a criação de um novo polo tecnológico que, em suas palavras, seja referência na América Latina. É um empreendimento que promete transformar a paisagem pacata dos bairros no entorno das duas maiores universidades da região.

O que o senhor achou da retirada de Campinas do traçado do trem bala pela TAV Brasil? A proposta do TAV [trem de alta velocidade] é um pouco embrionária, inicial. Acreditamos que, neste momento, o mais viável é o Trem Intercidades. Vamos continuar fazendo esforço para que Campinas seja incluída [no projeto do trem-bala], se o projeto avançar. Nos parece que ainda não tem uma estruturação financeira, nem estudo de viabilidade muito concreto.

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A partir do momento que esse estudo avançar, certamente Campinas tem chance de ser incluída, não só por ser uma cidade de 1,2 milhão de habitantes, mas porque só a microrregião tem 3,3 milhões.

Alguém explicou o motivo pelo qual a cidade foi retirada do projeto? No nosso entendimento, é um primeiro estudo técnico que tirou Campinas. Uma fase de estudos, de estruturação de um possível formato econômico. Mas passar por ali [no eixo São Paulo-Rio] e não entrar em Campinas é perder público, perder tudo. A gente acha que essa proposta pode ser alterada se o projeto caminhar.

O Trem Intercidades está com o edital aberto e a previsão de que haverá um resultado até novembro… O governador Tarcísio [de Freitas, do Republicanos] está muito empenhado, ele é um apaixonado pelo modal ferroviário. E está muito seguro de que o processo finaliza até o final do ano. Já estamos fazendo a revitalização de um grande barracão bem próximo ao local em que chega o Trem Intercidades, uma revitalização no pátio ferroviário. Estamos com muita esperança de que realmente seja concluído.

E com o Trem Intercidades, Campinas ainda vai precisar do trem-bala? Vamos ter que discutir. É claro que, para nós, ter mais possibilidades de transporte é importante. Vamos continuar discutindo o trem de alta velocidade mesmo quando o Intercidades se tornar realidade. Não estamos falando só de uma cidade nessa discussão sobre modal de transporte. São milhões de habitantes, há um potencial muito grande. É por isso que acho que, com o amadurecimento do projeto, vai chegar uma hora que [o grupo TAV Brasil] vai ter que discutir com Campinas. Do ponto de vista da sustentação de um sistema tão caro, vai ter que incluir uma região metropolitana de 3,3 milhões de habitantes.

A previsão é que a passagem do Trem Intercidades de Campinas a São Paulo custe R$ 64, enquanto o ônibus hoje custa cerca de R$ 45. Vai ser uma opção realmente competitiva? Sim, a diferença não pode ser muito grande, para não inviabilizar [a viagem de trem]. Tem muita gente de Campinas que trabalha em São Paulo. Para uma viagem eventual, R$ 20 ou R$ 30 a mais não afetam tanto. Se for todo dia, isso sim afeta o usuário do sistema. Então, a gente espera que o processo de licitação possa reduzir um pouco o preço, para não ficar tão diferente [o valor da passagem de trem e ônibus].

Em dezembro, a cidade inaugurou um hospital pediátrico, mas a saúde da criança se tornou um ponto de atenção com o crescimento das internações nas últimas semanas. Por que Campinas está precisando pedir mais leitos ao governo estadual? Solicitamos mais leitos porque, historicamente, em torno de 20% a 25% do nosso atendimento é da região [e não de residentes em Campinas]. Mas a pediatria, no começo deste ano, chegou a 35% de pacientes de outras cidades. E aí nós viemos falar com o governo estadual porque eles têm um setor de pediatria no hospital de Sumaré [na região metropolitana de Campinas] que pode ser ampliado. É uma enfermaria muito maior e foi reduzida no governo Doria [2019 a março de 2022]. A gente solicitou que se ampliasse a pediatria de Sumaré.

Qual foi a resposta? Foi positiva, eles dizem que o processo está se encaminhando para a ampliação.

Três bebês morreram na Maternidade de Campinas em um surto de diarreia neste ano. O que aconteceu lá não é uma consequência da falta de leitos, da superlotação na maternidade? O problema na maternidade foi o surto. Agora, a Vigilância Sanitária está investigando se a causa é superlotação. Mas o hospital estava na capacidade que ele tinha de atendimento. Essa maternidade é o hospital com o maior atendimento maternoinfantil de Campinas, é fundamental para o SUS. E aconteceu esse fato, mas é um hospital importante para a assistência não só do SUS, mas também para a assistência suplementar, dos convênios.

A ampliação do atendimento de saúde foi um ponto central das suas promessas de campanha. Com esse cenário, o sr. acha que foi feito o suficiente? Nesse período, tivemos um ano e alguns meses de pandemia. Tínhamos dois hospitais, agora temos três, e ampliamos um hospital pediátrico. Essa ampliação liberou espaço no Hospital Mário Gatti e no pronto-socorro infantil —que já está em processo de reforma, uma ampliação.

Ou seja, mesmo atendendo a pandemia, nesses dois anos e quatro meses nós implantamos um hospital novo, ampliamos leitos. Vamos inaugurar dois ou três centros de saúde ainda neste ano e temos um grande Hospital da Mulher sendo concluído até o ano que vem. O compromisso que fizemos de ampliação do serviço de saúde nós vamos cumprir.

Qual é o grande projeto da sua gestão para a cidade? O nosso megaprojeto é um grande polo de tecnologia da cidade. É uma região que queremos destinar à tecnologia e ao desenvolvimento sustentável. É uma área de aproximadamente 17,8 milhões de metros quadrados. É a região onde está situada a Unicamp, a PUC-Campinas e o Laboratório Nacional de Luz Síncotron.

Já temos um projeto de alteração do zoneamento urbano que está sendo discutido pela população e deverá ser enviado para a Câmara [Municipal]. O maior percentual dessa área é privado e ela já foi destinada para tecnologia, como zona de atividade econômica, ZAI, há décadas. Não foi para frente, não houve interesse de construir ali.

E qual o motivo? A gente avaliou que só atividade econômica não era atrativo. [O zoneamento] tinha que mudar para uso misto: não só área de tecnologia, mas também de habitação, com critérios específicos. Estamos fazendo esse projeto em conjunto com os institutos de pesquisa e com as universidades.

Para sair do papel, não será necessário apoio também do governo federal e estadual? Eles estão sendo chamados? Há um interesse muito grande dos governos estadual e federal de participar do projeto. O primeiro passo importante é a mudança da lei de uso e ocupação do solo, que já está pronta [a proposta] e em fase de discussão com a sociedade. A partir do término da discussão, depois de ver o que a sociedade propõe e o que vai ser incluído, a gente vai colocar em votação pela Câmara.


RAIO-X

Dário Jorge Siolo Saadi, 59

Médico, está no primeiro mandato como prefeito de Campinas, no interior paulista. Foi vereador na cidade por quatro mandatos, onde mora há quase 40 anos. Durante a gestão de seu antecessor, Jonas Donizette (PSB), foi secretário municipal de Esportes. Natural de Pedregulho (SP), é formado na PUC-Campinas e já foi presidente do Hospital Municipal Mário Gatti, referência na cidade.

JOÃO PRATES ROMERO - Os números do desalinhamento do Banco Central, FSP

 

João Prates Romero

Professor de economia do Cedeplar-UFMG (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais)

O Banco Central (BC) tem mantido o juro real brasileiro como o mais elevado do mundo desde 2022. A comparação dos dados de juros reais e de inflação do Brasil com os de outros países sugere um claro desalinhamento da atuação do BC brasileiro.

Os BCs têm como objetivo central controlar a inflação, se utilizando da taxa de juros para isso. No Brasil, a meta de inflação para 2023 é de 3,25%. A inflação acumulada nos últimos 12 meses vem caindo e em abril ficou em 4,65%. A inflação acima da meta é de 1,4%. Com a Selic em 13,75%, a taxa de juros real é de 9,1%.

Numa amostra de 32 países, quatro têm inflação acima da meta em nível similar à do Brasil: 1,2% no Japão, 1,3% na Indonésia e 1,7% na Índia e na Coreia do Sul. Todos esses países têm juros reais bem mais baixos que o Brasil (-3,3%, 1,4%, 0,8% e -0,2%).

Nos vizinhos sul-americanos a inflação desvia mais da meta do que aqui: 8,1% no Chile, 10,3% na Colômbia e 6% no Peru. Mesmo assim os BCs desses países têm mantido juros reais próximos de zero.

O contraste com a atuação dos BCs de países desenvolvidos, que têm maior solidez técnica e institucional, é ainda mais gritante. Na Zona do Euro a inflação acima da meta está em 5%; 5,2% acima na Alemanha, 6,3% na Itália e 8,6% na Suécia. Já os juros reais estão negativos (-3,4%, -4,5% e -7,1%, respectivamente). Outros países desenvolvidos seguem o mesmo padrão, com maior inflação acima da meta (8,1% no Reino Unido, 5% na Austrália e 3% nos EUA) e juro real bem abaixo do brasileiro (-5,8%, -2,1% e 0,2%).

Estas comparações sugerem um forte desalinhamento do BC brasileiro em relação à atuação dos BCs do resto do mundo. A situação muda pouco tomando a inflação projetada para 2024 pelo FMI. Juros reais se tornam positivos e as diferenças entre inflação e meta caem na maioria dos casos. Seguimos com o maior juro real, mas entre os mais elevados diferenciais de inflação, em parte pela redução da meta em 2024. Isso sugere que os juros altos têm contribuído pouco para reduzir a inflação. Conforme ressaltou há pouco o Prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, juros elevados desincentivam investimentos e prejudicam a redução de gargalos de oferta.

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Em suma, nosso BC está aceitando um custo bem mais elevado que os demais para manter a inflação atual mais controlada que a média mundial, dadas as metas. O fato dos demais BCs estarem permitindo inflação muito acima da meta indica o entendimento de que a inflação atual é passageira e resultante, em boa medida, de choques de oferta (pandemia, guerra e preços de petróleo). Os juros baixos sugerem a interpretação de que o custo de os manterem elevados supera os benefícios esperados.

No caso do Brasil, que tem desemprego próximo a 9%, informalidade de quase 40%, investimento baixo, e que busca um ajuste fiscal, o custo do juro alto é considerável. Os benefícios da política de juros do BC brasileiro em termos de controle da inflação superam mesmo os custos? A julgar pela atuação dos BCs do resto do mundo, não. Por que o caso do Brasil seria tão diferente? Ainda não está clara a justificativa do BC brasileiro para tamanho desalinhamento.