segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Queda de 70% nas ações e prejuízo de R$ 2 bi: o que acontece com a Natura?, FSP

 

SÃO PAULO

Maria Aparecida Pereira Toscana, 59 anos, não faz ideia de quem seja Fabio Barbosa. Não sabe que o comando das marcas Natura e Avon, que ela revende há quase 30 anos, passou há cinco meses às mãos de Barbosa– que traz no currículo a presidência do Santander Brasil e da Febraban (Federação Brasileira de Bancos).

Mas existe uma coisa que ela tem estranhado: o preço dos produtos já subiu duas vezes neste ano e deve subir a terceira em dezembro. "E muito produto tem ficado em falta. Mal começa um ciclo de promoções, coisa que todo mundo está atrás, e eu quase não consigo fechar o primeiro pedido, já esgotou", diz Cida, dona de um ponto de venda em uma galeria, na zona oeste de São Paulo. "Ou os produtos estão com limite de compra, o que é ruim, porque não consigo atender minhas clientes."

As observações de Cida refletem a ponta de um iceberg que a multinacional brasileira de cosméticos Natura&Co. –dona das marcas Natura, Avon, The Body Shop e Aesop– vem tentando contornar com mais afinco desde a contratação de Barbosa, que já fazia parte do conselho de administração da companhia.

loja com produtos cosméticos
Loja da Natura na rua Oscar Freire, em São Paulo - Divulgação

A inflação crescente nos principais mercados do grupo –Europa e América Latina– , acompanhada do impacto cambial, do aumento do preço de matérias-primas e commodities, como óleo de palma, resinas e plásticos, os desdobramentos da guerra na Ucrânia (que aumentaram os custos com energia, por exemplo), além da queda no poder de compra da população, têm comprometido as margens da multinacional brasileira, que segurou o nível de promoções. Daí a falta de produtos com preços atrativos.

A julgar pelos resultados do terceiro trimestre da companhia, divulgados na noite de quarta-feira (9), ainda há muito trabalho a fazer. O grupo amargou prejuízo de R$ 559,8 milhões entre julho e setembro deste ano, contra um lucro de R$ 272,9 milhões no terceiro trimestre do ano passado. A receita líquida, por sua vez, caiu 5,7% no período, na comparação anual, para R$ 9 bilhões.O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ON , que mede o potencial de geração de caixa de uma empresa, recuou 5,7%, para R$ 772,5 milhões.

Apesar de ruins, os números do terceiro trimestre, o primeiro sob a gestão de Barbosa, são quase um alento considerando o acumulado dos primeiros nove meses de 2022, na comparação anual: prejuízo de R$ 1,97 bilhão (frente a lucro de R$ 352,6 milhões), queda de 9% na receita líquida, para R$ 25,9 bilhões, e Ebitda 20% menor, para R$ 2,06 bilhões.

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"É claro que não estamos satisfeitos com estes números", disse Barbosa nesta quinta-feira (10), em teleconferência com analistas e, depois, com a imprensa. "Nossa prioridade é melhorar as margens e o fluxo de caixa."

Fabio Barbosa, presidente da Natura&Co. - Adriano Vizoni/Folhapress

SPIN-OFF, IPO OU SÓCIO SÃO OPÇÕES PARA A LUCRATIVA AESOP

Uma queda de quase 70% no valor das suas ações negociadas na B3, a Bolsa de Valores brasileira, separa a Natura de novembro de 2021 à Natura de hoje. Em 10 de novembro do ano passado, as ações ordinárias, com direito a voto (ON), eram negociadas em torno de R$ 40. Nesta quarta-feira (9), fecharam o pregão cotadas a R$ 13,14. No período, o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, subiu cerca de 4%.

Após comprar a australiana Aesop em 2013, a Natura adquiriu a britânica The Body Shop em 2017 e a americana Avon, em 2019. Com isso, tornou-se a Natura &Co., com a proposta de virar uma plataforma global de marcas de beleza, no estilo L’Oréal. Mas a companhia ficou grande e complexa demais para lidar com rapidez com problemas distintos em diferentes regiões geográficas. Foi obrigada a descentralizar as tomadas de decisão.

Com a vinda de Barbosa, a empresa anunciou uma reestruturação, a fim de tornar a holding mais leve e eficiente. O grupo também estuda uma alternativa para "destravar valor" da sua marca de luxo, a Aesop, que tem um plano de expansão consistente na China. A primeira loja da marca foi inaugurada neste ano em Xangai.

Para isso, estuda um IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês), um spin-off (a empresa passa a ser independente do grupo) ou até mesmo a chegada de um novo sócio para a marca, vindo do mercado de private equity. "As três alternativas estão na mesa", disse Barbosa.

Quanto à desvalorização recorde das ações da companhia, Barbosa afirma que a recuperação dos papéis virá como consequência da implementação das ações da companhia para aumentar as margens e as sinergias entre Avon e Natura, especialmente na América Latina, com destaque para Brasil, Colômbia e Peru em 2023. "É preciso acelerar esta integração e a reorganização do grupo."

Segundo Barbosa, o quarto trimestre da empresa vai ser "muito forte", mas ainda com margens pressionadas, por conta da inflação.

PARA ANALISTAS, GRUPO PODE VENDER OPERAÇÕES DA AVON INTERNATIONAL

Na opinião de Thiago Macruz, analista do Itaú BBA, a Natura se tornou uma empresa pesada, principalmente depois da aquisição da Avon, com várias áreas de suporte a cada marca. "Mas, com a chegada de Barbosa, a gente percebe um esforço do grupo em criar maior autonomia para diversas áreas, descentralizando as tomadas de decisão, o que tende a deixar a empresa mais ágil."

Para Macruz, a Natura deve se voltar à América Latina, seu principal mercado. Na região, a receita líquida cresceu 10% no terceiro trimestre, na comparação anual. Já na Europa, a empresa está mais exposta à inflação e às pressões de custo, como reflexo da guerra na Ucrânia. "Não me surpreenderia se o grupo vendesse algum ativo no exterior para gerar caixa, como operações da Avon International ou da The Body Shop", afirma o analista.

No terceiro trimestre, a receita líquida da Avon International (que engloba todas as operações da Avon fora da América Latina) caiu 8,1% em moeda corrente. Na The Body Shop, a queda foi de 19,5%. Já a Aesop registrou alta de 21,5% no período.

Para Danniela Eiger, analista da XP, também faria mais sentido se o grupo deixasse mercados deficitários da Avon International. "De qualquer forma, a empresa precisa acelerar a integração entre Natura e Avon na América Latina, para gerar mais sinergias", afirma.

A analista da XP também chama a atenção para os resultados ruins da The Body Shop. "Houve um desbalanceamento da operação no pós-pandemia, com fechamento de canais de venda", afirma. "A performance da marca é muito aquém do esperado."

Danniela afirma que, em 2023, a empresa, como todos os grandes grupos de consumo, vai ter que lidar com o aumento da pressão inflacionária, de um lado, e um certo alívio com o controle da pandemia, de outro. "Aqui mais atividades voltaram ao presencial do que na Europa, apesar da nova onda ômicron", diz.

Para Ana Paula Tozzi, sócia da AGR Consultores, houve um erro estratégico na compra da Avon, com a manutenção das decisões centralizadas na holding. "O back office [funções administrativas] ficou muito pesado", afirma. "Os negócios ficaram com pouca autonomia e velocidade de transformação", diz ela, que acredita que o desempenho das ações na Bolsa deve melhorar.

Ana Paula também espera que a companhia centre esforços na América Latina no ano que vem. "Haverá recessão na Europa em 2023, e 2024 continuará muito ruim", diz. "Com exceção do mercado de luxo, segmento da Aesop, que vai muito bem."


Raio-X da Natura&Co. Dados de 2021

  • Fundação: 1969
  • Funcionários: 35 mil
  • Receita líquida: R$ 40,1 bilhões
  • Lucro líquido: R$ 1 bilhão
  • Presença: Mais de 40 mercados nas Américas, Europa, Ásia e Oceania
  • Principais concorrentes: O Boticário, L'Oréal, Nivea

Cruzada ideológica matou o Twitter, a principal plataforma da política mundial, Mathias Alencastro , FSP

 É emblemático que o Twitter, plataforma fundamental da vida política na era das direitas populistas, tenha entrado em colapso no mês em que tanto Jair Bolsonaro quanto Donald Trump sofreram derrotas importantes.

Em duas semanas, o singular Elon Musk provocou uma onda de demissões nas áreas de segurança e privacidade de sua empresa e aboliu o que ele dizia ser a separação entre "senhores e camponeses", instaurando uma nova política de atribuição do selo azul que distingue as contas oficiais.

O que se seguiu foi uma semana de debacle reputacional com a falsificação de perfis de personalidades públicas e empresas. A debandada dos grandes patrocinadores corporativos, dos quais o Twitter depende mais que a Meta ou o Google, deixou, segundo o próprio Musk, a empresa em risco de falência.

O CEO do Twitter, Elon Musk, chega a conferência de investidores em Nova York - Andrew Kelly - 4.nov.22/Reuters

A história da aquisição do Twitter por alucinantes US$ 44 bilhões por Musk é a história dele próprio, um brilhante engenheiro que tentou se reinventar em ator geopolítico.

Depois do início da Guerra da Ucrânia, ele levou ao paroxismo a confusão entre política real e ativismo digital ao colocar um dos seus principais serviços tecnológicos, o Starlink, à disposição do Exército ucraniano e inventar uma charlatanesca diplomacia das redes.

Seus diálogos via Twitter com Kiev, Moscou, Pequim e Washington nunca deram em nada. Tudo o que Musk conseguiu foi virar o herói dos sociopatas e extremistas, que se aproveitam da sua "concepção absoluta da liberdade de expressão" para perpetuar abusos e ilegalidades.

A aproximação de Musk com Bolsonaro e Trump, cujos candidatos ele endossou na última eleição americana de meio de mandato, tornou o bilionário um alvo fácil dos agentes reguladores de governos democráticos.

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A administração de Joe Biden já reconheceu a necessidade de avaliar se as ligações internacionais de Musk podem representar uma ameaça à segurança nacional. Na União Europeia, quem assume o lugar de Alexandre de Moraes é o poderoso comissário europeu Thierry Breton. Ele tem usado a deriva de Musk como exemplo para justificar o pacote regulatório que obriga as plataformas a recorrer a meios mais transparentes na luta contra os conteúdos ilegais, a incitação ao ódio e os ataques aos processos eleitorais —elas estão sujeitas a multas que podem chegar a 6% dos lucros obtidos na UE.

A cruzada ideológica de Musk e a deriva administrativa do Twitter colocaram em marcha um processo irreversível. Daqui a poucos anos, com ou sem choro, veremos as redes sociais aderindo ao horário eleitoral, com o YouTube controlando o tempo de exibição dos seus canais políticos, o WhatsApp limitando o encaminhamento de mensagens e um consórcio de redes monitorando a comunidade virtual.

Esse processo foi construído a partir da iniciativa da União Europeia, que lidera a questão da regulação, e replicado em países onde a democracia quase colapsou por causa da instrumentalização das redes sociais por forças criminosas. O Twitter fará falta, mas ele foi sacrificado por uma boa causa.