terça-feira, 18 de outubro de 2022

Cristina Serra - Bolsonaro e os ladrões de Brasil, FSP

 

Ao dar exemplos de profissões para os jovens, no debate da Band, Bolsonaro mencionou marceneiro e auxiliar de enfermagem, ofícios dignos e honrosos, sem dúvida. Mas o que Bolsonaro expressou foi a visão excludente (a mesma de Guedes e de Milton Ribeiro), de que a universidade não cabe nos sonhos da juventude das periferias.

A aversão aos pobres também ficou explícita quando o tema foi a visita de Lula a uma comunidade, no Rio de Janeiro. Bolsonaro disse que só tinha "traficante" em volta do ex-presidente. Para o candidato que tem conexões com milicianos (um deles, seu vizinho até ser preso), quem mora em favela é bandido.

Seu desprezo aos vulneráveis emerge de forma ainda mais torpe no caso da visita a um grupo de venezuelanas, no entorno de Brasília. São mulheres e meninas refugiadas da fome e do desespero no país vizinho. Participavam de uma ação social, com corte de cabelo e maquiagem, uma forma singela de afeto e resgate de autoestima.

A mente degenerada de Bolsonaro associou as "menininhas, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas" à prostituição. Onde já se viu menina pobre arrumar o cabelo e pintar o rosto se não for para se prostituir com machos velhos e babões como ele? A descrição que ele faz da cena tem as características de comportamento do assediador sexual que se aproveita da fragilidade da vítima. Parou a moto, tirou o capacete, "pintou um clima", entrou na casa.

Se ele achou que estava diante de uma situação de exploração sexual de menores, por que não tomou alguma providência para impedir o crime? Bolsonaro não tem resposta porque sua mentalidade depravada não se escandaliza com a prostituição infantil.

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Bolsonaro não tem freio nem bússola moral ou ética. Cercado de tipos pervertidos como Damares e Pedro Guimarães (abusador, felizmente, afastado), seu governo é uma rede de predadores da infância e de mulheres. São ladrões de futuro. Ladrões de Brasil.


TSE censura Bolsonaro para protegê-lo de si mesmo, Hélio Schwartsman, FSP

 Sei que, nos tempos conturbados em que vivemos, o STF e o TSE se tornaram indispensáveis polos de resistência às investidas autoritárias de Jair Bolsonaro e sua turma. Nessa missão, os togados têm todo meu apoio. Mas gosto de imaginar que vivemos num ambiente adulto e racional, no qual críticas ponderadas são vistas como uma contribuição, não um ataque a pessoas ou a instituições.

Feito esse esclarecimento, penso que o TSE está cometendo erros em série nas decisões sobre o que constitui propaganda abusiva. A corte chegou ao ridículo de, na prática, censurar declarações de Bolsonaro para protegê-lo de si mesmo. Tanto no episódio do canibalismo como no do "pintou um clima" o que foi ao ar eram falas reais do candidato, sem adulteração ou cortes enviesados. Não acho que apetites antropofágicos e desejos pedófilos sejam as melhores interpretações para entender os dois casos, mas o ponto é que não cabe à corte tutelar interpretações. Poderia, no máximo, proscrever a falsificação de fatos incontestes e, mesmo aí, é preciso moderação, pois é difícil encontrar discursos de candidatos que não venham repletos de erros factuais. Se Bolsonaro deu declarações infelizes, é muito razoável que arque com as consequências.

O ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), apresenta a sala de totalização de votos a representantes das campanhas presidenciais, onde trabalham os servidores responsáveis por organizar e totalizar os votos das eleições - Pedro Ladeira - 28.set.22/Folhapress

De modo análogo, não me pareceu correta a proibição da peça bolsonarista que trazia uma interceptação telefônica em que um chefe de quadrilha diz preferir Lula a Bolsonaro. De novo, a gravação é autêntica. A interpretação desse "apoio" é discutível, mas toda interpretação o é.

Quando o TSE se dá a missão de decidir quais interpretações são válidas e quais não são, ele irá fracassar, pois não conseguirá estabelecer critérios estáveis nem aplicá-los de modo consistente. A virtual impossibilidade de proceder a uma regulação "a priori" é um dos motivos por que, à maneira de Stuart Mill, defendo a liberdade de expressão numa forma robusta, ainda que não absoluta.