Sei que, nos tempos conturbados em que vivemos, o STF e o TSE se tornaram indispensáveis polos de resistência às investidas autoritárias de Jair Bolsonaro e sua turma. Nessa missão, os togados têm todo meu apoio. Mas gosto de imaginar que vivemos num ambiente adulto e racional, no qual críticas ponderadas são vistas como uma contribuição, não um ataque a pessoas ou a instituições.
Feito esse esclarecimento, penso que o TSE está cometendo erros em série nas decisões sobre o que constitui propaganda abusiva. A corte chegou ao ridículo de, na prática, censurar declarações de Bolsonaro para protegê-lo de si mesmo. Tanto no episódio do canibalismo como no do "pintou um clima" o que foi ao ar eram falas reais do candidato, sem adulteração ou cortes enviesados. Não acho que apetites antropofágicos e desejos pedófilos sejam as melhores interpretações para entender os dois casos, mas o ponto é que não cabe à corte tutelar interpretações. Poderia, no máximo, proscrever a falsificação de fatos incontestes e, mesmo aí, é preciso moderação, pois é difícil encontrar discursos de candidatos que não venham repletos de erros factuais. Se Bolsonaro deu declarações infelizes, é muito razoável que arque com as consequências.
De modo análogo, não me pareceu correta a proibição da peça bolsonarista que trazia uma interceptação telefônica em que um chefe de quadrilha diz preferir Lula a Bolsonaro. De novo, a gravação é autêntica. A interpretação desse "apoio" é discutível, mas toda interpretação o é.
Quando o TSE se dá a missão de decidir quais interpretações são válidas e quais não são, ele irá fracassar, pois não conseguirá estabelecer critérios estáveis nem aplicá-los de modo consistente. A virtual impossibilidade de proceder a uma regulação "a priori" é um dos motivos por que, à maneira de Stuart Mill, defendo a liberdade de expressão numa forma robusta, ainda que não absoluta.


![Não há menor dúvida, daria golpe no mesmo dia! E tenho certeza de que pelo menos 90% da população ia fazer festa, ia bater palma, porque [o Congresso] não funciona, disse Bolsonaro numa entrevista em 1999; entusiasta da ditadura, ele participou de atos antidemocráticos que defendiam intervenção militar em 2020](https://f.i.uol.com.br/fotografia/2020/04/19/15873267105e9caef6218f0_1587326710_3x2_md.jpg)
![Neste ano, na véspera dos 58 anos do regime militar, o presidente afirmou no Palácio do Planalto: [Na ditadura] todos aqui tinham direito, deputado Daniel Silveira, de ir e vir, e sair do Brasil, trabalhar, constituir família, de estudar; contrariando ordem do STF, Silveira (parlamentar bolsonarista), participava do evento sem tornozeleira eletrônica](https://f.i.uol.com.br/fotografia/2022/04/27/16511001046269c9c844976_1651100104_3x2_md.jpg)





![Após pesquisa Datafolha mostrar vantagem de Lula no pleito de 2022, o presidente atacou Edson Fachin, presidente do TSE, e disse que o ministro quer eleger o petista: "A gente sabe a vida pregressa dele [Fachin]. Foi militante de esquerda, advogado do MST"](https://f.i.uol.com.br/fotografia/2022/05/26/1653609897629015a9e3fb0_1653609897_3x2_md.jpg)



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