quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Marca não pode patrocinar link em busca sobre concorrente, diz STJ. FSP

 Juliana Braga

BRASÍLIA

STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu nesta terça-feira (23) que uma empresa não pode ser exibida com destaque em ferramentas de buscas na internet quando o usuário estiver procurando informações de concorrente. A decisão unânime da 4ª Turma é inédita no tribunal e balizará outras ações sobre a livre concorrência na rede mundial de computadores.

O caso específico diz respeito a duas empresas de turismo especializadas em viagens para a Disney. A Braun Passagens e Turismo LTDA acionou a Justiça porque, quando o nome da sua marca era digitado no Google, quem aparecia com destaque e antes dela era o link da VouPra.com, empresa concorrente que oferece o mesmo serviço.

Pessoas são vistas na empresa Google, durante conferência anual da empresa, em San Francisco, Estados Unidos. (AFP PHOTO / Kimihiro Hoshino) - AFP - France Presse

Isso acontecia porque a VouPra.com teria se valido do mecanismo de link patrocinado, o Google Ads, serviço pelo qual paga-se para que haja exibição com destaque quando determinadas palavras são pesquisadas. Neste caso, a associação foi feita com a marca concorrente.

Os advogados da Braun Turismo alegam que "a ré possui claro intuito de lucrar com a confusão entre as empresas no momento da realização da pesquisa no Google, a partir da sua vinculação indevida aos direitos de registro de marca da autora, e tudo isso em prejuízo à autora".

Os ministros entenderam que a conduta fere a Lei de Propriedade Industrial e confirmaram a multa estipulada em segunda instância de R$ 10 mil.

"Embora seja lícito o expediente dos links patrocinados nos sites de busca, a inexistência de parâmetros ou mesmo proibições referentes às palavras-chaves que acionem a publicidade, escolhidas pelos anunciantes, podem gerar conflitos relacionados à propriedade intelectual", afirmou o relator da ação, ministro Luis Felipe Salomão.

Para ele, o uso por terceiros de marcas registradas como palavras-chaves em links patrocinados é "indiscutível desvio de clientela" e caracteriza concorrência desleal.

"É certo que o estímulo à livre iniciativa, dentro ou fora da rede mundial de computadores, deve conhecer limites, sendo inconcebível reconhecer lícita conduta que cause confusão ou associação proposital à marca de terceiro atuante no mesmo nicho de mercado", afirmou.

É a primeira vez que o STJ enfrenta o assunto e a decisão estabelece uma mudança no modelo de negócios das plataformas de busca. A associação à marca concorrente é comum em links patrocinados. O Google não é parte neste processo, embora responda por outros no tribunal com alegações semelhantes.

Procurada, a plataforma respondeu que não comentaria o caso específico. Mas em nota afirmou que o GoogleAds permite a exibição de anúncios em uma área destacada e devidamente separada dos resultados gerais da busca.

"É um recurso que permite a empresas de todos os tamanhos levar informações relevantes e úteis para os seus consumidores. Como explicado em nossas políticas, o Google não restringe o uso de marcas registradas como palavras-chave, mas limita seu uso no texto do corpo do anúncio, algo permitido apenas ao detentor da marca", esclareceu.


Condenados à morte, José Renato Nalini, OESP

 José Renato Nalini*

25 de agosto de 2022 | 07h00

José Renato Nalini. FOTO: ALEX SILVA/ESTADÃO

Uma condenação à morte por sentença irrecorrível. Esse o significado da premeditada e criminosa destruição da floresta amazônica, espetáculo dantesco passivamente observado por uma população inerte. Os dados são trágicos: a cada hora, o Brasil perdeu cento e oitenta e nove hectares de vegetação nativa ao longo de 2021. Isso significa cerca de cinco mil hectares por dia. Ou praticamente dezessete mil quilômetros quadrados de desmate, ou três vezes a área do Distrito Federal.

A destruição foi vinte por cento maior do que a já nefanda eliminação do verde em 2020. Inadmissível que se derrubem dezoito árvores por segundo. É algo cientificamente comprovado, pelo Relatório Anual de Desmatamento lançado pelo projeto MapBiomas, que monitora as mudanças no território brasileiro e conta com a participação de Universidades, ONGs e empresas de tecnologia.

Qual a causa? Desde 2019, a atividade agropecuária respondeu por 97,8% da área desmatada no Brasil. Os quase três por cento restantes são devidos ao garimpo, mineração e expansão urbana. Setenta e sete por cento da devastação ocorre em imóveis rurais registrados no CAR – Cadastro Ambiental Rural, o que resulta em possibilidade de identificação do titular dominial, em tese o responsável pelo extermínio da floresta.

Mas isto é o Brasil sem lei. Com distribuição gratuita de títulos de regularização, desprezado o ordenamento que impõe requisitos. Os apaniguados, os estimulados a se armarem para fazerem valer com eficácia a sua vontade, recebem esses registros e entendem como liberdade para acabar com a biodiversidade. Quem desmata se sente protegido por um governo antiecológico e antivida. Pois a ciência já comprovou que sem floresta não há chuva, sem chuva não há água, sem água não há vida.

Os protetores da floresta eram vozes clamando no deserto que se avizinha, a cada dia mais próximo. Hoje são ecos perdidos, pois o assassinato dos ambientalistas passou a ser rotina em território entregue à barbárie. Tanto assim, que as estruturas de proteção da biodiversidade foram diluídas, seus funcionários mais atuantes perseguidos, substituídos por gente cordata à chefia dendroclasta.

O engenheiro florestal Tasso Azevedo observa que “os embargos e autuações feitos pelo Ibama e pelo ICM-Bio até maio de 2022 atingiram apenas 2,4% dos desmatamentos e 10,5% da área desmatada identificada entre 2019 e 2021”. Pasmem – se é que os brasileiros ainda conseguem se surpreender com a desfaçatez reinante – “o nível federal tem agido para evitar as autuações. A escolha é por proteger os dois por cento que desmatam, causando impacto para todo o resto da população brasileira”. Tasso Azevedo foi Diretor do Serviço Florestal Brasileiro. Hoje é um agente isolado e ignorado pelo governo.

Apenas por milagre se acreditaria numa reversão desse quadro que comprova a condição de “pária ambiental” de um país que fora pioneiro no ambientalismo, quando reinava o bom senso – matéria destruída nestes últimos anos – sobre a Terra de Santa Cruz. Hoje restou a metáfora do calvário, pois o lenho para a confecção do símbolo máximo do cristianismo já foi consumido pelo fogo para ceder espaço para os pastos.

Produzimos carne para alimentar os países importadores da nossa gigantesca criação – temos mais cabeças de gado do que cérebros humanos – e produzimos grãos para alimentar animais do Primeiro Mundo.

Para quem não perdeu a esperança, resta aguardar que a lucidez consiga vencer a árdua batalha contra a ignorância, a cupidez, o negacionismo, as teorias da conspiração, o mau-gosto, o deboche, a insanidade que acometeu as altas esferas. Um dia chegará em que o animal humano terá de reagir contra a vingança da natureza maltratada. Talvez seja tarde demais, mas nesse dia, se levará a sério a urgência do replantio. O Brasil se ressente de um trilhão de árvores. Estas demoram para crescer. O preço a ser pago pela entrega do país à sanha grotesca dos exterminadores do futuro será bem elevado.

Mas este dia parece cada momento mais remoto. Prepondera, por enquanto, a crueldade livre, leve e desenvolta. Essa crueldade que condena à morte os viventes e os que ainda não nasceram.

Para que Tribunal recorrerão os sentenciados, se a promíscua convivência entre os que ganham com a desertificação e aqueles que são pagos pelo povo para impedi-la, é um dos fenômenos mais abjetos destes nossos dias?

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-202

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Entrevistador faz cara de pôquer, Ruy Castro, FSP

 Entrevistador não faz cara irônica nem compungida. Entrevistador faz cara neutra, de pôquer. Suas perguntas serão diretas, exigindo respostas diretas. Entrevistador tem de saber escutar, ficar atento à resposta e, ao ver que o entrevistado está enrolando, interrompê-lo com firmeza, dizendo que ele não respondeu à pergunta. Entrevistador só muda de assunto quando se satisfaz com a resposta.

Entrevistador não diz que vai mudar de assunto quando muda de assunto. As perguntas, previamente preparadas, têm de se seguir umas às outras com naturalidade. Quando o entrevistado percebe, foi levado pelo nariz pelo entrevistador. Ao preparar cada pergunta, entrevistador já terá previsto possíveis respostas e formulado as perguntas seguintes de acordo. Políticos têm repertório limitado, donde pode-se prever como ele reagirá a esta ou àquela pergunta.

Entrevistador só faz uma pergunta de cada vez. Uma pergunta que se desdobra em várias ou tenha outras embutidas se torna um cacho de perguntas, o que facilita a vida do entrevistado. Além disso, permitirá a ele só responder a última pergunta ou a que lhe for mais conveniente. As perguntas devem ser curtas, objetivas e terminar com ponto de interrogação. Perguntas longas, repetitivas e muito explicadas geram respostas vagas, subjetivas ou falsas, porque dão tempo ao entrevistado para pensar.

Quanto mais curta e rápida a pergunta, mais sem defesa virá a resposta. E, quanto ao ponto de interrogação, não estou brincando. Alguns entrevistadores, em vez de fazer uma pergunta, elaboram uma formulação e, de repente, param e ficam à espera de que o entrevistado a prossiga. Os entrevistados mais espertos fingem escutar e ficam calados, à espera do dito ponto de interrogação.

Quando o entrevistado mente descaradamente, entrevistador olha no olho da câmera e desmoraliza o entrevistado com a informação verdadeira.

William Bonner durante entrevista com Bolsonaro no Jornal Nacional - Reprodução/TV Globo