quarta-feira, 24 de agosto de 2022

THE NEW YORK TIMES - Remédio antigo e barato faz crescer cabelos, dizem médicos, FSP

 


Gina Kolata
THE NEW YORK TIMES

Os anúncios estão por toda parte —assim como as afirmações exageradas: xampus e tratamentos especiais, que às vezes custam milhares de dólares, farão o cabelo crescer. Mas muitos dermatologistas especializados em queda de cabelo dizem que a maioria desses produtos não funciona.

"Há uma infinidade de remédios inúteis para o crescimento de cabelo", muitas vezes com "custo significativo", disse o doutor Brett King, dermatologista da Escola de Medicina de Yale. No entanto, acrescentou, "como as pessoas ficam desesperadas, esses remédios continuam abundantes".

Mas há um tratamento barato, segundo ele e outros dermatologistas, que custa apenas centavos por dia, que restaura o cabelo em muitos pacientes. Trata-se do minoxidil, um antigo e conhecido medicamento para tratamento da calvície usado de uma forma bem diferente. Em vez de ser aplicado diretamente no couro cabeludo, está sendo prescrito em pílulas de dose muito baixa.

Duas imagens lado a lado: na primeira, uma cabeça com falhas no cabelo; na segunda, a cabeça cheia de cabelo
O paciente Brandy Gray, 44, antes e depois de ser tratado pela médica Crystal Aguh com o remédio oral minoxidil - Crystal Aguh/Johns Hopkins via The New York Times

Embora um grupo crescente de dermatologistas esteja oferecendo pílulas de minoxidil em baixas doses, o tratamento permanece relativamente desconhecido para a maioria dos pacientes e muitos médicos. Não foi aprovado pela Agência de Alimentos e Drogas (FDA na sigla em inglês) para esse fim e, portanto, é prescrito "off-label" —prática comum em dermatologia.

"Eu nos chamo de bandidos off-label —título de que me orgulho", disse o doutor Adam Friedman, professor catedrático de dermatologia da Universidade George Washington. Ele explicou que os dermatologistas estudam para entender como os medicamentos funcionam, o que lhes permite experimentar medicamentos ainda não oficiais. Na dermatologia, muitas vezes fica claro se um tratamento está funcionando. A erupção desapareceu ou não?

O doutor Robert Swerlick, professor catedrático do departamento de dermatologia da Escola de Medicina da Universidade Emory, concordou.

"Digo às pessoas que a maioria das coisas que fazemos são 'off-label' porque não há nada 'on-label'", disse o médico, que forneceu uma longa lista de condições, incluindo distúrbios de pigmentação da pele, distúrbios inflamatórios e coceira, para os quais os tratamentos padrão são alternativos.

O minoxidil, ingrediente ativo de Rogaine, loção ou espuma que é esfregada no couro cabeludo, foi aprovado pela primeira vez para homens em 1988, depois para mulheres em 1992, e agora é genérico. O uso do medicamento como tratamento para o crescimento do cabelo foi descoberto por acaso décadas atrás. Pílulas de minoxidil em altas doses estavam sendo usadas para tratar a pressão alta, mas os pacientes frequentemente notavam que as pílulas estimulavam o crescimento de pelos em todo o corpo.

Então, seu fabricante desenvolveu uma loção de minoxidil —mais tarde chamada Rogaine— e conseguiu aprová-la para fazer crescer cabelo em calvos.

Mas os dermatologistas dizem que a loção ou espuma não é particularmente eficaz para alguns pacientes, talvez porque eles param de usá-la. Ela tem que penetrar no couro cabeludo, e o cabelo atrapalha. Muitos, principalmente as mulheres, param de usar porque não gostam de deixar a substância pegajosa no cabelo.

A Johnson & Johnson, atual proprietária do Rogaine, não respondeu a pedidos de comentários.

Outros acham que simplesmente não funciona para eles. O minoxidil deve ser convertido em uma forma ativa pelas enzimas sulfotransferases que podem ou não estar presentes em quantidade suficiente na raiz dos cabelos. Quando o medicamento é tomado por via oral, ele é automaticamente convertido em uma forma ativa.

Mas não foi por isso que as pílulas de baixa dosagem foram descobertas. A descoberta também ocorreu por acaso há 20 anos.

O doutor Rodney Sinclair, professor de dermatologia da Universidade de Melbourne, na Austrália, tinha uma paciente com calvície feminina. O cabelo no alto de sua cabeça tinha afinado, e ela odiava a aparência. Ao contrário do que aconteceu com a maioria dos pacientes de Sinclair, o Rogaine funcionou para ela, mas desenvolveu uma erupção alérgica no couro cabeludo devido à droga. No entanto, se ela parasse de tomá-lo, seu cabelo ficaria fino novamente.

"Então fiquei empacado", disse Sinclair. "A paciente estava muito motivada, e a única coisa que sabíamos era que, se um paciente tem alergia a um medicamento aplicado topicamente, uma maneira de dessensibilizar é administrar doses muito baixas por via oral."

Para isso, Sinclair tentou cortar pílulas de minoxidil em quartos. Para sua surpresa, a dose baixa fez o cabelo dela crescer, mas não afetou a pressão arterial, o objetivo original da droga de dosagem maior.
Em seguida, ele baixou a dose cada vez mais até chegar a um quadragésimo de uma pílula, e começou a prescrever rotineiramente a droga. Essa primeira paciente ainda a toma.

Em um encontro em Miami em 2015, Sinclair relatou que baixas doses de minoxidil estimularam o crescimento do cabelo em cem mulheres sucessivas.

Ele publicou esses resultados em 2017, observando que eram necessários estudos rigorosos, nos quais alguns pacientes seriam aleatoriamente designados para tomar minoxidil e outros, uma pílula de açúcar. Mas isso não aconteceu. Ele disse que já tratou mais de 10 mil pacientes.

Recentemente, um número crescente de dermatologistas que tratam calvície tem dado pílulas de baixa dosagem para pacientes com queda de cabelo de padrão masculino e feminino, uma ocorrência normal com a idade.

"Está apenas começando a haver um aumento de popularidade", disse a doutora Crystal Aguh, dermatologista da Universidade Johns Hopkins. "Cada vez mais compartilhamos nossas histórias de sucesso em conferências."

Médicos não especializados em calvície, acrescentou ela, "não estariam familiarizados com o minoxidil oral", exceto como um tratamento raramente usado para pressão alta que vem com um aviso de que pode causar problemas cardíacos. Mas, segundo ela e outros profissionais, o aviso é para doses muito mais altas.

Se a perda de cabelo for muito grave, o minoxidil não ajudará, disse Aguh. "Não vai funcionar, por exemplo, se um homem for quase careca, com o couro cabeludo brilhante. Não há nada para restaurar." Ela acrescentou que o paciente ideal não é completamente careca, mas perdeu cabelo suficiente para que até mesmo um observador casual note.

Sem um teste rigoroso que leve à aprovação da FDA, entretanto, o uso de pílulas de minoxidil para calvície permanece off-label. E, segundo os dermatologistas, é provável que continue assim.

"O minoxidil oral custa centavos por dia", disse King. "Não há incentivo para gastar dezenas de milhões de dólares para testá-lo em um ensaio clínico. Esse estudo realmente nunca será feito."

PELOS INDESEJADOS

Algumas pacientes que tomam minoxidil em baixas doses, no entanto, notam cabelos dispersos crescendo em seus rostos e queixos. Assim, alguns dermatologistas, incluindo Sinclair, adicionaram outro medicamento —doses muito baixas de espironolactona, uma droga para pressão arterial que também bloqueia certos hormônios sexuais chamados andrógenos— para tentar impedir o crescimento indesejado de pelos.

Os pacientes que não querem seguir o caminho "off-label" ficam com o que alguns dermatologistas dizem ser remédios inúteis ou um dos dois produtos aprovados pela FDA para o crescimento do cabelo.

Eles incluem Rogaine e finasterida, um medicamento genérico usado em doses mais altas em homens para tratar um aumento benigno da próstata. Como medicamento para queda de cabelo, é aprovado apenas para homens. Também tem sido associado à disfunção sexual.

Depois, há o boca a boca sobre o minoxidil em forma de pílula.

"Já vi milagres acontecerem", disse Aguh.

Um deles envolveu Brandy Gray, 44, que mora em Monkton, no estado americano de Maryland.

"Eu estava perdendo cabelo fazia algum tempo", disse ela. "Depois comecei a ter manchas circulares" sem cabelos. "Elas ficaram cada vez piores."

Gray tinha consultado outro dermatologista que lhe deu xampus e suplementos, sem sucesso. Finalmente, ela contou que seu dermatologista lhe disse: "Não há mais nada que eu possa tentar por você, nada que eu possa fazer".

Ela procurou Aguh, que lhe deu minoxidil em dose baixa. Dez meses depois, seu cabelo estava grosso e abundante.

"Eu posso repartir meu cabelo de maneiras diferentes", disse ela. "E não uso mais perucas."

É como se a queda de cabelo nunca tivesse acontecido.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

terça-feira, 23 de agosto de 2022

22.08.22 | O que é a arquitetura passiva, com casas onde não se passa calor nem frio e que quase não consomem energia, BBC Brasil

 

Fonte: BBC Brasil - 13.08.2022
GETTY IMAGES
Reino Unido - Ondas de calor, preço da energia e dos combustíveis nas alturas. Aquecer ou resfriar uma casa vai ficar cada vez mais caro e problemático em qualquer lugar do mundo.

Dentro de poucas décadas, partes da Terra que estavam acostumadas a climas temperados vão sofrer condições meteorológicas muito mais extremas.

Com mais calor, aumenta o uso de ar-condicionado, o que resulta em um consumo maior de energia, que contribui com o aquecimento global, gerando assim... mais calor — um círculo vicioso que já nos capturou e nos condena ao desastre total.

Mas existem soluções para construir edifícios com menor impacto ambiental, seja utilizando materiais naturais recicláveis, como madeira ou barro, ou seguindo uma série de normas que reduzem drasticamente o consumo de energia.

Trata-se do conceito conhecido como "casas passivas", que utilizam a própria arquitetura da construção para mantê-las aquecidas nos meses frios e frescas nos períodos quentes. A redução do consumo de energia nessas construções pode chegar a até 90%.

Arquitetura econômica

"A ideia é que a economia de energia não deve ser apenas preocupação do usuário, mas sim uma questão técnica que pode e deve ser resolvida com os componentes da arquitetura e conhecimento técnico", explica Berthold Kaufmann, cientista sênior do Instituto Passivhaus, a instituição alemã que definiu este padrão de construção que se espalhou por todo o mundo.

Isso significa que reduzir o consumo de energia não deve apenas depender de baixar o termostato, usar mais agasalho no inverno ou nos acostumar a passar calor no verão. A arquitetura pode e deve ajudar.

Seguindo uma série de princípios, como bom isolamento e o estudo da orientação solar e das condições climáticas da região, as casas passivas podem reduzir a pegada energética de uma residência a um nível mínimo.

O arquiteto espanhol Nacho Cordero, formado no conceito de casas passivas, utiliza uma analogia para explicar a questão.

"Imagine que você vai fazer um barco, e a forma de projetá-lo é equipá-lo com uma bomba de drenagem para que não afunde. A arquitetura passiva é o contrário disso. É tentar fazer com que o barco não precise da bomba de drenagem ou que tenha apenas para casos de emergência", afirma.

No fundo, a ideia é simples: "é tentar fazer bem as coisas".

Na verdade, embora a gente costume habitualmente associar as moradias ecológicas a construções espetaculares e luxuosas, ou situadas em cenários de sonho, qualquer casa — até mesmo um bloco de apartamentos na periferia — pode se transformar em uma residência passiva.

Mas uma construção que atenda a esses padrões será muito diferente no Brasil e na Islândia, por exemplo. O conceito e as propriedades físicas que a sustentam são os mesmos — mas, em um país frio, a construção tentará captar o máximo possível de radiação solar, enquanto tentará criar zonas de sombra nos lugares em que o Sol é abrasador no verão.

Ainda assim, o objetivo de todas as construções passivas é o mesmo: manter o consumo de energia no nível mínimo.

"Para uma residência nova, o objetivo das casas passivas é consumir, no máximo, 15 kW por m² por ano e 25 kW para as que forem renovadas com esses padrões", afirma Kaufmann.

Considerando que uma moradia convencional pode consumir de 150 a 300 kW por m² ao ano, a economia é considerável.

Onde surgiu a arquitetura passiva?

Em princípio, a arquitetura passiva — entendida como a arquitetura adaptada às condições climáticas do seu entorno — existe desde a Antiguidade.

Os diferentes povos ao longo da história tentaram empregar os recursos disponíveis à sua volta e adaptar-se à geografia e à meteorologia para construir moradias que oferecessem um nível de conforto aceitável.

As casas de barro do Mali — frescas no interior, mesmo com o impiedoso Sol do Saara — e os iglus dos povos indígenas das regiões árticas são exemplos de moradias sustentáveis e passivas.

Mas a invenção dos sistemas modernos de ar-condicionado e calefação no século 20 fez com que a arquitetura se desvinculasse em grande parte do clima ao seu redor.

Um edifício poderia ser mantido fresco com um climatizador, por exemplo, apesar de ser revestido de vidro em uma região ensolarada. Já as caldeiras de calefação, sejam elas a gás ou outros combustíveis, permitem manter as casas quentes, mesmo com janelas que não fecham direito.

Até que a crise do petróleo dos anos 1970 fez renascer o conceito da eficiência energética — que, com a emergência climática, virou questão de prioridade.

Desde então, o conceito de "moradia passiva" começou a se popularizar nas faculdades de arquitetura, com o objetivo de reduzir o impacto energético dos edifícios.

Surgiram diferentes sistemas nos Estados Unidos, na Itália e na Suíça, mas o que acabou prevalecendo foi o sistema estabelecido no final da década de 1980 pelo alemão Wolfgang Feist e pelo sueco Bo Adamson. Sua primeira passivhaus (termo em alemão que significa "casa passiva") foi construída em 1991 — e, atualmente, milhares de construções ostentam esta certificação em todo o mundo.

Quais são os princípios?

Cinco princípios básicos regem os padrões da residência passiva.

- Isolamento térmico:as casas passivas possuem excelente isolamento térmico, que pode chegar a ser o triplo das construções convencionais.

"Em climas frios, é preciso usar camadas de isolamento de 20 ou 30 centímetros, embora em climas temperados elas não precisem ser tão espessas", explica Kaufmann. Esta camada protetora envolve a casa e evitará a entrada e saída de frio ou de calor.

- Hermeticidade: se for instalado um isolamento térmico de boa qualidade, mas sem boa vedação, o calor escapará pelas ranhuras, gerando correntes de ar incômodas e perdendo eficiência energética.

As casas passivas levam em conta a hermeticidade dos edifícios. Para isso, são realizados testes de sopro de ar para verificar por onde o ar sai e fazer as correções.

- Portas e janelas de boa qualidade: uma parte importantíssima da energia que usamos para aquecer uma moradia escapa pelas janelas.

As casas passivas cuidam ao máximo da orientação dos vãos das residências para aproveitar todo o potencial do Sol. E também utilizam janelas de vidro triplo para evitar as perdas de calor, tanto quanto possível.

Redução das pontes térmicas: são aqueles pontos em que a superfície isolante é rompida (por exemplo, por um prego ou pelo batente de uma janela de alumínio), permitindo que o calor escape de uma construção.

Sistema de ventilação com recuperação de calor: ao abrir as janelas para ventilar, perde-se calor no inverno e frio no verão.

Nas casas passivas, é instalado um sistema de ventilação mecânica, que filtra o ar e recupera o próprio calor da casa para aquecer o ar que entra. Com este sistema, não é necessário abrir as janelas.

Regulamentação pública

O padrão passivhaus é cada vez mais comum em regiões como a União Europeia, cujas instituições exigem que as novas construções se aproximem ao máximo possível do consumo de energia zero. E essas diretrizes são posteriormente implementadas em cada país pelas suas regulamentações locais.

Mas, de forma geral, cada vez mais países tentam reduzir a pegada de carbono das novas construções — às vezes, com medidas chamativas, como a que tentou impor Bill de Blasio, ex-prefeito de Nova York, nos Estados Unidos, ao propor a proibição da construção "dos arranha-céus clássicos de aço e vidro, que são incrivelmente pouco eficientes".

A medida não foi adiante, mas fez com que muitas pessoas refletissem sobre a relação entre a arquitetura e as mudanças climáticas.

Para Kaufmann, a proposta de De Blasio faz muito sentido: não só é mais ecológico, como também é mais barato.

"Cerca de 30% a 50% da superfície de vidro são mais que suficientes para obter a luz necessária. Em um edifício comercial, por exemplo, apenas as janelas acima das mesas são úteis. Tudo o que está embaixo não traz benefícios, além de aumentar o calor no verão e causar perda de calor no inverno", explica.

Posso converter minha residência em uma casa passiva?

Qualquer residência pode virar uma casa passiva. As mais eficientes serão aquelas já construídas com esses padrões, mas Kaufmann garante que "é possível reformar residências seguindo o conceito passivhaus".

"É mais comum na modernização de edifícios inteiros ou casas independentes", afirma Cordero.

Mas isso não significa que um apartamento não possa ser reformado para chegar o mais perto possível do padrão passivhaus.

Quanto custa uma casa passiva?

É claro que investir em materiais de boa qualidade encarece o processo de construção.

"Certamente é um pouco mais caro, mas não muito", reconhece Kaufmann.

Ele calcula o custo do revestimento do prédio em 5% a 6% a mais que o normal. Outros elementos, como as janelas de melhor qualidade, também aumentam o custo final.

"Em números absolutos, calculamos um aumento de cerca de US$ 100 (aproximadamente R$ 520) por m² de área útil em uma construção nova e um pouco mais para as renovações, cerca de US$ 150-200 (de R$ 780 a R$ 1.040) por m²", avalia.

O arquiteto Cordero reconhece que este tipo de construção aumenta o custo da moradia, especialmente para obter a certificação oferecida pelo Instituto Passivhaus, um processo que pode ser longo.

"Não é obrigatório, mas, afinal, é um selo de qualidade", afirma.

Com ou sem selo, o objetivo é sempre o mesmo: economizar energia.

"Os clientes nos dizem que querem uma casa cuja manutenção não seja um rombo energético. No fundo, é questão de bom senso: se você vai fazer um grande investimento, como construir uma casa, é preferível gastar um pouco mais na construção para que, com o passar dos meses, ela seja mais econômica", explica Cordero.

E a manutenção? Exceto pelo sistema de ventilação, que inclui filtros que precisam ser trocados periodicamente, o restante da manutenção é igual às construções convencionais.

Afinal, segundo Kaufmann, trata-se de pensar no futuro. A arquitetura passiva exige um consumo de energia tão baixo que permita o abastecimento da casa apenas com energias renováveis, o que atualmente é impossível para as construções convencionais.

"Por isso, precisamos reduzir a demanda de energia, para quando não tivermos gás ou outras fontes fósseis de energia no futuro", explica Kaufmann.

Um futuro que, talvez, não esteja tão distante assim.

Por que a França resiste ao ar condicionado em plena onda de calor com recordes de temperatura, Yahoo! Notícias

 RFI

© Regis Duvigna/Reuters

A França usa mais ar condicionado do que desejaria, com um quarto dos lares usando algum tipo de dispositivo de resfriamento, desde pequenos ventiladores com água até torres mais complexas, que se assemelham aos aparelhos usados no Brasil. Esse número vem aumentando com a gigantesca onda de calor, mas diante dos efeitos do aquecimento global e da iminente escassez de energia, as autoridades da França e da União Europeia esperam encorajar formas alternativas de resfriamento.

Em dias de calor escaldante, como a maior parte da França tem experimentado recentemente, é possível encontrar pessoas refugiando-se em mercearias ou cinemas - locais que têm mais probabilidade de ter ar condicionado do que casas, ou mesmo escritórios.

Ainda que a utilização do ar condicionado venha aumentando na França, este tipo de dispositivo permanece menos utilizado em terras francesas do que em outras regiões do globo, pois até recentemente o calor extremo tem sido relativamente raro.

Segundo a Ademe, a agência francesa de transição ecológica, cerca de 55% dos comércios franceses e 64% dos escritórios dispunham de um aparelho de ar condicionado em 2020.

Estes números são mais altos do que nas casas das pessoas, onde apenas 25% tinham algum tipo de sistema ou dispositivo em 2020, embora o número esteja em ascensão, já que a França vê o aumento das temperaturas no verão e ondas de calor mais regulares em todo o país.

Isolamento de prédios e mais verde, solução durável

A melhor maneira de manter a temperatura é isolar os edifícios. As normas de construção que entraram em vigor na França em janeiro de 2022 exigem que as novas casas sejam construídas de modo que as temperaturas internas não subam acima de 28° C durante o dia, sem o uso de ar condicionado.

As normas também exigem que edifícios mais antigos sejam renovados durante a próxima década, para eliminar as chamadas "peneiras térmicas", que hoje são cerca de cinco milhões no país.

Entretanto, a França está atrasada, tanto em novas construções "passivas de energia", quanto em reformas.

Para atender às exigências, o país precisaria renovar cerca de 700.000 edifícios por ano, dez vezes o que está sendo feito atualmente.

A vegetação também serve para reduzir as temperaturas. A França lançou um programa para replantar as florestas e as cidades têm colocado mais vegetação para combater os edifícios de asfalto e pedra que absorvem o calor.

Alguns centros urbanos franceses começaram a colocar em prática planos de "diminuição do calor" para enfrentar o aumento da temperatura, o que inclui colocar mais plantas nos edifícios e plantar mais árvores.

A cidade de Paris teve recentemente que recuar nos planos de desalojar certas árvores por causa dos protestos de ambientalistas, que argumentaram que elas desempenham um papel crucial para manter a cidade mais fria.

O sistema de "resfriamento urbano" de Paris

Paris tem um sistema relativamente desconhecido de refrigeração de espaços como o museu do Louvre ou a Assembleia Nacional (o Congresso francês), que faz circular a água do rio Sena a 4°C no subsolo.

O sistema de "resfriamento urbano" reduz as temperaturas internas de 5 a 8°C, em comparação com o exterior.

A cidade se comprometeu a expandir o sistema durante os próximos 20 anos para diminuir o uso de ar condicionado. No futuro, este sistema circulará em todos os hospitais parisienses, em algumas escolas e até mesmo em algumas estações de metrô.

"Todos os bairros serão atendidos por esse sistema em 2042", disse Dan Lert, vice-prefeito responsável pela água.

Paris tem um sistema no inverno de "aquecimento urbano" que utiliza energia geotérmica subterrânea, mas é principalmente para edifícios residenciais, enquanto o sistema de resfriamento é destinado a edifícios públicos e empresas.

Mais ar condicionado, mais emissões

Até recentemente, os eventos de calor extremo na França eram raros, embora desde 2003, quando dezenas de milhares de pessoas morreram, as pessoas estão cada vez mais conscientes de seus impactos, e do fato de que eles estão se tornando mais freqüentes e intensos.

Os cidadãos se apressam para adquirir aparelhos de resfriamento do ambiente durante as ondas de calor, e a demanda tem aumentado. Em 2020, cerca de 800.000 unidades foram vendidas, em comparação com 350.000 por ano, até 2014-2015.

Junto com um aumento no uso do ar condicionado, há um aumento nas emissões de gases de efeito estufa.

Em 2020, o ar condicionado representou 5% das emissões produzidas pela habitação, o setor que mais consome energia na França, 44% do consumo nacional de energia, à frente do transporte (31%).

Os condicionadores de ar produzem emissões através do uso de eletricidade, com unidades embutidas mais eficientes do que muitas das portáteis utilizadas nos apartamentos urbanos.

Os hidrofluorcarbonos utilizados em seus sistemas de refrigeração também produzem emissões, que têm um impacto ainda maior do que o CO2, quando liberado na atmosfera.

Os sistemas de ar condicionado da França liberaram, em 2020, o equivalente a 4,6 milhões de toneladas de CO2, de acordo com a Ademe.

Limitando o resfriamento

Embora a agência reconheça que é improvável que os lares reduzam o uso de ar condicionado, como as temperaturas continuam a subir, ela incentiva as pessoas a comprarem máquinas mais eficientes e a usá-las menos durante o dia.

Limitar o resfriamento a 27 graus Celsius, comparado a 22 graus, reduziria o uso de energia em metade de um dispositivo, e só ligar o ar condicionado quando a temperatura externa atingir 30 graus, em vez de 27 graus, reduziria o uso de energia em dois terços.

O código de energia atual da França, introduzido em 2007, recomenda não resfriar abaixo de 26 graus para economizar energia, mas não há pré-requisitos, e as residências regularmente baixam o termostato para 22 graus.

A Comissão Europeia gostaria que fosse criado um regulamento único para o tema. Como parte de uma proposta para reduzir a demanda de gás russo pelos Estados-Membros, espera-se que a Comissão proponha limitar a refrigeração de edifícios públicos a 25°C, e o aquecimento a 19°C.

(RFI com agências)