sexta-feira, 22 de julho de 2022

Hélio Schwartsman - Método de alfabetização é arma contra o racismo, FSP

 


Ao comentar o livro de John McWhorter sobre o racismo, duas semanas atrás, afirmei que o autor defendia o uso do método fônico na alfabetização como uma das principais armas de combate à desigualdade. Um leitor atento me perguntou como isso seria possível. É uma história interessante, que combina ciência, política, teimosia e coragem.

Na segunda metade do século 20, educadores lançaram a ideia de que a escrita deveria ser ensinada de forma natural, mais ou menos como se aprende a falar. A criança deveria ser lançada no universo das letras e encontraria seu próprio caminho, de modo criativo e prazeroso. Esse sistema, conhecido como "whole language", ou método global, virou moda nos anos 80 e 90. Mais do que isso, ele se tornou um marcador ideológico. Progressistas abraçavam o método global, enquanto conservadores insistiriam nas cartilhas do tipo "vovô viu a uva".

O problema é que o método global se apoiava em hipóteses que foram adotadas antes de ser testadas. Adultos de fato leem palavras inteiras, sem necessidade de decompor o som. Só que isso só ocorre com anos e anos de prática. Crianças, especialmente as de famílias pobres, nas quais os negros estão sobrerrepresentados, aprendem muito melhor quando o professor ensina explicitamente que o alfabeto é um código de sons. E crianças que ficam muito para trás em leitura dificilmente se tornam bons alunos com chances de ir para a universidade.

Os trabalhos científicos que compararam os métodos foram quase unânimes em mostrar isso, mas, como a alfabetização havia sido ideologizada, tornou-se politicamente custoso dobrar-se às evidências. Muitas crianças tiveram seu aprendizado seriamente prejudicado pela teimosia.

Aos poucos, porém, o método fônico vai se impondo. Há pouco, Lucy Calkins (Columbia), por décadas uma das campeãs do método global, corajosamente admitiu que estava errada e é necessário ensinar os sons.

Justiceiros de Higienópolis, Tati Bernardi - FSP

 Moro em Higienópolis, a uma distância razoável da tal casa abandonada que se tornou, por causa de um podcast, o maior point de progressistas da região. A casa onde antes vivia uma mulher repugnantemente racista, que deveria ter sido presa. A casa onde hoje reside o corpo débil de uma psicótica com distúrbios severos.

É necessário discutir e combater o racismo. É necessário discutir e combater a misoginia e o preconceito contra transtornos mentais. Mas hoje eu queria mesmo é discutir e combater o justiceiro branco de Higienópolis e arredores. Esse que recalcou o passado eugenista e escravagista de seus antepassados e resolveu pegar toda a sua vergonha, sua culpa e sua obsessão por uma selfie com filtro e arremessar em uma senhora que defeca no próprio jardim e vive em meio ao lixo.

Eu vejo todos eles da minha janela. Armados de pedras e flashes, peregrinam heroicos e aos bandos em nome da verdade e da bondade. Não podem vomitar na falecida avó, que fazia cara feia e dizia que "fulano é escurinho". Não podem cuspir na foto do patriarca, que maltratava todos os funcionários, sobretudo os pretos, mas deixou um dinheirinho de herança. Não podem nem sequer admitir que eles próprios ainda não registraram "a pessoa que trabalha em casa" (acreditam que chamar alguém de "faxineira" é ofensivo, mas pagar mal pode).

Fãs  do podcast de Chico Felitti passam a noite em frente à casa de Margarida Bonetti, a mulher da casa abandonada
Fãs do podcast de Chico Felitti passam a noite em frente à casa de Margarida Bonetti, a mulher da casa abandonada - Ronny Santos/Folhapress

Eles me fazem lembrar do Facebook, que antes de virar rede social de ignorantes bolsonaristas foi palco de algumas amigas minhas, que apelidei "carinhosamente" de fake feministas. Eu queria morrer quando elas reclamavam de fiu-fiu às três da tarde na Oscar Freire. Eu conhecia bem aquelas cidadãs e sabia que o assovio ofendia muito mais por vir da boca de um motoqueiro pobre do que por ser assédio. E sabia de tantas e tantas histórias daquelas fervorosas defensoras das leis de seus corpos. E a lei de muitas era bem clara: em um divórcio, qualquer que fosse a história, é preciso LIMPAR a conta dos caras.

Pois bem, APOSTO que justamente essa turminha está pirando com a mulher da casa abandonada e já até comprou um quartzo rosa pra tacar na janela alheia. Assim fazem um único post misturando luta social com a importância de ativar o chakra cardíaco.

Pouco tempo atrás, fui a um jantar para angariar fundos para a campanha de uma deputada preta, cujo tema era Poder às Pretas. Só tinha branco assistindo e mulher preta ​servindo. Um mês antes, dei um jantar aqui em casa. Tinha um único preto dançando na pista e três pretos na cozinha. Quem de nós pode meter pedrinha na casa da Margarida?

PUBLICIDADE

Outra coisa que a "branquitude zona oestense" pariu e segue alimentando: o branco de Santa Cecília que se acha menos branco que o branco de Higienópolis e por isso pode dizer: ei, privilegiado, respect! Eu tinha uma amiga santa cecilier que frequentava minha casa e escrevia projetos comigo. Um dia me avisaram: fala horrooores de você. Por quê? Porque te acha branca demais! Oi?

Certa feita, movida por um recalque fantasma que insiste em "odioinvejar" exatamente tudo o que se tornou (ou sempre foi) essa ex-amiga (que é branquíssima, leva seus cachorros para defecar no parque Buenos Aires, trabalha para um grande jornal e escreve para uma grande editora) foi pro Twitter xingar quem é branco, frequenta o mesmo parque e escreve pra grandes jornais e grandes editoras. Movido pela inversão histérica do intelectual de verniz que brinca de justiceiro social quando na verdade é obcecado pela autopromoção, tem branco que quer se apropriar do termo "passabilidade social" negando a própria existência.

A casa abandonada, meu amigo, é você. Sou eu, são meus amigos, são os apedrejadores. Nossos discursos são furados, são deprimentes, são ridículos. E tem mais: se você é fofo durante o dia e viciado em "true crime" à noite, tem que ver isso aí.


Hélio Schwartsman - Mundo tórrido, FSP

 A onda de calor que fustiga a Europa faz com que muitas cidades do continente registrem temperaturas superiores a 40°C. Incêndios florestais também ocorrem em várias regiões. Já não há mais dúvida possível, esses são efeitos do aquecimento global antropogênico, isto é, causado pelo homem. É claro que não dá para concluir isso a partir dessa onda de calor em particular, mas sim do conjunto delas, que vêm se tornando cada vez mais frequentes, intensas e começam cada vez mais cedo. Só em Portugal, uma das áreas mais duramente afetadas, mais de mil pessoas morreram na semana passada devido às altas temperaturas.

E isso nos leva ao fulcro da coluna de hoje: o ar-condicionado. Parte dos ambientalistas torce o nariz para esses aparelhos, que descrevem como um luxo supérfluo que demanda quantidades industriais de energia, consumo este que, num ciclo vicioso, agrava o aquecimento global. A parte da energia é verdadeira, mas eu não chamaria os ares-condicionados de luxo supérfluo, porque eles salvam vidas. E não poucas.

Um trabalho de Alan Barreca, da Universidade Tulane, mostrou que a adoção maciça de ares-condicionados pelos americanos é o principal motivo para uma redução de 80% no número de mortes prematuras nos dias mais tórridos do verão nos EUA. Os óbitos caíram de 3.600 ao ano no período entre 1900 e 1959 para 600 entre 1960 e 2004. Os europeus, até por razões arquitetônicas, não aderiram ao ar-condicionado na mesma escala dos americanos. É uma das razões pelas quais as canículas são mais letais no velho mundo.

O ponto é que, com o aquecimento global, o uso desses aparelhos se tornará cada vez mais uma questão de saúde pública. Não é concebível que, nos países mais ricos do mundo, ondas de calor deixem atrás de si milhares de mortos. O remédio é melhorar a qualidade da matriz energética da geração elétrica, para que o uso dos aparelhos não esquente ainda mais o planeta.