quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Ruy Castro Aquele que veio para destruir, FSP

 

Jair Bolsonaro já está imortalizado como o presidente mais mentiroso do Brasil, mas deve-se admitir que pelo menos uma vez ele falou a verdade —que seu governo viria não “para construir, mas para desconstruir”. Disse isso em março de 2019, num jantar para empresários, políticos e jornalistas em Washington, tendo à sua direita o astrólogo Olavo de Carvalho, que lhe soprava frases. Uma delas, a de que a desconstrução era indispensável porque ele recebera um país rumando para o comunismo. Os gringos não sabiam que Michel Temer, seu antecessor, era comunista.

Bolsonaro tem mais do que cumprido a promessa. Está desconstruindo não só o que herdou dos governos, segundo ele, de esquerda, mas até o que seu dileto regime militar deixou.

Os generais da ditadura, em paralelo à asfixia política e jurídica, corrupção, censura, tortura e execuções que praticavam, pretendiam-se desenvolvimentistas. Costa e Silva criou o Mobral, a Funai e a Embraer. Médici, a Telebrás, a Infraero e o Incra. Geisel reatou relações com a China, foi o primeiro a reconhecer a independência de Angola e conduziu a Petrobras durante uma crise mundial do petróleo. Pois Bolsonaro dedica-se a —perdão, vacas— avacalhar com tudo isso.

Pode-se imaginar como Geisel, nacionalista hidrófobo, reagiria à recente declaração de Bolsonaro de que estava “pensando em privatizar a Petrobras”. Ou o que Castello Branco diria do seu desmonte da educação. E como eles veriam o seu desprezo pela administração, irresponsabilidade com a economia e redução do país a um quintal de condomínio.

Como se não bastasse seu rol de crimes na pandemia —indução à morte, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documentos, violação de direitos, desvio de verbas, prevaricação etc.—, Bolsonaro deixou longe até o inesquecível João Batista Figueiredo na categoria em que este parecia imbatível: a destruição da dignidade da Presidência.

OPINIÃO -​ CARLÃO PIGNATARI Divergência não justifica a barbárie, FSP

 Carlão Pignatari

Deputado estadual (PSDB), é presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo

Victor Hugo, escritor francês do século 19, já advertia sobre os riscos da oratória fácil. Ativista pelos direitos humanos, ele cunhou uma frase que permanece atual até hoje: “As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade”. Nada mais correto.

No último dia 14, ao tentar desqualificar mensagem do arcebispo de Aparecida (SP), dom Orlando Brandes, para quem “pátria amada não pode ser pátria armada”, o deputado Frederico d’Avila (PSL) excedeu-se.

O deputado estadual Carlão Pignatari (PSDB), presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo - Alesp

Da tribuna da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), o parlamentar dirigiu pesadas ofensas ao papa Francisco, ao arcebispo Brandes e à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Após esse episódio, o colegiado dos bispos brasileiros endereçou carta aberta à Alesp, a mim —que atualmente ocupo a presidência do Parlamento estadual— e à população brasileira, rejeitando “fortemente as abomináveis agressões” proferidas pelo deputado estadual.

Em nome do Parlamento paulista, repudio todo e qualquer uso de palavras que ultrapassem a tênue linha que separa a crítica da grosseria gratuita, extrapolando os limites da liberdade de expressão e da imunidade parlamentar, concedida aos representantes públicos eleitos.

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Todo excesso no uso da liberdade de expressão acaba por agredir este mesmo direito, pilar fundamental da democracia, que é consagrada como bem maior da sociedade brasileira.

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O deputado estadual Frederico d'Avila (PSL) em discurso na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) - Mauricio Garcia de Souza/Alesp/Divulgação

Para um político, o dom da palavra é um direito inalienável. Mas que encontra limites no respeito pessoal e na própria lei. Não comporta, portanto, a irresponsabilidade e o crime.

Da tribuna fala o povo, que, por cultura da sociedade brasileira, comunga da união e do amor ao próximo, independentemente do seu credo. A tribuna é ponto de convergência, permitindo opiniões contrárias, mas jamais a pregação do ódio.

Em nome do Parlamento paulista, rogo um pedido expresso de desculpas ao papa Francisco e a dom Orlando Brandes, a quem manifestamos nossa mais incondicional solidariedade.

O arcebispo de Aparecida (SP), dom Orlando Brandes, que afirmou que "para ser pátria amada não pode ser pátria armada" - Gustavo Marcelino

A palavra não é arma para destruição. Ela é um dom. É construção. Todo deputado estadual tem o dever de representar o povo, ouvir as pessoas e fazer valer seu compromisso com São Paulo.

Subir à tribuna, lugar mais importante da Alesp, para proferir ofensas é algo que não pode ser aceito. Em nome do Parlamento paulista, é nosso dever o restabelecimento do respeito, antes de tudo, à democracia.

Peço desculpas também a todos que se sentiram ofendidos pelas palavras, que não representam a opinião da Assembleia Legislativa.

Mais uma vez, digo que o nosso compromisso é com a verdade, com o cidadão, com o respeito e com a coerência. Como presidente da Casa, faço um apelo para que os extremos entendam, de uma vez por todas, que a divergência legitima a democracia. Mas não justifica a barbárie.

A dança TikTok da ciência e o réquiem, Por Nelson Wilians, na FSP

 


Ao mesmo tempo em que o coronavírus se espalhava pelo mundo, a dancinha do TikTok divertia milhões de pessoas. Até o Unicef utilizou esse fenômeno de comunicação para promover um vídeo de dança que ensinava os cuidados básicos de prevenção ao vírus. ​

O aplicativo chinês virou fenômeno e pulou para o sétimo lugar entre os mais baixados da década.

Porém, os desafios de dança podem explodir tão rapidamente no app que se torna difícil rastrear suas origens, como acontece com as fake news.

O advogado Nelson Wilians
O advogado Nelson Wilians - Bruno van Enck / Divulgação

Sobre isso, há pesquisas que apontam que tweets contendo informações incorretas têm duas vezes mais probabilidade de serem retuitados. “Isso ocorre porque a desinformação geralmente é sensacionalista, enquanto os tweets contendo informações corretas parecem convencionais e sem apelo”, explica a especialista em comunicação em saúde da Texas A&M (EUA), Lu Tang.

Junte-se a isso o fato de que as mídias sociais permitem que as pessoas encontrem outras com ideias semelhantes, se mobilizem e defendam suas crenças, podendo exacerbar tensões sociais e comportamentos discriminatórios.

As mídias sociais, no entanto, permitem também que mensagens vitais sejam disseminadas de forma rápida e eficiente, e ainda possibilitam que as comunidades se envolvam ativamente em seu compartilhamento e aprimoramento.

“As mídias sociais têm seus benefícios quando se trata de informar o público sobre uma crise e possíveis soluções”, acrescenta Lu Tang.

Sob esse aspecto, uma das maiores quedas de braço nesses tempos talvez tenha sido a de comunicação entre cientistas e membros do Poder Executivo em diversas questões relacionadas ao combate da pandemia.

Basta examinar a recomendação de uso de máscaras pela OMS. Com o alastramento da Covid-19 e as evidências científicas, logo grande parte da população aderiu ao uso, com apoio de estados, municípios e do Poder Judiciário.

Sem estratégia, o discurso do governo era o de afrontar a ciência e ignorar a emergência de saúde pública. Não entendeu como o risco afeta o que se pode comunicar e como estruturar as mensagens diante de uma população assustada e indignada.

Por outro lado, com empatia, solidariedade e conhecimento, os cientistas construíam uma comunicação coerente baseada em dados científicos e ganhavam espaço e voz nas múltiplas plataformas de comunicação. Se revelavam faróis de confiança mesmo sem haver uma solução definitiva para o tratamento da Covid-19, com mensagens claras e adaptadas para públicos diversos.

Isso ficou evidente nas pesquisas que apontavam o alto índice de brasileiros que desejam ser vacinados, ao mesmo tempo que a popularidade do governo despencava. Estava claro que o descaso colocou motoristas para pilotar o boeing da pandemia. Atônita, com a doença batendo à sua porta e de sua vizinhança, a população não dava mais nenhum centavo de crédito aos mensageiros do planalto.

Agora, os cientistas ainda continuam seus esforços para divulgar as mensagens certas, num processo interativo de troca de informações e opiniões entre indivíduos e instituições para impedir a disseminação de informações falsas — com movimentos coordenados bem ao estilo de uma dança do TikTok. Do outro lado, porém, só se ouve ao fundo um longo réquiem. Amém.

*Empreendedor e advogado