segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Marilene Felinto Banqueiros ostentação, FSP

 Não adianta ler jornal a partir da perspectiva da pobreza. Jornal não é feito para pobre (que, de fato, não lê jornal, nem anuncia em jornal). E do que adianta escrever para jornal do ponto de vista da pobreza? Jornal é feito com e para o poder econômico.

Então eis que, com um tema como este, da luta de classes, uma pessoa pode soar como idiota... É provável. Mas eu, idiota, mantenho o tema, como resposta à indignação de uma amiga (que não é pobre, mas está à esquerda em política) que leu nesta Folha um texto de Candido Bracher (em 19/6), que dizia dos “riscos e perspectivas das nossas eleições de 2022”.

Fui ver. Reparei de cara no “nossas”, como se estivéssemos (que leitores?) em pacto social com o banqueiro: com a opulência dos multimilionários, o rentismo improdutivo, a especulação do capital financeiro, o ultraliberalismo econômico que segue esmagando a maioria trabalhadora.

O alerta da amiga era para o desserviço que o colunista prestava ao país —num momento como este, de grave ameaça à democracia—, equiparando Bolsonaro a Lula, embora Bracher não cite esses nomes, e se refira apenas aos “extremos”, comparando a situação política do Brasil com a do Peru, onde saiu vencedor à Presidência, recentemente, o candidato das forças populares, um indígena, contra um direitista.

Bracher falava em “escapar [nas eleições de 2022] à escolha compulsória entre os extremos” e defendia adesão a tendências “mais próximas ao centro”. Ora, ninguém mais ao centro do que Lula —que não teria governado sem algum conchavo com a massa parasita e podre do chamado “centrão” político, nascedouro e criadouro da corrupção sistêmica brasileira.

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O contorcionismo ideológico do colunista é o modo que ele arranjou para dissimular a verdade (que Lula não é, de forma alguma, igual a Bolsonaro). Num tom algo blasé, com laivos de erudição, ele comemorava no texto sua aposentadoria, após 40 anos de trabalho “gratificante” como executivo de banco.

(Como pode ser gratificante trabalhar para manter o esquema do capital que alimenta a plutocracia concentradora da riqueza do país e eleva exponencialmente a desigualdade?)

Os números há tempos gritam o escândalo: de que 1% da população brasileira detém hoje, sozinha, 50% da riqueza do país. Trata-se do pior nível de concentração de renda desde pelo menos o ano 2000, conforme relatório sobre a riqueza global feito pelo banco Credit Suisse, citado em matéria da CNN: naquele ano, o 1% mais rico era dono de 44,2% das riquezas no Brasil; em 2010 (atenção, governo Lula), esse número havia caído para 40,5%, a menor proporção registrada no período.

Em países de classes dominantes menos indecentes, menos deformadas, como o Japão, por exemplo, o 1% mais rico concentra apenas 18% da riqueza.

A verdade matemática é essa. E a prova dos nove é o lucro dos maiores bancos brasileiros: neste ano, o lucro líquido trimestral desses bancos com ações negociadas em Bolsa, no segundo trimestre, teve alta de 90% em relação ao mesmo período do ano passado.

Ora, o que mais teve aumento tão expressivo no país desde 2020? Os sem-teto, a fome, o gás de cozinha, a carne, a gasolina... Mas, sejamos justos: o colunista não ostentou, em seu texto, as propriedades de luxo que porventura tenha, a ilha, o iate, o helicóptero. Não precisaria ostentar nada disso.

Ostentou a arrogância de sua classe ao defender uma “escolha” mais ao centro (na chamada terceira via), o voto em alguém com a mesma cara branca privilegiada, que mantenha intacto (ou maior) seu capital, seu patrimônio familiar herdado: um tipo João Doria, quem sabe, esse mascarado, esse “Bolsonaro de sapatênis e camisa polo de marca”, como disse um amigo.

Ora, essa tal “terceira via”, como se sabe, não tem interesse em nenhuma reordenação social efetiva, que opere na estrutura mesmo da desigualdade, com redistribuição de riqueza, que elimine a exclusão galopante.

A turma da Faria Lima certamente endossou com entusiasmo o artigo de Bracher. A Faria Lima é uma avenida ostentação de São Paulo, que concentra grandes empreendimentos empresariais e financeiros em prédios inteligentes. Essa turma assinou um “manifesto”, divulgado no dia 5/8 último, em defesa das eleições, pelo fim do “confronto” e pela volta “à normalidade”.

Uma porção de nomes brutais, que dizem compor o “PIB” nacional, alinhou-se na assinatura da tal “carta”. E depois foram dormir tranquilos, com a sensação de dever cumprido, já que também costumam doar uns trocados filantrópicos a uma ou outra fundaçãozinha ou organização da sociedade civil. Mas este é apenas meu ponto de vista, o da pobreza. Não é normal.

Energias renováveis mantêm crescimento e abrem vagas durante a pandemia, FSP

 

RIO DE JANEIRO

No terreno que um dia abrigou as Cavalariças Imperiais, perto da Quinta da Boa Vista, na zona norte do Rio de Janeiro, hoje se constrói uma usina solar para abastecer o Museu Nacional, que passa por um processo de reconstrução após o incêndio de 2018.

O projeto de geração de energia dentro de área urbana é um retrato do crescimento do mercado de energias renováveis no país, que passou quase sem sentir os efeitos da pandemia e prevê aceleração após a aprovação de marco regulatório em discussão no Congresso.

O texto estabelece regras para o funcionamento da chamada geração distribuída, negócio que permite a compra de participação em usinas renováveis por indústrias, comércio e até residências.

"É importante porque vai estabelecer em lei, pela primeira vez no Brasil, o direito do consumidor gerar sua energia renovável", diz o presidente-executivo da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), Rodrigo Sauaia.

Mesmo antes da aprovação do texto, porém, o segmento já vem se aproveitando da busca por alternativas à escalada no preço da energia e pela crescente pressão por descarbonização das atividades econômicas.

Em 2020, o setor de energia solar recebeu investimentos de R$ 12,1 bilhões, alta de 50% em relação ao ano anterior. Na semana passada, a Absolar comemorou a marca de 10 GW (gigawatts) instalados, o que põe o Brasil na décima-quarta posição do ranking global.

O ano de 2021 começou acelerado. "Nosso faturamento cresceu 67% de janeiro a junho", diz Artur Cantador Bernardo, presidente da Dinâmica Energia Solar, empresa que atua na construção e montagem de fazendas solares, com braços em outras etapas da cadeia, como importação de equipamentos.

A Dinâmica começou com uma empresa de projeto de aquecimento de água e diversificou as operações quando o barateamento da tecnologia de geração de energia solar começou a viabilizar os primeiros projetos no país.

"Atualmente, a gente está com cerca de 60 funcionários, mas a tendência é crescer", conta Artur. "Nesse momento, temos obras em praticamente todo o Brasil, de Porto Alegre até Brasília."

"Além da energia estar cada vez mais cara, as empresas estão olhando a questão da sustentabilidade, implantando metas agressivas de redução de carbono", analisa André Castro, presidente-executivo do grupo Gera, que opera fazendas e condomínios solares —e o projeto do Museu Nacional, no Rio.

Com 140 funcionários administrativos e cerca de 200 pessoas trabalhando em campo, a empresa já vê gargalos de mão de obra especializada e iniciou um programa próprio de qualificação para dar conta dos próximos projetos, que somam hoje 25 MW (megawatts), quase o dobro dos 30 MW que já opera.

Mais antigas e difundidas no país, as eólicas viveram um período de retração no final da década passada por causa da falta de leilões do governo, mas já se beneficiam também da migração de consumidores em busca de preços baixos e energia limpa.

Em 2020, o Brasil recebeu R$ 20,6 bilhões em investimentos na fonte, que segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), será o principal motor do crescimento da oferta de energia no país nos próximos anos.

Essa perspectiva levou a fabricante de pás para torres de geração de energia eólica Aeris a lançar ações em Bolsa em novembro de 2020, captando R$ 1,1 bilhão para investimento em ampliação de suas instalações no porto de Pecém, no Ceará.

O dinheiro está sendo usado em um novo edifício industrial e em máquinas para ampliar a produção da empresa, que em 2020 teve um terço de suas vendas no exterior. Desde o início de 2020, a empresa contratou cerca de 2.000 novos funcionários, elevando o quadro de pessoal para cerca de 5.200 pessoas.

A criação de vagas de trabalho no setor segue tendência global. Em relatório sobre o impacto dos investimentos públicos do mercado de trabalho, lançado em maio, o FMI (Fundo Monetário Internacional) diz que os investimentos "verdes" tendem a criar mais empregos do que os tradicionais.

O documento destaca que os projetos e energia renováveis abrem oportunidades para trabalhadores locais e não requerem elevada qualificação. Para cada US$ 1 milhão (R$ 5,2 milhões) investidos em energia renovável, diz, são abertas entre 5 e 10 vagas.

Em seu último planejamento de dez anos, a EPE estima que os investimentos em geração distribuída de energia somarão R$ 93 bilhões até 2030.

"A cada ano que passa, sabemos que podemos confiar menos nas chuvas e, quando olhamos as alternativas, ou é energia fóssil ou é renovável", diz o diretor de Planejamento e Relações com Investidores da Aeris, Bruno Lollis.

Criador de uma startup de gestão energética de empresas, a Fohat, Igor Ferreira lembra que a disseminação do conceito ESG deve levar cada vez mais os empresários a apostarem em renováveis.

"O ESG está acelerando o desembolso de capital mais barato para empresas que atendam a esses requisitos", diz. "Não tem mais como esconder os efeitos climáticos, é visível que o planeta está se deteriorando."

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