segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Três mitos sobre a reforma política, Marcus André Melo, FSP

 

Há três erros interpretativos em relação à reforma política. O primeiro é que seria produto da ação de legendas de aluguel. O segundo é que o distritão seria apenas um bode na sala para garantir o retorno das coligações proporcionais. Mas como iniciativas que contaram com um arco de apoio tão amplo poderiam refletir os interesses de uma pequena minoria?

A rigor, todos os partidos são pequenos ou nanicos: não há outra democracia na qual os dois maiores partidos têm apenas 10% das cadeiras nas assembleias nacionais.

Os parlamentares têm três opções: distritão (D), volta das coligações (C) e o status quo atual (SQ). Em tese, o distritão seria first best para 94% dos parlamentares que não alcançaram o quociente eleitoral e que não teriam mais que montar chapas com outros partidos.

Seus partidos poderiam utilizar os fundos partidário e de campanha para seus próprios candidatos. Afinal 2/3 das bancadas estaduais são coleções de partidos com no máximo dois representantes. O ordenamento de preferências para esse grupo é D>SQ>C, embora para vários deputados as coligações são preferidas à regra atual (C>SQ).

Embora se beneficie da retórica antipartido, o distritão está envolto em muita incerteza, o que acaba gerando resistência. Ademais, para partidos com bancadas maiores (exemplo de PT, PL, PP), cria problemas severíssimos de coordenação: muito voto e poucas cadeiras. Mas os deputados preferiram uma reforma com resultados previsíveis e custo maior a uma alternativa incerta (o distritão), em contextos de turbulência institucional.

O status quo parece ser a segunda preferência de muitos parlamentares com votação expressiva os quais podem sobreviver disputando as sobras mesmo não logrando superar o quociente eleitoral. Muitos neste grupo preferem esta opção à alternativa de coligar-se, embora a incerteza aqui também seja alta. O grupo que prevalecer na escolha dos senadores definirá o resultado, que serão mais sensíveis às demandas coletivas. O quórum de 3/5 é obstáculo real. Mas não temos como estimar o tamanho relativo desses grupos.

A regra vigente e o distritão são rejeitados pelos partidos nanicos e alguns pequenos que não teriam como lograr representação sem coligações nem como superar a cláusula de barreira mais elevada para 2022 (2% do eleitorado), que não é objeto de mudanças, e é crítica para este grupo. A rigor, eles poderão ser os perdedores, e não os vencedores da reforma.

O terceiro erro é acreditar que caso as coligações sejam aprovadas voltaremos ao status quo pré-reforma: a persistência da cláusula terá impacto decisivo no sistema partidário, reduzindo a fragmentação. E ela não foi objeto de mudança.


Resposta aos cães de guarda de Lula, Catarina Rochamonte, FSP

 


Autocratas, de direita ou esquerda, costumam se cercar de bajuladores e cães de guarda. Lula, por exemplo, dono do PT e chefe de seita, os teve quando presidente da República e os mantém hoje; renovados. Entre os novos destaca-se o grupo Prerrogativas, que resolveu açular contra esta colunista o jurista Lenio Strek e os advogados Marco Aurélio e Fabiano Silva, que responderam com o artigo “A colunista e os dois demônios que lhe tiram o sono” ao meu artigo “Bob Jeff, o herói bolsonarista”.

A réplica ao meu texto é uma expressão de revolta com a crítica que faço à decisão do STF pela suspeição do ex-juiz Sergio Moro. Os articulistas afirmam —por ofício ideológico e dever de bajulação— que Lula esteve em “cárcere político” e que era “um réu sabidamente inocente.” A fim de me desqualificar, citaram Wittgenstein de modo boçal e estúpido: “Outra lição vem de Ludwig Wittgenstein (muito lido em faculdades de filosofia), que dizia: sobre o que não se tem competência para falar, deve-se calar”.

É uma referência canhestra à sétima proposição do Tractatus Logico-Philosophicus, obra influenciada por concepções de lógica e linguagem de Frege e Russell, com laivos de mística schopenhaueriana , que aborda complexas relações entre mundo, pensamento e linguagem, culminando na proposição “Worüber man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen”, que aponta para o indizível nos campos da ética, da estética e da metafísica, mas que, na cabeça desse pessoal, serve para fazer patrulhamento do que uma colunista pode ou não escrever.

Em “As ideologias e o poder em crise”, Norberto Bobbio escreveu o seguinte: “Agora que a esquerda
revolucionária reconheceu os direitos da liberdade, quer todos os direitos, e imediatamente. Inclusive o direito de impunidade que foi sempre a prerrogativa dos soberanos absolutos e dos déspotas”.

Os defensores das prerrogativas de impunidade de Lula, que usaram Bobbio contra mim, devem ter pulado essa parte.