Luciana Alvarez
Embora a maior parte do lixo produzido no Brasil ainda seja descartado, tem crescido o número de empresas que se dedicam a transformar resíduos em eletricidade.
O mais comum é a terceirização do processo. Produtores agrícolas ou industriais enviam resíduos orgânicos a grandes usinas, que geram o biogás a partir da decomposição dessa matéria. O biogás pode ser usado diretamente, como um substituto para o gás natural, ou ser transformado em energia elétrica.
Algumas empresas, contudo, preferem ter a própria usina de processamento de resíduos. A Fumacense Alimentos, indústria de produtos de arroz em Morro da Fumaça (SC), montou há 13 anos uma usina termelétrica tendo como principal objetivo dar um destino à casca do cereal.
“Do ponto de vista ambiental, a solução era ótima; do ponto de vista financeiro nem tanto. A gente sabia que era um investimento que levaria dez anos para ter retorno”, diz Lucas Tezza, 31, coordenador da central termelétrica.
A usina, altamente automatizada, precisa de apenas oito funcionários e abastece a Fumacense com toda a energia necessária para beneficiar o arroz, o que traz estabilidade para o negócio. Em 2020, 27 mil toneladas de casca do cereal foram usadas para gerar mais de 6.000 MW/h.
“Hoje, vemos o cenário de escassez hídrica e alta no preço da energia, mas isso não afeta a empresa. Temos o nosso combustível [a casca do arroz]”, afirma Tezza.
Os equipamentos da usina vão ser trocados para outros mais eficientes, que devem aumentar em até 90% a capacidade de geração no ano que vem. A Fumacense já planeja vender energia excedente.
Transformar as sobras em energia também se mostra um bom negócio para algumas startups, como a RSU Brasil. Criada em 2010, ela é o que se chama de “cleantech”, uma empresa que usa tecnologia para promover impactos ambientais positivos.
O foco da RSU é a reciclagem de resíduos. O que não dá para ser reaproveitado vira uma biomassa com alto poder calorífico que pode ser usada como combustível de caldeiras e turbinas a vapor.
“É uma área promissora e necessária. Precisamos aumentar os índices de reciclagem. Além disso, não temos mais espaço para enterrar o lixo e estamos diante de uma crise energética”, diz Verner Cardoso, 49, fundador da RSU.
Ele conta que, desde 2010, já foram investidos mais de R$ 4 milhões na empresa —US$ 100 mil vieram de uma parceria com a ABInbev, grupo do qual a Ambev faz parte.
Até agora, a empresa já tratou mais de 2.000 toneladas de lixo e recuperou quase 500 toneladas de recicláveis. A ideia da Cardoso é criar uma tecnologia que possa ser usada individualmente, na casa das pessoas. “A gente já tem projetos, mas ainda vai levar um tempo até se tornar realidade”, diz.
O engenheiro ambiental Felipe Gomes, 38, sócio da Methanum e idealizador do coletivo Ah, é lixo?!, defende que o foco das empresas deve ser a destinação correta dos resíduos, não a geração de energia.
“A incineração de plástico pode gerar energia, mas vai ser necessária ainda mais energia para se fazer plástico novo. O saldo fica negativo. O ideal é reciclar sempre que possível”, afirma.
A Methanum desenvolve tecnologias para tratamento de resíduos e trabalha só com lixo orgânico. Em tanques fechados, bactérias decompõem o material. De lá saem dois produtos: um fertilizante e o gás metano, que pode ser usado como combustível.
Criada em 2009, a Methanum é uma microempresa, mas já desenvolveu projetos com usinas de álcool e açúcar de alto custo e impacto.
“Conseguimos financiamento de R$ 10 milhões pelo BNDES para um projeto e de R$ 4,6 milhões da Finep [agência do Ministério da Ciência de Tecnologia] para outro”, diz.
Gomes reconhece alguns desafios para o setor, como a crise econômica e a desindustrialização do país, mas acredita que geração de energia a partir de resíduos deve ficar cada vez mais democratizada.
“Nos últimos 15 anos, o avanço do biogás foi incrível. Com tecnologias mais simples, o sistema começa a ter viabilidade para empresas de pequeno porte”, afirma.