domingo, 18 de julho de 2021

Saiba como empresas transformam lixo em energia, FSP

 Luciana Alvarez

LISBOA

Embora a maior parte do lixo produzido no Brasil ainda seja descartado, tem crescido o número de empresas que se dedicam a transformar resíduos em eletricidade.

O mais comum é a terceirização do processo. Produtores agrícolas ou industriais enviam resíduos orgânicos a grandes usinas, que geram o biogás a partir da decomposição dessa matéria. O biogás pode ser usado diretamente, como um substituto para o gás natural, ou ser transformado em energia elétrica.

Algumas empresas, contudo, preferem ter a própria usina de processamento de resíduos. A Fumacense Alimentos, indústria de produtos de arroz em Morro da Fumaça (SC), montou há 13 anos uma usina termelétrica tendo como principal objetivo dar um destino à casca do cereal.

“Do ponto de vista ambiental, a solução era ótima; do ponto de vista financeiro nem tanto. A gente sabia que era um investimento que levaria dez anos para ter retorno”, diz Lucas Tezza, 31, coordenador da central termelétrica.

A usina, altamente automatizada, precisa de apenas oito funcionários e abastece a Fumacense com toda a energia necessária para beneficiar o arroz, o que traz estabilidade para o negócio. Em 2020, 27 mil toneladas de casca do cereal foram usadas para gerar mais de 6.000 MW/h.

“Hoje, vemos o cenário de escassez hídrica e alta no preço da energia, mas isso não afeta a empresa. Temos o nosso combustível [a casca do arroz]”, afirma Tezza.

Os equipamentos da usina vão ser trocados para outros mais eficientes, que devem aumentar em até 90% a capacidade de geração no ano que vem. A Fumacense já planeja vender energia excedente.

Transformar as sobras em energia também se mostra um bom negócio para algumas startups, como a RSU Brasil. Criada em 2010, ela é o que se chama de “cleantech”, uma empresa que usa tecnologia para promover impactos ambientais positivos.

O foco da RSU é a reciclagem de resíduos. O que não dá para ser reaproveitado vira uma biomassa com alto poder calorífico que pode ser usada como combustível de caldeiras e turbinas a vapor.

“É uma área promissora e necessária. Precisamos aumentar os índices de reciclagem. Além disso, não temos mais espaço para enterrar o lixo e estamos diante de uma crise energética”, diz Verner Cardoso, 49, fundador da RSU.

Ele conta que, desde 2010, já foram investidos mais de R$ 4 milhões na empresa —US$ 100 mil vieram de uma parceria com a ABInbev, grupo do qual a Ambev faz parte.

Até agora, a empresa já tratou mais de 2.000 toneladas de lixo e recuperou quase 500 toneladas de recicláveis. A ideia da Cardoso é criar uma tecnologia que possa ser usada individualmente, na casa das pessoas. “A gente já tem projetos, mas ainda vai levar um tempo até se tornar realidade”, diz.

O engenheiro ambiental Felipe Gomes, 38, sócio da Methanum e idealizador do coletivo Ah, é lixo?!, defende que o foco das empresas deve ser a destinação correta dos resíduos, não a geração de energia.

“A incineração de plástico pode gerar energia, mas vai ser necessária ainda mais energia para se fazer plástico novo. O saldo fica negativo. O ideal é reciclar sempre que possível”, afirma.

A Methanum desenvolve tecnologias para tratamento de resíduos e trabalha só com lixo orgânico. Em tanques fechados, bactérias decompõem o material. De lá saem dois produtos: um fertilizante e o gás metano, que pode ser usado como combustível.

Criada em 2009, a Methanum é uma microempresa, mas já desenvolveu projetos com usinas de álcool e açúcar de alto custo e impacto.

“Conseguimos financiamento de R$ 10 milhões pelo BNDES para um projeto e de R$ 4,6 milhões da Finep [agência do Ministério da Ciência de Tecnologia] para outro”, diz.

Gomes reconhece alguns desafios para o setor, como a crise econômica e a desindustrialização do país, mas acredita que geração de energia a partir de resíduos deve ficar cada vez mais democratizada.

“Nos últimos 15 anos, o avanço do biogás foi incrível. Com tecnologias mais simples, o sistema começa a ter viabilidade para empresas de pequeno porte”, afirma.


Crise hídrica impulsiona mercado de energia solar, FSP

 Flávia G. Pinho

SÃO PAULO

Atraídas pelo aumento da demanda por energia solar fotovoltaica, 450 novas empresas se lançam nesse mercado todo mês no país, segundo a Absolar, entidade que representa o setor.

Entre 2019 e 2020, o segmento teve expansão de 60%. “A crise hídrica está impulsionando o mercado. Só até maio de 2021, o crescimento já foi de 64%”, afirma Rodolfo Meyer, conselheiro da Absolar.

Não é só o medo da alta na conta de luz que estimula a demanda. A queda no preço dos equipamentos, que ficaram 90% mais baratos nos últimos dez anos, aliada à oferta crescente de linhas de financiamento, tem feito com que mais gente planeje gerar a própria energia.

Com isso, cada vez mais empreendedores apostam no setor. A franquia Energy Brasil terminou 2020 com 300 unidades e chegou a 450 no último mês de junho. A meta é alcançar 600 até o fim do ano.

Os franqueados podem optar por três modelos de negócio: ponto físico com fachada, store in store (dentro de outra loja) ou home based, que permite trabalhar de casa. Todos demandam investimento inicial de R$ 30 mil, fora custos das instalações.

Mas, aos poucos, a franqueadora tem estimulado a migração do formato home based para um novo, o de contêiner, que pode ser instalado até em estacionamentos.

Homem de capacete e equipamento de segurança instalando painéis de energia solar, que são quadrados escuros, em um telhado
Carlos Balbino, franqueado da Energy Brasil, em telhado de casa com painéis solares instalados por ele em Mairiporã, na região metropolitana de São Paulo - Jardiel Carvalho/Folhapress

“Por ser um setor muito novo, ter uma fachada é importante. Muita gente não sabe aonde ir quando quer adquirir um sistema de energia solar”, afirma Túlio Fonseca, 41, fundador da rede.

Segundo ele, 75% da clientela é residencial —a instalação de um sistema de energia solar fotovoltaica custa a partir de R$ 10 mil. O restante é composto por casas comerciais, pequenas indústrias e propriedades rurais.

A empresa não exige que os novos franqueados tenham formação na área. O fundamental é ter boa noção de gestão empresarial, diz Fonseca.

O empreendedor Carlos Balbino, 41, começou com formato home based em junho de 2020, mas já tem planos de crescer. Em breve, quer abrir uma loja em Taboão da Serra (Grande São Paulo), onde vive.

No primeiro ano de atuação, seu faturamento foi de R$ 400 mil. Em média, ele faz de duas a três instalações por mês e, eventualmente, aparecem clientes maiores.

“Acabei de instalar o sistema em um mercado de bairro que custou R$ 250 mil. Valeu a pena para o cliente, porque ele pagava R$ 10 mil mensais de energia elétrica”, diz Balbino.

Localizada em Goiânia, a Service Energia cresceu 60% em 2020, sobretudo em função das instalações de painéis solares em propriedades rurais onde não há fornecimento de energia elétrica.

Esses sistemas autônomos, chamados off-grid, são um pouco mais caros —um modelo básico, que é capaz de iluminar uma casa pequena, com geladeira e TV, custa a partir de R$ 14 mil.

A clientela da empresa vai de agricultores familiares a pecuaristas donos de fazendas com mais de mil hectares, afirma Euflasio Moura, 35, fundador da Service Energia.

Com apenas quatro funcionários, a companhia atende os estados Goiás e Tocantins e o oeste da Bahia. Cada instalação pode ser feita por duas pessoas em um único dia, porque os kits já saem pré-montados da sede.

“Com essa ameaça de apagão e contas mais altas, até fazendeiros e sitiantes que têm energia elétrica estão nos procurando. Prevíamos vender 50 kits ao longo de 2021, mas temos instalado até dez por mês”, conta ele.

A Enerzee, também especializada em sistemas de geração de energia solar, trabalha com um modelo que permite a pessoas que desejam instalar painéis em suas casas possam, ao mesmo tempo, empreender nessa área.

A partir de um investimento inicial de R$ 299,50, o profissional tem acesso à plataforma de negócios da Enerzee e passa por um curso de capacitação online. Com isso, ele se torna um consultor, uma espécie de representante de vendas independente.

Das comissões, 30% são convertidas em créditos para a aquisição de equipamentos da empresa. A proposta é que, aos poucos, o consultor consiga comprar o próprio sistema e continue ganhando dinheiro com as vendas.

Atualmente, 90% da receita da Enerzee vem dos 686 consultores em atividade. A meta do fundador Alexandre Sperafico, 47, é chegar aos R$ 100 milhões de faturamento em 2021.

Para Rodolfo Meyer, da Absolar, os próximos anos serão de crescimento ainda mais acelerado do mercado de energia solar fotovoltaica.

“É um segmento que só tende a evoluir, porque cada vez mais o consumidor vai querer sua liberdade energética."

Ferramentas ajudam empresários a identificar as origens do desperdício de energia,FSP

 

SÃO PAULO

Empresas que oferecem o serviço de monitoramento do consumo de energia têm ajudado empreendedores a identificar as fontes de desperdício, cortar os custos e otimizar a produção.

Os pequenos negócios representam 40% da clientela da Energia das Coisas, empresa paulistana que desenvolveu um sistema capaz de fornecer um diagnóstico preciso do gasto energético.

Um aparelho, do tamanho de um celular, é conectado ao quadro de luz do estabelecimento e passa a ler os parâmetros de tensão e corrente de cada equipamento e ambiente separadamente. Os resultados podem ser acompanhados em um aplicativo.

No alto, Rinaldo Martins da Silva, dono da fábrica de pães de queijo Grano Dricah, em Osasco, na Grande SP
No alto, Rinaldo Martins da Silva, dono da fábrica de pães de queijo Grano Dricah, em Osasco, na Grande SP - Jardiel Carvalho/Folhapress

Há dois formatos de contrato. No primeiro, o cliente compra o equipamento por R$ 1.750 e tem direito ao serviço de monitoramento por dois anos. Quem preferir pode levar o aparelho em sistema de comodato e pagar a partir de R$ 150 por mês, taxa que varia conforme o tamanho do negócio e a quantidade de equipamentos.

Rodrigo Lagreca, fundador da Energia das Coisas, diz que a instalação é simples. “Despacho o equipamento para qualquer lugar do Brasil. Para instalar, basta assistir a tutoriais pelo Youtube.”


Rinaldo Martins da Silva, 60, dono da fábrica de pães de queijo Grano Dricah, em Osasco (Grande São Paulo), é um dos clientes de Lagreca.

Silva já sabia que a produção do seu negócio depende de equipamentos de alto consumo energético, como a câmara fria e os freezers. As geladeiras são as grandes responsáveis pela conta mensal de luz chegar a R$ 3.000.

Com o aparelho de monitoramento, instalado em 2020, ele conseguiu otimizar a produção. “Organizei o fluxo, por exemplo, para evitar que a masseira e a formatadora, dois equipamentos de alto consumo, sejam ligados juntos”, afirma. Silva optou pelo sistema de comodato e paga R$ 169 por mês pelo serviço.

Ele também investiu em lâmpadas de LED e em um aparelho de ar-condicionado do tipo inverter, que estabiliza a temperatura sem ligar e desligar o tempo todo, gerando economia de até 70%.

“Não consegui diminuir o valor da conta de luz, mas, apesar dos últimos reajustes, sigo pagando o mesmo valor.”

Desenvolvedora de um sistema similar de monitoramento, a Time Energy fez o primeiro teste na própria empresa.

O escritório da companhia, que fica em Campinas (interior de São Paulo), tem 700 m² e gastava R$ 3.000 por mês de conta de luz. O monitoramento indicou que um dos vilões era o sistema convencional de ar-condicionado, que foi trocado por um modelo inverter.

“O maior ganho foi ter diagnosticado o comportamento da equipe. Com algumas mudanças, reduzimos a conta em 20%”, diz Leandro Silva Pereira, fundador da Time Energy.

Com o próprio exemplo como cartão de visitas, não tem sido difícil conquistar clientes. O serviço, que custa a partir de R$ 100 mensais, é procurado por redes varejistas e shoppings, que usam o sistema para monitorar cada loja de forma independente.

Equipamento da Energia das Coisas instalado no quadro de luz da  fábrica de pães de queijo Grano Dricah, em Osasco, na Grande SP
Equipamento da Energia das Coisas instalado no quadro de luz da fábrica de pães de queijo Grano Dricah, em Osasco, na Grande SP - Jardiel Carvalho/Folhapress

Gerente de operações e manutenção do Shopping Vitória, na capital capixaba, Cícero Teixeira Nobre, 47, instalou o sistema da Time Energy em agosto de 2020. Pelo serviço, o centro de compras paga R$ 25 mil mensais.

Seu objetivo inicial era otimizar o trabalho de medição individual de cada uma das 400 lojas e quiosques.

“Uma vez por mês, destacava um funcionário para esse trabalho, que durava um dia, e ficávamos sujeitos a erros e ações judiciais”, conta Nobre.

Agora, a medição individual é automática, e os lojistas podem acompanhá-la por meio de um aplicativo.
O que Nobre não esperava era um bem-vindo efeito colateral: o monitoramento permitiu identificar desperdícios que ocorriam nas lojas e elevavam a conta de luz sem que os lojistas percebessem.

“Em um sport bar com 45 televisores, constatamos um consumo elevado de energia na madrugada, com a casa fechada. Descobrimos que o lojista desligava os televisores, mas os mantinha em stand-by. Ele passou a desligá-los completamente e economizou R$ 4.000 mensais.

Segundo o fundador da Time Energy, o sistema vai além de fornecer o diagnóstico. “Indicamos modificações e ações que envolvem mudança de comportamento. Essa é a parte mais difícil.”


R$ 1.750
é quanto custa um equipamento para monitorar o consumo de energia na empresa Energia das Coisas; o aparelho também pode ser adquirido em sistema de comodato (a partir de R$ 150 por mês). Na Time Energy, o serviço custa a partir de R$ 100 mensais