sexta-feira, 16 de julho de 2021

OBITUÁRIO AGAR DO AMARAL LOPES Mortes: Exótica e engraçada, foi uma Dercy que nunca subiu ao palco, FSP

 

SÃO PAULO

Mesmo separada de Wladimiro do Amaral Lopes desde que as filhas Lucia e Margarida do Amaral Lopes eram crianças, Agar permaneceu com o sobrenome de casada por toda a vida.

Irreverente, engraçada, comunicativa e exótica na forma de se vestir, Agar foi uma Dercy Gonçalves que nunca subiu ao palco.

Tocava piano, de ouvido, e compunha marchinhas de Carnaval com letras que contavam trechos da própria vida. Uma delas virou marchinha do bloco Pré-Pré, que sai na Vila Ipojuca, na zona oeste da capital paulista, antes do pré-carnaval.

Agar do Amaral Lopes (1924-2021)
Agar do Amaral Lopes (1924-2021) - Arquivo pessoal

Nascida em Amparo (a 133 km de SP), veio jovem para São Paulo. Cursou história na USP e teve como único emprego o cargo de titeriteira (manipula títeres, tipo de boneco articulado movido por fios) na prefeitura de São Paulo.

A prisão política da filha Margarida, aos 18 anos, em meados de 1969, tornou-se um trauma que carregou até os últimos dias. Aos 96 anos, Agar tinha pesadelos e acordava chorando e dizendo que a filha tinha sido presa e por isso precisava ir à prisão.

Lucia e Margarida foram para a França no início da década de 1970, onde ficaram exiladas.

Durante cerca de cinco anos, Agar fez da sua tristeza a alegria dos presos políticos em São Paulo —alguns amigos de suas filhas. Ela os visitava semanalmente e estabeleceu uma ligação afetiva com todos.

Como conquistou a amizade dos carcereiros, Agar chegou a entrar no presídio com 20 pizzas e carrinhos de sorvete.

“Uma vez, mandou uma mala imensa para as presas políticas. Elas ficaram animadíssimas pensando que eram livros, mas para surpresa delas, eram vestidos de baile, chapéus e outros acessórios que ganhava”, conta Lucia.

As filhas só retornaram da França com a anistia. “Ela representou muitos heróis e heroínas anônimos da luta contra a ditadura”, diz Lucia.

Agar morreu dia 7 de julho, aos 96 anos, em casa.

Pássara - Chico Buarque e Francis Hime

 E aí

Ela cisma de voltar

Sorri

Quase pra te provocar

Sim, goza tal felicidade

Que tu vais ter que te amargar


Vais perseguir a maldita

Vais insultá-la na rua

Vais jogar pedras na lua

Vais montar uma guarita

Pra que aquela esquisita

Não se atreva a voltar


E aí, e aí, e aí


E aí

Ela cisma de voltar

Sorri

Quase pra te perdoar

Sim, exala tal liberdade

Que não podes mais tolerar


Vai manchar tuas verdades

Vai se enfiar no teu leito

Trair-te no teu próprio peito

Vai quebrar todas as grades

De que um homem é feito

Pra esquecer de voar

Twitter é uma máquina de desmonte de consensos, Link OESP (definitivo e elucidador)

 Com frequência demais, debatemos intensamente o problema das informações falsas que circulam no ambiente digital. Falamos também de ondas de cancelamentos. Do processo de radicalização provocado em alguns ambientes. Mas há um tema sobre o qual raramente discutimos, até por ser mais sutil. A maneira como os algoritmos das redes sociais, o Twitter em particular, lidam com debates faz com que eles se tornem uma máquina de dissenso. Uma máquina de desmonte de consensos.

Democracia tem uma lógica que não é difícil de compreender. Ideias vão sendo lançadas na sociedade. Por vezes, essas ideias são a descoberta de um novo problema. Ou a percepção de ângulos novos para encarar problemas conhecidos. Pode ser igualmente uma sacada de como resolver algo. Grupos políticos abraçam umas ideias, rejeitam outras. Um debate se estabelece, argumentos são lançados e, aos poucos, vai se formando um consenso.

Claro, não há consensos absolutos. Mas ocorre de maiorias se formarem ao redor de determinadas ideias.

É isso que move democracias. Quando funcionam bem, são máquinas bem azeitas que incentivam o surgimento dessas novas ideias, acolhem o debate a seu respeito, e facilitam o processo que permita, com a consolidação dessas maiorias, que passemos da ideia à ação. Vários dos instrumentos democráticos servem para esse propósito. As liberdades de expressão e de imprensa, formação de partidos políticos, eleições regulares em que oposição e situação disputem a oportunidade de chegar ao governo. Tudo serve a isso. Ao estímulo do debate amplo, franco, aberto, sobre as coisas da sociedade.

Mas lance um tuíte à “tuitosfera”. Um algoritmo de aprendizado de máquina, que é a inteligência artificial (IA), imediatamente definirá quem será exposto àquela mensagem. Quantas pessoas serão expostas. Seu objetivo é um só: fazer com que as pessoas voltem ao Twitter. É assim ali, como é no YouTube, como é no Facebook, como é no Instagram, por aí vai.

Ninguém programou ativamente para que o algoritmo se comportasse dessa maneira. Esses programinhas aprendem com a prática. Ele tem um objetivo e se esforça para atendê-lo.

Assim, o tuíte lançado à rede não é apresentado a gente que fique indiferente a ele. É apresentado a dois grupos. Aqueles que ficarão indignados e aqueles que concordarão entusiasticamente. A hipótese de gerar consenso é zero. O que qualquer ideia um pouco mais diferente formará é o contrário: vai provocar uma luta que derramará muito sangue virtual.

Porque há um mecanismo discreto que opera em paralelo. Mesmo que o distinto tuiteiro busque ativamente o diálogo, e comece a conversar com cada um que ele sinta ter levantado um contra-argumento honesto, imediatamente se forma no entorno daquele diálogo uma torcida. Gente de um lado e do outro acusando os dois engajados no diálogo de heresia.

Sim, porque em todas as redes se há algo que funciona é a sinalização de virtude. O curtir, o republicar, o comentar para avisar a todos de sua tribo que a cartilha está sendo seguida à risca. Qualquer um que escape à cartilha, aos dogmas tribais, é imediatamente apontado em seu deslize. A máquina que estimula a sinalização de virtude é uma que também intimide qualquer um que escape a fórmulas predeterminadas. Ou seja: ideologias são congeladas.

O problema é que sociedades avançam justamente quando dogmas são quebrados, consensos antigos são desfeitos em detrimento dos novos. Sociedades avançam quando há o estímulo a se mudar de ideia. No Twitter, há plena consciência do problema – o CEO Jack Dorsey já falou dele publicamente. A solução prometida, porém, segue ausente. Hoje, ganha audiência o polêmico que quer só provocar.

*É JORNALISTA