segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

A saída da Ford e os impactos no médio e longo prazos, FSP

 

Débora Freire, Aline Souza Magalhães e Edson Paulo Domingues

Respectivamente, professoras-adjuntas e professor titular do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG

O anúncio do fechamento das fábricas da Ford no país teve grande repercussão. Enquanto analistas ainda não chegaram a um consenso sobre os motivos que levaram a multinacional a tomar tal decisão, suas consequências podem ser, de maneira geral, projetadas: o fim da produção tem impactos setoriais e macroeconômicos relevantes e negativos.

Em 2020, os veículos da montadora norte-americana representaram 7,4% dos licenciamentos de automóveis (119.454 unidades) e 5,9% do licenciamento de automóveis comerciais leves (19.864 unidades), o que representou 7,13% desses registros.

A produção de automóveis representa cerca de 1% da produção de bens e serviços na economia brasileira e 4% da indústria de transformação. Ainda é um setor bastante integrado à economia como um todo, uma vez que apresenta significativa complementaridade com outros setores por ser grande demandante de insumos, serviços e mão de obra qualificada.

Utilizando um modelo de simulação desenvolvido no Nemea/Cedeplar (Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional) da UFMG, projetamos que a produção nacional do segmento de automóveis recuará 7,4% em 20 anos em relação ao que seria produzido em um cenário sem o fechamento da empresa. A redução dessa oferta poderá repercutir na elevação do preço doméstico e no aumento da participação de importados —uma tendência que já se verifica nesse mercado.

Como se trata de um setor bastante integrado verticalmente, as perdas geradas com a redução da produção de automóveis seriam disseminadas pelos demais, com efeito mais relevante na indústria, que recuaria 0,3% em 20 anos.

Do mesmo modo, setores como comércio e serviços prestados às empresas também serão impactados. Como o efeito é de queda na produção automotiva, e daí decorre uma série de impactos sobre os demais setores, ao final temos uma repercussão generalizada de queda no emprego, renda e, consequentemente, no consumo das famílias. Nossas estimativas projetam, em 20 anos, queda de 0,27% no setor de serviços e de 0,29% na agricultura.

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A economia brasileira pode sofrer uma perda de atividade econômica (medida pelo PIB) de 0,06% em 2021, o que equivale a R$ 3,8 bilhões, e 0,28% em 20 anos (R$ 16 bilhões) em decorrência do encolhimento do setor. Os efeitos negativos na economia em 20 anos seriam observados também no investimento (-0,38%) e no consumo das famílias (-0,33%).

As consequências sobre o emprego se concentram no curto prazo, com recuo de 0,11% em 2021, o que equivale a cerca de 50 mil vínculos empregatícios no mercado formal.

Em uma situação de elevado desemprego e de crise econômica decorrente da pandemia de Covid-19, trata-se de um evento ainda mais relevante e que dificulta a recuperação da economia.

No longo prazo, aponta para a perda de participação da indústria na economia, que tende a ter impactos importantes sobre a dinâmica de crescimento no futuro.

Há uma discussão permeando o debate a respeito da efetividade (ou não) dos subsídios e de outras políticas de incentivo que o setor automotivo, incluindo a empresa, recebeu ao longo dos anos.

Com a saída da Ford, muitos questionam se os benefícios fiscais, que trazem custo ao erário e poderiam ser aplicados em outras políticas públicas, teriam sido em vão.

Acreditamos que uma discussão mais relevante diante da atual crise, que tende a produzir a maior taxa de desemprego dos tempos recentes, seria estabelecer medidas que visem o ganho de competitividade da produção industrial e da economia como um todo.

reforma tributária (PEC 45) caminha a passos lentos no Congresso, ao passo que o Executivo não tem mostrado boa vontade na sua condução. Por ser um setor que envolve mais etapas produtivas, a atividade industrial é sobreonerada pela cumulatividade do sistema tributário, o que aumenta seus custos e reduz a competitividade dos produtos.

Essa reforma tributária, especificamente, pode ser um primeiro passo para evitar que outras empresas também deixem o país.


Ruy Castro Trump sai, Bolsonaro continua, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

Em “De Volta para o Futuro” (1985), Michael J. Fox, vindo daquele ano, vai ao passado pela primeira vez e se refere a Ronald Reagan como o presidente dos EUA. Christopher Lloyd, o cientista, não acredita: “Reagan, o ator? Presidente dos EUA??? E quem é o vice? Jerry Lewis???”. Em 1955, ano em que se passa a história, Reagan, já relegado a filmes B, não poderia ser o presidente nem na tela —papel reservado a atores sóbrios e amados, como Henry Fonda, Ralph Bellamy, Fredric March—, quanto mais na vida real. Pois, em 1980, a vida real elegeu Reagan. Pena que sem Jerry Lewis.

Claro que, diante de Donald Trump, Reagan ganhou estatura de estadista, digno sucessor de Washington, Lincoln e Franklin Roosevelt. Trump rebaixou o cargo a níveis que nem o genocida James Buchanan (1857-61), o imoral Richard Nixon (1969-74) e o mentiroso George W. Bush (2001-09) se atreveram. Fez isto somando e absorvendo as piores ignomínias desses três e acrescentando a última audácia que os EUA esperariam de seu presidente —um projeto de golpe e ditadura.

Trump sairá pelos fundos da Casa Branca em 48 horas, mas o mundo ainda não está a salvo. Até o último minuto ele continuará a fazer o mal —insuflando seu gado ao ódio, sonegando dados sobre a pandemia para seu sucessor e cogitando anistiar a si mesmo e à sua família pelos crimes que cometeram. Muitos americanos que o apoiaram descobrem agora que sua ideia de poder não visava a um fim, qualquer que fosse. Ele era o meio e o fim. A psiquiatria deve ter um nome para isso.

Com o fim de Trump, os americanos têm um país a reconstruir. Aqui chegamos à metade do mandato do subclone Jair Bolsonaro e o pior ainda está por vir.

Pendurado na brocha sem a escada de seu líder, só cabe a Bolsonaro recrudescer. Ele também se vê como um meio e um fim. Resta ver quem chegará primeiro a este fim —ele ou o Brasil.