Jair Bolsonaro está mais próximo de eleger aliados para comandar a Câmara e o Senado do que de perder o cargo. O presidente já foi minoritário no Congresso, mas adquiriu proteção suficiente para ficar no poder, apesar do descalabro produzido pelo governo na pandemia.
Hoje, o cálculo do impeachment beneficia Bolsonaro. Para que a destituição avance, são necessários os votos de 342 dos 513 deputados. Graças ao apoio do centrão, o governo tem a seu lado um bloco que pode superar 200 parlamentares, o que torna essa matemática impossível.
Presidentes têm mais chances de escapar de processos desse tipo em ambientes políticos com alta fluidez ideológica. Como o centrão tem mais afinidades do que divergências com Bolsonaro, o governo consegue atrair essas siglas com facilidade, distribuindo cargos e verbas públicas.
Defensores do impeachment argumentam que é necessário abrir o processo mesmo que não haja apoio inicial suficiente para derrubar o presidente. Segundo eles, é possível construir o placar ao longo do caminho, numa campanha que exponha os crimes de responsabilidade praticados por Bolsonaro e auxiliares.
"Nós estamos em uma briga pelo poder e vou ser fiel àquilo que eu sempre tive com a população brasileira. Não dá para querer jogar nas minhas costas uma possível disseminação do vírus." (16.mar.)Marcos Correa/
Ainda que isso seja possível, uma força contrária também atua a favor do governo, nesse caso. Na largada, se a percepção dos parlamentares for que Bolsonaro tem condições de sobreviver, muitos escolherão ficar com o presidente para colher benesses oficiais. Com isso, o lado pró-impeachment pode ficar mais perto dos 150 do que dos 342 votos.
Um processo frustrado tem seus custos. Uma vitória de Bolsonaro exporia a fragilidade da oposição e fortaleceria os vínculos do Congresso com o governo. O presidente diria que derrotou um golpe e desestimularia novos pedidos de destituição.
O impeachment ainda depende de uma virada nas condições políticas e sociais. Às vésperas da queda de Fernando Collor, 84% dos brasileiros diziam que ele estava envolvido em corrupção. Agora, só 8% afirmam que Bolsonaro é o principal culpado pelas mortes na pandemia.
Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).
Na tentativa de garantir proteção aos moradores na pandemia, condomínios diversificaram o leque de produtos que prometem diminuir os riscos de contaminação ao eliminar microrganismos das superfícies e evitar a exposição nas áreas comuns.
Administradoras de condomínios vêm sendo bombardeadas com ofertas de empresas que classificam suas mercadorias como inovadoras no combate à Covid-19. Os produtos vão de dispositivos para abertura de portas com os pés a softwares que permitem assembleias online com número ampliado de participantes.
“Todos os dias têm chegado ofertas de produtos novos no mercado. Durante a pandemia, temos avaliado a eficácia e viabilidade dessas mercadorias para aplicação nos residenciais”, afirma José Roberto Graiche Junior, vice-presidente do Grupo Graiche, que administra 725 condomínios pelo país.
Mas o consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia Wladimir Queiroz alerta que as inovações podem trazer uma falsa sensação de segurança, levando a um relaxamento das medidas básicas e realmente eficazes no combate ao coronavírus. Mesmo com novas tecnologias à disposição, os moradores não devem dispensar a máscara e o álcool em gel quando precisarem sair de casa.
No mês passado, o Parque Cidade Jardim, complexo de condomínios na zona sul de São Paulo, teve portão, catraca e corrimãos revestidos com folhas de cobre, metal com propriedade antimicrobiana.
Segundo a Elfer Alumínio, desenvolvedora da tecnologia, a inovação é uma lâmina bem fina de cobre autoadesiva, em folhas de 0,05 milímetros de espessura, que podem ser coladas em objetos muito tocados pelos moradores.
Antes, esse revestimento não era viável, e a instalação de uma maçaneta ou corrimão com cobre exigia a troca da peça inteira.
A espessura fina também garante uma área de revestimento maior, barateando o serviço. O custo para aplicar o produto em uma maçaneta varia de R$ 10 a R$ 20. Em uma catraca, o valor vai de R$ 90 a R$ 130. Já em um corrimão, pode chegar a R$ 400.
“Estudos mostram que o coronavírus pode sobreviver por dias em superfícies de plástico ou de inox, comuns em condomínios. Mas, na superfície de cobre, o tempo de vida do microrganismo é reduzido para até duas horas”, afirma o engenheiro Fabio Passerini, gerente da Elfer Alumínio.
Ele explica que o metal tem íons livres que geram uma espécie de ataque e causam rupturas na membrana dos micróbios, destruindo também seu material genético.
Mais comum em objetos de hospitais, o uso do cobre com a tecnologia que permite a laminação de folhas finas autoadesivas deve, segundo Passerini, se popularizar no mercado residencial.
Condomínio localizado na Oscar Freire, região nobre da zona oeste de São Paulo, administrado pela Auxiliadora Predial, também investiu em novas tecnologias para tentar proteger os moradores contra a Covid-19.
Nos dois elevadores do prédio foram instalados dispositivos que, segundo a empresa Superled, matam microrganismos, incluindo o coronavírus.
Por R$ 2.900, o chamado Vírus Killer, produto com luz ultravioleta (UVC), emite radiação que teria capacidade para inativar o microrganismo.
Os sensores do equipamento detectam movimentos, e a luz é emitida sempre que o ambiente está vazio. A luz UVC pode causar danos quando usada incorretamente, provocando queimaduras de pele e córnea ou câncer de pele.
Equipamentos que emitem luz ultravioleta também são vendidos em modelo portátil, com a função de matar o vírus nas superfícies de correspondências e caixas, por exemplo (preço médio de R$ 150).
Outros itens adquiridos pelos condomínios são tapetes sanitizantes, que usam solução de hipoclorito de sódio para desinfetar calçados (preço médio de R$ 100), e dispositivos que permitem abrir portas com os pés (cerca de R$ 75).
Wladimir Queiroz, da Sociedade Brasileira de Infectologia, diz que alguns dos novos produtos até podem mitigar riscos de contaminação, mas não garantem proteção plena contra o coronavírus.
“No caso do cobre, o vírus tem sobrevida mais curta, mas ainda assim resiste por horas. E, nos espaços comuns, não sabemos quando alguém passou pela última vez no local”, diz o médico.
O infectologista também põe em xeque a eficiência da luz ultravioleta. Segundo ele, os raios podem eliminar microrganismos de superfícies, mas não são capazes de eliminar o vírus em suspensão no ar.
“Provavelmente, a maior via de transmissão do coronavírus é a inalatória. Por isso, nada vai substituir o uso de máscara e higienização das mãos”, afirma Queiroz. Segundo ele, ainda que com as novas tecnologias, a sociedade precisa se manter em isolamento social. Já os condomínios devem garantir espaços ventilados e não permitir aglomerações.
Além de novos produtos que prometem combater a Covid-19, a pandemia tem estimulado parcerias de condomínios com empresas que produzem estruturas que evitam o contato físico.
Em condomínios da zona leste e sul de São Paulo administrados pela Oma, o iFood instalou armários que evitam o contato entre entregadores e clientes. O pedido pelo aplicativo é posto diretamente no armário, que é destravado pelo morador com senha.
A Oma também fechou parceria com a rede Hirota para instalação de mercados autônomos dentro dos condomínios. As unidades, sem atendimento físico, funcionam no modelo “honest market”, em que o morador pega o que deseja, paga e vai embora.
Já na Lello Condomínios, a pandemia acelerou a implantação de uma plataforma que permite a realização de assembleias online e, segundo a administradora, tem capacidade ilimitada de participantes.
“A pandemia acabou acelerando uma transformação digital nos condomínios”, diz Angélica Arbex, gerente de marketing e inovações da Lello.
Outras iniciativas adotadas pelos condomínios contra a Covid-19
Implantação de portaria remota Serviço funciona com câmeras conectadas a uma central que monitora a entrada e a saída do condomínio. Visitantes conversam com o porteiro a distância. Iniciativa tem sido usada para diminuir o fluxo de pessoas
Assembleias e áreas comuns Empresas desenvolvem software para realização de assembleias online com capacidade de participantes ampliada. Também criam plataformas para agendar uso de espaços nas áreas comuns
Política de papel zero Condomínios passaram a enviar boletos e comunicados por email e aplicativos de mensagens, reduzindo o risco de contaminação via papéis e o contato com outras pessoas
Medidas básicas contra o vírus Instalação de dispositivos com álcool em gel, de placas com avisos sobre obrigatoriedade do uso da máscara nas áreas comuns e de uso restrito do elevador a pessoas que moram no mesmo apartamento
Incapaz de asseverar, pois não sou sommelier de morte. Nunca morri nem ouvi relatos fidedignos de quem tenha morrido alguma vez. Mas me parece plausível.
A sensação de asfixia traz memórias da morte para quem, por exemplo, luta contra um fragmento de osso de frango que vai de gaiato para a traqueia. Ou para quem, como eu, sofre de apneia do sono. Se nunca morri, consigo imaginar.
A asfixia vem do afogamento na água. Vem do bloqueio físico das vias aéreas. Vem de todas as panes possíveis nos sistemas encarregados de captar e distribuir o oxigênio pelo corpo.
Vem da falta de oxigênio, por óbvio que possa soar.
O Brasil está morrendo asfixiado. No sentido mais literalmente literal.
Pensemos de forma figurada, porém. Manaus é o coração da Amazônia, que é o pulmão do planeta. Imagens equivocadas e bregas, que adquirem tons trágicos na circunstância presente. A própria noção de tragédia, gênero narrativo, é branda perto do horror em curso em Manaus.
Na doutrinação do jornalismo gastronômico, me disseram que Belém é a cornucópia da cultura alimentar genuína do Brasil. Nada contra, mas sei lá. Algo sempre me arrastou, contra a corrente do nosso grande rio Amazonas, para Manaus.
Manaus é a mais improvável das cidades. Notável que não tenha sido engolida pela água, tomada pelo mato, cozida pelo vapor amazônico.
Na primeira vez em que estive lá, cheguei domingo à tarde. Ruas desertas, quase dava para ouvir os ovos fritando no asfalto. Ao anoitecer, as pessoas saíram das casas para a rua. Estratégias de sobrevivência.
Mitos podem ser desatrosos. A propalada fartura da Amazônia é um desses desastres míticos.
Manaus resiste como enclave humano num ambiente demasiado hostil. É quente e úmida ao ponto de embaçar os óculos. É insalubre. Sempre foi pestilenta. Ironicamente, agora a malária ganha a dimensão comparativa de uma gripezinha.
Tudo berra e grita na Amazônia central, nada é sutil. A teimosia de quem se assentou ali criou uma paisagem exuberante também na gastronomia.
Manaus tem o mercado Adolpho Lisboa, rival do Ver-O-Peso em arquitetura e variedade de comidas assombrosas, menos muvucado.
Tem o Banzeiro, restaurante espetacular com conveniente sucursal em São Paulo. Tem o Bar do Armando, ao lado do Teatro Amazonas. Tem o Shin Suzuran, com tataki de tucunaré e outros exemplares de fusion food para os japoneses da Zona Franca.
Tem até um restaurante que resgata formigas e pimentas das tradições indígenas do alto rio Negro. Eu falei que não há sutileza?
Tem tambaqui, tem sardinha de rio, tem matrinxã. Tem o pirarucu: lerdo, gordo, cascudo, sedentário, enorme, nada voraz e melancólico peixe de águas paradas. Tipo eu.
O pirarucu é um raro peixe de respiração aérea, precisa subir à superfície para tomar oxigênio. Se impedido de respirar fora d’água, o pirarucu é um peixe que morre afogado.
Patético, tanto quanto morrer por asfixia no pulmão do planeta.