É preciso dar autonomia aos gestores, definir modelos de gestão com base em dados e na realidade local
Há um ponto que deveria merecer especial atenção na proposta do novo Fundeb que está para ser votada no Congresso. Trata-se da obrigação de que um mínimo de 70% do valor do fundo seja gasto com os servidores públicos da educação.
Num primeiro momento, a ideia parece boa. Para muitos municípios, isso nem mesmo faz muita diferença, a curto prazo, pois o gasto com pessoal vai bem além desse percentual. O Brasil, porém, é grande, e a Constituição é feita para o longo prazo.
Ao longo do tempo, o efeito disso será péssimo. Em um momento que o país toma consciência de que precisa avançar na reforma do Estado, vamos incentivar ainda mais comprometimento de gastos com pessoal e engessar, na Constituição, a aplicação dos recursos da educação.
A Constituição foi sábia em criar um sistema misto de gestão educacional. Conforme explicita o artigo 213 da Carta, os recursos para a educação devem ser destinados às redes próprias, podendo também o ser às escolas filantrópicas, ou seja, públicas não estatais.
A Constituição não estipulou nenhuma hierarquia aí. Apenas criou a opção, de forma que cada gestor (envolvendo governadores, prefeitos, secretários e conselhos de educação) pudesse decidir, à luz da realidade local, qual o melhor modelo para a gestão.
Isso foi feito porque o Brasil é um pais continental e diverso. A ideia sempre foi permitir a avaliação de modelos e oferecer autonomia ao sistema. No atual debate, a pergunta é bem mais simples: como saber se daqui a dez ou vinte anos, nos 5.570 municípios brasileiros, será ainda preciso aplicar 70% ou 80% dos recursos com pessoal?
Me surpreende que o Congresso Nacional, que foi capaz de aprovar um conjunto expressivo de reformas, desde as reformas trabalhista e previdenciária até o recente marco do saneamento básico, arrisque agora a produzir um engessamento inédito na educação brasileira.
Engessamento que expressa um traço de nossa cultura corporativa, de que o acesso dos cidadãos a serviços suponha que eles sejam prestados diretamente pela máquina pública.
Trata-se da velha confusão brasileira entre o público e o estatal. Serviços públicos podem ser oferecidos de modo concorrencial, via contratos, com medição de resultados e, sempre que possível, dando poder aos cidadãos para que façam as suas escolhas.
Na educação brasileira este tema é especialmente atual, dado os resultados pífios que o modelo estatal tem mostrado, cronicamente, seja no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), seja no exame do Pisa, realizado a cada três anos pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
Ele também é atual porque há alternativas ao modelo tradicional que o próprio país vem produzindo. Em todo o Brasil, mais e mais crianças estudam em escolas filantrópicas de ótima qualidade, lado a lado com seus pares de famílias de maior renda.
Cria-se algo essencial para quem leva a sério o tema da igualdade de oportunidades no Brasil: permitir que alunos mais pobres estudem nas mesmas escolas em que estudam os alunos de classe média.
Estas experiências ainda não possuem escala, dada nossa fixação no modelo estatal e aos entraves burocráticos que criamos. É isso que está em jogo no desenho do novo Fundeb.
Não vai aqui rigorosamente nenhum veto a este ou àquele modelo, seja estatal ou não estatal. Esta avaliação precisa ser feita pelos gestores em todo o país, como faculta a Constituição, com base em dados e na realidade local.
O erro é tomar o modelo estatal como o único possível, sem qualquer análise comparativa e contra todos os sinais que nos chegam da realidade da educação brasileira.
É este o erro que o Congresso corre o risco de cometer na votação do novo Fundeb. Todos sabemos que a pressão corporativa é forte e o lobby das famílias mais pobres é inexistente. Elas certamente optariam por dispor dos mesmos direitos à escolha educacional hoje disponíveis à classe média e aos mais ricos no Brasil.
Não se trata de um luxo, como escutei tempos atrás, mas do exercício de direitos fundamentais que nenhum de nós concordaria em abrir mão.