Servidor precisa de aperfeiçoamento, e não de esbulho na verba alimentar
É preciso entender que o primeiro bem comum de uma democracia é a lei.
Ao contrário do que afirma o editorial “Cegueira do STF”, desta Folha (26/6), o STF julgou com propriedade a ADI 2.238, declarando inconstitucional o parágrafo 2º do artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que permitiria redução temporária de jornada de trabalho e salário. Está bem claro que, ao permitir o “temporário” à custa da lei, o objetivo do decreto era e é torná-lo permanente.
A decisão do STF foi acertada, não porque há um ataque ao regime democrático no país, mas porque o artigo 37 da Constituição Federal veda a redução de salários. Ela prevalece sobre todos os artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal, uma lei infraconstitucional. De resto, dentro desse mesmo artigo 37 já estão previstas as soluções legais para a regulação dos salários públicos.
É certo, entretanto, que o servidor guarda vínculo permanente e impessoal com o Estado. Não é preciso mais do que isso para que seja acusado de participar de um movimento corporativo maligno ao país. Trata-se evidentemente de uma falácia. Se há de se falar da debacle econômica de hoje, é preciso atribuí-la a quem tem poder econômico e a quem tem poder de fazer política econômica.
É quanto basta para evidenciar que a crise decorre da iniciativa privada a que falta iniciativa, sobrevivendo de rentismo e de outras práticas questionáveis. Também decorre da má administração pública da própria economia brasileira, que não começou agora, mas que piora a cada dia. Reconheça-se, aliás, que foram poucos os governos brasileiros com investimentos sequer satisfatórios em saúde, educação, ciência e tecnologia, segurança pública e outras áreas que correspondam à soberania territorial brasileira.
Admitida a má gestão dos orçamentos da União, dos estados e dos municípios, fica claro que os eventuais “pesos” de despesa com pessoal devem ser equacionados por esses entes, e não ser custeada pela grande maioria dos servidores, que ganha pouco, ao contrário do que se divulga. O servidor público precisa de aperfeiçoamento, de maior eficácia, certamente, mas não de esbulho em sua verba alimentar.
Todos percebem que não há no país qualquer política coesa formulada para combater a Covid-19, com seus respectivos recursos materiais: hospitais, equipamentos, testes etc. Nessa situação de calamidade, são os funcionários públicos que têm formado a frente dessa batalha, com sacrifícios enormes, inegáveis. No entanto, por desfaçatez, até a pandemia é transformada em oportunidade para caça ao “funcionalismo público”.
Na verdade, a caça é ao espaço público, a tudo o que é público: desde uma praça até um grande orçamento. Essa é a estratégia ideal dos “agentes” do mercado: obter um atalho que exclua a iniciativa e o trabalho duro. Capitalismo entendido como olhos e mãos compridos para o erário público. Como nas privatizações dos anos 1990 e na criação das empresas “campeãs nacionais” nesse século, que não fizeram o país ter marcas brasileiras conhecidas e reconhecidas no mundo, exceto as sandálias Havaianas. Brasil, eterno exportador de “café”.
O país precisa de novas ideias que o façam retomar o caminho do crescimento justo, com diminuição da desigualdade social. O velho jogo de privatismo contra estatismo não trouxe e não traz benefícios à sua população.
A decisão da ADI 2.238 defende o espaço público, da universidade à saúde, incluindo-se o próprio Poder Judiciário. Não se negue a crítica aos entes públicos, mas é preciso que haja um pouco de ponderação aos absurdos agravos contra o Estado.
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