segunda-feira, 1 de junho de 2020

Celso Rocha de Barros Democratas ressentidos vencerão golpistas desesperados, FSP

É preciso fazer uma frente contra o autoritarismo de Bolsonaro, e, se ela for feita, ela vai vencer

  • 40

Os bolsonaristas falaram mais de golpe de estado na semana passada do que esta coluna no último ano e meio, o que é um feito admirável. Do “Acabou, porra” de Bolsonaro ao “não é questão de se, é de quando” de Eduardo Bolsonaro, passando por Olavo de Carvalho pedindo a execução de Alexandre de Moraes, o jogo está cada vez mais aberto.

Bolsonaro nunca teve tantos motivos para dar um golpe. Seja pelos atentados à democracia, pela sabotagem à saúde pública ou pelo aparelhamento da Polícia Federal, é difícil imaginar um cenário em que o Brasil continue tendo lei e Bolsonaro não tenha problemas. Ainda tem ideologia, ainda tem projeto de poder, mas agora o golpe é para fugir da polícia.

As chances de sucesso de um golpe bolsonarista já foram maiores: quando tinham Moro e o lavajatismo na mão, quando tinham o dobro de aprovação popular, quando a reeleição de Trump parecia certa, quando ainda havia quem acreditasse em Paulo Guedes, quando Bolsonaro ainda não havia sido o pior governante do mundo no combate à pandemia.

Mas mesmo um golpe fraco pode ser bem-sucedido se não encontrar resistência.

É preciso fazer uma frente contra o autoritarismo de Bolsonaro, e, se ela for feita, ela vai vencer. Ela será forte o suficiente para intimidar e converter os golpistas prudentes, será forte o suficiente para destruir os imprudentes.

​Não é fácil montá-la. Será uma frente de gente que já brigou no limite de suas forças para derrotar outros membros da frente, de gente que já perdeu cargos por causa de outros membros da frente, que já foi sacaneada por outros membros da frente, que acha (em mais de um caso, com razão) que outros membros da frente são responsáveis por estarmos na situação em que estamos.

O ideal é que essa seja, inclusive, uma oportunidade para conversar, para dar uma olhada no que os outros democratas estão pensando, quem sabe dali não sai algo que sirva para sua própria reflexão? Pode ser uma chance de curar ressentimentos e construir novas alianças. Essas polinizações cruzadas não são raras em momentos como esse. O debate sobre a renda básica, por exemplo, parece estar cruzando fronteiras ideológicas.

A pandemia fortaleceu os governadores, e os governadores de esquerda vinham sendo mais moderados e abertos ao diálogo do que vários parlamentares progressistas (o que é normal, governadores precisam conquistar maiorias). Pode ser o momento de se construir um novo programa de centro, que ainda não existe. Quem não quiser dar palpites sobre os termos de sua reconstrução pode passar o resto da vida correndo atrás dele depois.

Mas se não der para fazer nada disso, não importa, vamos em frente, todo mundo com seus ressentimentos, todo mundo com as feridas abertas, cada um defendendo uma coisa diferente, unidos apenas na preservação da democracia constitucional brasileira. Ninguém precisa votar no mesmo candidato, levantar a mesma bandeira, falar com o mesmo vocabulário. Só é necessário que se esteja disposto a defender a liberdade do adversário mais do que o próprio programa.

A única certeza é que a república se lembrará de quem não a tiver defendido quando ela estava sob ataque, quando seus filhos morriam sem socorro. E nenhum trilhão que não veio vai servir de álibi. ​

Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

OPINIÃO TAÍS GASPARIAN E FRANCISCO BRITO CRUZ Desinformados, FSP

Faltam debate e profundidade no caminho sinalizado pelo Congresso

  • 3
Taís GasparianFrancisco Brito Cruz

Estamos em uma época difícil para tentar regular a desinformação. O medo da pandemia e a crise política deixam a população vulnerável a qualquer tipo de solução mágica. O ideal seria o país discutir o assunto com profundidade e maturidade, ponderando entre ter ou não regulação e, uma vez decido a adotá-la, definir qual tipo de regulação é o mais adequado. Isso deveria ser feito em debate com a academia, a sociedade civil e os setores interessados.

Não é esse o caminho sinalizado pelo Congresso, que mostra urgência, agindo sob a crença de que uma lei acabará com as notícias falsas e apaziguará a crise política. Essa pressa é equivocada, porque desconsidera-se que uma das razões da existência da desinformação é a demanda das pessoas por informações com forte apelo emotivo, que confirmem suas visões.

A advogada Taís Gasparian, do Conselho Consultivo do InternetLab - Reinaldo Canato - 11.set.18/Folhapress

Se inevitável, qualquer proposta legislativa deveria conceituar do que se trata. Desinformação é um conteúdo comprovadamente falso, disseminado com o propósito e o potencial de causar danos. Desinformação não é a notícia que você não gosta de ouvir, ou que acredita ser ofensiva. Não é também a informação errada, veiculada sem o devido cuidado. Não é a informação incompleta, pois cada veículo é soberano na decisão de qual aspecto da notícia se ater com mais profundidade. Desinformação também não é opinião ou interpretação —nem a sátira ou a paródia. Para se chegar a um conceito, é necessário perquirir simultaneamente sobre a natureza do conteúdo e a motivação de quem o divulga.

Na proposta que circula com mais força no Congresso, as empresas de internet sofrerão bloqueios e serão multadas se não agirem contra conteúdos criados por seus usuários. Nessa proposta, delega-se às redes sociais e aos aplicativos de mensagens a ingrata e impraticável tarefa de banir informações, o que provavelmente trará restrições a expressões legítimas. Aposta-se ainda na ideia de tornar lei o que já vem sendo feito pelas empresas, o que engessa soluções futuras. A pressa despreza a solução europeia, em que as empresas se obrigam a códigos de conduta construídos por elas mesmas em conjunto com a sociedade civil e as instituições.

Ainda, se passa ao largo de enfrentar um verdadeiro comércio de fraudes, como disparos em massa e “curtidas” artificiais. Em busca de audiência, algumas empresas, sem nem mesmo se dar conta, anunciam em sites sensacionalistas e cheios de boatos. Uma abordagem democrática passa por conceituar o termo e distribuir diferentes responsabilidades para diferentes agentes, de acordo com o papel que cumprem, e não colocar as plataformas de internet para filtrarem conteúdo sem crivo claro e sob ameaça de bloqueio.

[ x ]

Quem defende iniciativas imaturas de combate à desinformação, sob o argumento de proteger a democracia, precisa ser alertado que somente é possível proteger o que se tem, e que só se tem democracia com garantia à liberdade de expressão. Esforços para combater a desinformação não podem estar desinformados.

Nota dos autores: a expressão em inglês que corresponde à desinformação é deliberadamente omitida neste texto por ser utilizada por governantes para desacreditar a imprensa.

Taís Gasparian

Advogada e sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian - Advogados, integra o Conselho Consultivo do InternetLab, centro de pesquisa em direito e tecnologia

Francisco Brito Cruz

Doutor em direito pela USP e diretor do InternetLab

TENDÊNCIAS / DEBATES