Faltam debate e profundidade no caminho sinalizado pelo Congresso
Estamos em uma época difícil para tentar regular a desinformação. O medo da pandemia e a crise política deixam a população vulnerável a qualquer tipo de solução mágica. O ideal seria o país discutir o assunto com profundidade e maturidade, ponderando entre ter ou não regulação e, uma vez decido a adotá-la, definir qual tipo de regulação é o mais adequado. Isso deveria ser feito em debate com a academia, a sociedade civil e os setores interessados.
Não é esse o caminho sinalizado pelo Congresso, que mostra urgência, agindo sob a crença de que uma lei acabará com as notícias falsas e apaziguará a crise política. Essa pressa é equivocada, porque desconsidera-se que uma das razões da existência da desinformação é a demanda das pessoas por informações com forte apelo emotivo, que confirmem suas visões.
Se inevitável, qualquer proposta legislativa deveria conceituar do que se trata. Desinformação é um conteúdo comprovadamente falso, disseminado com o propósito e o potencial de causar danos. Desinformação não é a notícia que você não gosta de ouvir, ou que acredita ser ofensiva. Não é também a informação errada, veiculada sem o devido cuidado. Não é a informação incompleta, pois cada veículo é soberano na decisão de qual aspecto da notícia se ater com mais profundidade. Desinformação também não é opinião ou interpretação —nem a sátira ou a paródia. Para se chegar a um conceito, é necessário perquirir simultaneamente sobre a natureza do conteúdo e a motivação de quem o divulga.
Na proposta que circula com mais força no Congresso, as empresas de internet sofrerão bloqueios e serão multadas se não agirem contra conteúdos criados por seus usuários. Nessa proposta, delega-se às redes sociais e aos aplicativos de mensagens a ingrata e impraticável tarefa de banir informações, o que provavelmente trará restrições a expressões legítimas. Aposta-se ainda na ideia de tornar lei o que já vem sendo feito pelas empresas, o que engessa soluções futuras. A pressa despreza a solução europeia, em que as empresas se obrigam a códigos de conduta construídos por elas mesmas em conjunto com a sociedade civil e as instituições.
Ainda, se passa ao largo de enfrentar um verdadeiro comércio de fraudes, como disparos em massa e “curtidas” artificiais. Em busca de audiência, algumas empresas, sem nem mesmo se dar conta, anunciam em sites sensacionalistas e cheios de boatos. Uma abordagem democrática passa por conceituar o termo e distribuir diferentes responsabilidades para diferentes agentes, de acordo com o papel que cumprem, e não colocar as plataformas de internet para filtrarem conteúdo sem crivo claro e sob ameaça de bloqueio.
Quem defende iniciativas imaturas de combate à desinformação, sob o argumento de proteger a democracia, precisa ser alertado que somente é possível proteger o que se tem, e que só se tem democracia com garantia à liberdade de expressão. Esforços para combater a desinformação não podem estar desinformados.
Nota dos autores: a expressão em inglês que corresponde à desinformação é deliberadamente omitida neste texto por ser utilizada por governantes para desacreditar a imprensa.
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